A atual gestão do Conjunto Nacional acusa na Justiça a ex-síndica Vilma Peramezza de ter operado um esquema que fraudou pelo menos R$ 29,8 milhões na administração do edifício, ícone de São Paulo, nos últimos dois anos. Substituída recentemente do cargo, ela nega irregularidades e diz ter feito uma administração “transparente, correta e eficiente”.

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Na Avenida Paulista desde 1956, o Conjunto Nacional tem público circulante de cerca de 30 mil pessoas por dia. São três edifícios de 25 andares, com residências e comércios, além de cinema, teatro e academia. Lá, estabelecimentos maiores chegam a pagar mais de R$ 90 mil por mês de taxa condominial. Vilma era responsável por administrar as contas desde 1984. Em março, ela não concorreu à eleição e deixou o posto. Hoje, a gestão é feita pela Sociedade Administração e Melhoramentos Urbanos (Samu), que move ação cível e medida criminal contra a ex-síndica.

Ao Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), a Samu disse que se deparou com a conta corrente negativa e com uma série de dívidas que teriam sido omitidas do Conselho Fiscal e Consultivo do condomínio. O desfalque incluiria débitos com bancos, empresas de fomento mercantil (factoring), fisco e Previdência. O valor foi apontado por auditoria privada (a Alonso, Barretto & Cia), contratada pela Samu. À Justiça, a administradora (a Samu) diz que o dinheiro teria sido desviado para alimentar um suposto esquema de contratos superfaturados com o empresário João Paulo Miguel, ligado à JP Miguel & Engenharia Eireli, que prestou serviço por 30 anos no Conjunto e era responsável por manutenção predial, reformas e obras estruturais. Ele alega que a acusação é falsa.

Foi o próprio empresário quem deu início à disputa judicial, em maio, cobrando da nova gestão pagamentos de serviços que teriam sido prestados entre novembro de 2018 e janeiro deste ano, que somam R$ 2,2 milhões. Logo após a troca de síndico, ele teve dois contratos rompidos unilateralmente pela Samu: um de 2004 e outro de 2017. Cobrada na Justiça, a Samu entrou com pedido de reconvenção – quando a ré passa a acusar o autor no mesmo processo. Ela alega que os acordos rompidos serviriam, na verdade, para “simular” a saída de dinheiro. Para fazer caixa, a ex-síndica teria, entre outros recursos, vendido boletos de condomínio frios a empresas de factoring e pago salários acima do valor de mercado em troca de empréstimo bancário para o condomínio.

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“Vilma desviava recursos que seriam para pagar obrigações legais e repassava a JP Miguel”, afirma o advogado Luís Carlos Dias Torres, que representa a Samu na esfera criminal. Segundo a Samu, o condomínio desembolsou, em média, R$ 800 mil por mês à JP Miguel na soma dos dois acordos em 2018. Hoje, os mesmos serviços teriam sido recontratados por R$ 99 mil, o que indicaria sobrepreço de 700%. Além disso, embora um dos contratos previsse remuneração variável, os repasses seriam “iguais” e “em valores redondos”. A Samu incluiu na ação depoimentos atribuídos a ex-funcionários e formalizados em ata notarial.

Segundo depoimento, parte dos repasses acontecia sem nota fiscal. O condomínio também assumiria despesas próprias da JP Miguel, fazendo pagamentos duplicados, e manipularia balanços negativos para “ficarem positivos e serem apresentados ao Conselho”. A ação acusa, ainda, a participação da ex-conselheira fiscal Selma Feldman no suposto esquema. Embora fosse responsável por analisar contas do condomínio, ela é sócia de Miguel na Felmi Empreendimentos e Comércio Ltda.

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Essa e a empresa Feldman Assessoria de Negócios Ltda., também ligada a ela, teriam recebido mais de R$ 2,4 milhões relativos a contratos da JP Miguel com o condomínio, conforme relatório da auditoria. A segunda empresa é contratada para prestar serviço a Miguel. Selma nega irregularidade.

Segundo a Samu, o trabalho de auditoria teria enfrentado “grandes dificuldades” por causa da suposta ausência de documentos de guarda obrigatória e haveria indícios de que parte dos comprovantes foi incinerada ou triturada. “Os R$ 30 milhões são só uma fotografia”, diz Dias Torres. “Podemos estar falando de um desvio muito maior.”

Defesa

A reportagem procurou Vilma Peramezza. Em um primeiro e-mail, declarou não ter “nada a dizer sobre o assunto”. Depois, a ex-síndica enviou nova mensagem. “O local adequado para respostas a esses assuntos são os autos processuais no momento e oportunidades da lei.” Vilma chegou a mandar um terceiro e-mail. “Quanto ao questionário que me enviou, quero dizer que: todas essas afirmações ali feitas por terceiros são falsas”, disse. “Os assuntos são objeto de ações em juízo onde me manifesto nos tempos e condições que a lei me concede. A gestão do CCN (Conjunto Nacional) que me foi delegada por 35 anos foi feita da forma mais transparente, correta e eficiente, tendo sempre recebido elogios públicos dos condôminos e da imprensa.”

Por sua vez, o advogado Renato Moraes, que representa Miguel, afirma que a auditoria foi “realizada unilateralmente” e seria de “duvidosa qualidade técnica”. Segundo ele, os depoimentos de funcionários também foram colhidos “sob condições muito obscuras” e a acusação do suposto esquema seria para “evitar pagamento da dívida” cobrada na Justiça. Já Selma diz ter sido “surpreendida” com a ação e diz que, até o momento, a sua citação não foi apreciada pelo juiz. “Minha função era verificar, com meus colegas de Conselho, se as contas apresentadas estavam comprovadas e sempre confirmamos em conjunto regularidade.”

Ela observa que Vilma foi historicamente eleita como subsíndica na chapa do Grupo Savoy (do qual a Samu faz parte). “Aliás, a síndica de direito, eleita mais uma vez, (…) continua sendo a mesma Samu”, afirma. Procurado, o Grupo Savoy diz que “tais fatos sempre foram omitidos aos conselhos”. “Nos anos em que Vilma atuou como síndica houve renúncia do Grupo Savoy, sendo este tão lesado quantos os condôminos.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.