Um garoto transgênero de 12 anos conseguiu na Justiça o direito de interromper a puberdade em Uberlândia (MG). Após ser pressionado pelo pai, em razão da orientação sexual, com a ajuda da mãe ele acionou o Ministério Público, que ingressou na Justiça e obteve decisão favorável da Vara da Infância e da Juventude. Além disso, está em discussão no Conselho Federal de Medicina (CFM) a criação de norma à classe médica que pode alterar o limite de idade da terapia hormonal a adolescentes transexuais e travestis – hoje em 18 anos – e a autorização de bloqueio da puberdade na pré-adolescência desses pacientes.

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O juiz de Minas autorizou o adolescente a fazer um tratamento que impede o desenvolvimento de suas características sexuais. Isso após profissionais emitirem um laudo apontando que, apesar de geneticamente ser homem, o garoto comporta-se e age como se fosse do gênero feminino.

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O promotor de Justiça de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente, Jadir Cirqueira de Souza, diz que em julho – usando trajes femininos e acompanhado da mãe, o garoto foi até a promotoria. Também o acompanhavam membros de uma equipe multidisciplinar da Universidade Federal de Uberlândia (UFU). “Inicialmente achei que fosse uma menina e descobri que era um garoto somente quando ele narrou sua história”, disse. A mãe contou ter buscado ajuda após o filho ser impedido de frequentar o ambulatório de processo transexualizador do Hospital de Clínicas.

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É o primeiro caso de que se tem conhecimento no Estado e o juiz Lourenço Migliorini Fonseca Ribeiro argumenta que sua decisão, do fim de julho, está ancorada “em moderna doutrina, jurisprudência e no princípio da proteção integral”. “Não se pode conceber que o pai, de forma discriminatória, impeça ou prejudique os tratamentos e os acompanhamentos psicossociais indicados, com clara violação da dignidade humana e do livre desenvolvimento da saúde mental do adolescente.”

O casal envolvido é de origem simples, tem na faixa dos 30 anos de idade e está separado há cerca de cinco anos. A pedido da Justiça, nomes e detalhes não serão divulgados, mas a relação com o filho estaria entre os motivos de desavenças e da separação. A mãe conta que muito cedo já era possível identificar os sinais femininos. “Desde os 2 anos de idade ou menos.” Neste ano, ela procurou ajuda no ambulatório inaugurado em janeiro para atendimento a pessoas trans.

Mudança no País

Segundo portaria do Ministério da Saúde, “transexuais são pessoas cuja identidade de gênero é oposta ao sexo biológico”. O procedimento transexualizador é voltado a “pessoas que sofrem com a incompatibilidade de gênero”. Um levantamento feito pelo próprio ministério aponta que no País, entre os anos de 2008 e 2016, foram realizados 13.863 procedimentos ambulatoriais relacionados ao processo transexualizador.

Não há hoje no Brasil uma normativa que padronize o comportamento médico em casos de transexualidade. Embora um parecer do CFM, de 2013, trate sobre terapia hormonal para adolescentes transexuais e travestis a partir dos 16 anos, sob confirmação clínica do transtorno de identidade de gênero, o documento funciona só como orientação aos médicos.

Busca-se agora uma diretiva maior que, em caso de descumprimento, o médico possa ser alvo de sindicância e sanção.

Membro da comissão que analisa as mudanças, o psiquiatra Alexandre Saadeh diz que o tema é “difícil e complexo” e, portanto, “vai levar o tempo que tiver de levar, para ser a melhor decisão”. “Há uma série de discussões hoje na comissão. Hormônio antes dos 18 anos, bloqueio (da puberdade), acompanhamento de travestis e outras expressões de gênero. Ainda não se fechou uma definição”, explica o coordenador do Ambulatório Transdisciplinar de Identidade de Gênero e Orientação Sexual, do Hospital das Clínicas em São Paulo.

Segundo o psiquiatra, é importante que o bloqueio da puberdade seja feito quando a criança está entrando na adolescência. “Assim, você impede o desenvolvimento dos caracteres sexuais secundários (como pelos no corpo, voz grave e pomo de Adão no caso do desenvolvimento biológico masculino).”

Sem judicialização

Semelhante ao episódio do garoto transgênero de 12 anos, duas famílias em conflito sobre a transexualidade do filho já procuraram o Ambulatório em São Paulo. O pai ou a mãe discordava sobre o início do tratamento da criança ou do adolescente.

A equipe de profissionais do espaço conseguiu evitar a judicialização do caso. Saadeh reforça que, quando o pai ou a mãe nega a autorização de tratamentos – como aconteceu com o garoto de 12 anos -, a consequência é o sofrimento mental do paciente. “É um sofrimento profundo que pode ser extremamente pesado e gerar consequências para a vida toda.”

Outro caso

Outro caso que serve como exemplo é o de Bárbara (nome fictício), criança transgênera que mora em Salvador e é tratada no Ambulatório do HC. Ela conseguiu que a escola a tratasse pelo gênero feminino e a mãe, Raquel (nome fictício) já percebeu melhoras – até mesmo físicas. “Ela chorava muito, adoecia muito, era uma criança tímida. Agora, é o extremo oposto. Ligada no 220.”

Mãe e filha são acompanhadas por uma equipe de médicos. Mas Raquel já acompanha o crescimento do órgão sexual masculino e dos pelos de Bárbara. “Tem de ficar atento aos sinais da puberdade porque o bloqueador precisa ser inserido exatamente quando a puberdade se inicia. Não pode ser antes. Quando ela tiver idade, com certeza vai tomar o bloqueador de puberdade, sim”, afirma.

Decisões como a de Minas devem reverberar ainda pelo País afora, na opinião do defensor público Erik Saddi Arnesen, coordenador do Núcleo Especializado de Defesa da Diversidade e da Igualdade Racial de São Paulo. “Quanto mais essas questões virarem demandas sociais, passando a ser uma situação mais presente em nosso meio, mais vão aumentar as demandas judiciais.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.