Brasília – Com um discurso de quatro páginas, o deputado Fernando Gabeira disse ontem, na tribuna da Câmara, que deixa o PT e sai da base do governo “para uma atuação independente”. Gabeira disse que acreditava que as mudanças pudessem ser feitas pelo Estado e que sonhava que a chegada do PT ao poder fosse uma repetição da chegada da social-democracia ao poder na Europa, mas, segundo ele, o governo do PT acabou se assemelhando mais aos do Leste europeu, onde prevalece “o produtivismo” do partido. “Meu sonho acabou. Concluí que sonhei um sonho errado”, disse.
Ele disse que, quando apresentou um projeto para criar o Estado do Pantanal, foi surpreendido pelo presidente da República (sem citar o nome de Lula) falando de exploração mineral na região, “tudo em nome do produtivismo”. Segundo o deputado, a sua saída do PT não deve ser vista como um rosário de lamentações, afirmando que também houve vitórias em sua passagem pelo partido.
“É preciso celebrar também algumas vitórias em comum. A mais importante delas, apesar da distância física, foi quando o Brasil decidiu condenar a guerra do Iraque”, disse. Em seguida, ele apontou mais um desencontro de sua posição com a do governo na questão da política externa, condenando o fato de Lula, em sua recente visita a Cuba, não ter se encontrado com os dissidentes do regime de Fidel Castro. “Era preciso denunciar as violações de direitos humanos, pedir por Raul Rivero e os jornalistas e intelectuais presos, condenar a execução a toque de caixa dos seqüestradores de um barco. Era preciso também falar com a oposição. Nada disso foi feito e eram, na minha opinião, interesses nacionais que estavam em jogo. Nada tenho contra afetos, gratidões pessoais, mas são faculdades humanas admiráveis que não podem prevalecer sobre nossos interesses de Estado”, comentou.
Segundo o deputado, nossa política externa “vive um grande sobressalto caracterizado pela falta de pagamento aos embaixadores e funcionários”. De acordo com ele, “não há política externa que resista a esse tipo de pressão cotidiana”. Entre suas discordâncias do governo na questão ambiental, Gabeira citou a medida provisória que, segundo ele, autoriza o plantio de sementes transgênicas introduzidas clandestinamente no país.
“Quando um governo cede nessas questões, além da mensagem perturbadora que passa para outros (governos), que põe em perigo o meio ambiente, ele se mostra realmente incapaz de entender os tempos modernos, situando-se no nível dos dirigentes comunistas europeus escravos de um produtivismo estreito que deixaram atrás de si uma paisagem desoladora”, disse.
“Negação”
Para Gabeira, isso é a negação do direito de escolha dos consumidores brasileiros. “Trabalho nessa questão dos transgênicos com o princípio da precaução, não com a síndrome do pânico. Não confundo os dois. Creio que posso ser o interlocutor, se houver o interesse real de corrigir o erro”. Gabeira disse que, intelectualmente, tinha a visão da precariedade do Estado, criticando o que ele chamou de domínio da política pela economia e a transformação dos governantes em administradores do caos, “que vem do próprio processo de globalização”.
Dirceu diz que política continua
Brasília
(AE) – O ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, disse que o governo tem uma política ambiental consistente e não vai mudá-la. Lembrado pelos jornalistas de que a saída do deputado Fernando Gabeira (RJ) do PT levantou o tema e questionado se existe a possibilidade de a política ambiental mudar, Dirceu afirmou que “o País precisa e deve regulamentar a questão dos transgênicos para não cair na ilegalidade, como está acontecendo”.Segundo ele, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva determinou, e a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, está coordenando um grupo de trabalho interministerial. “É a primeira vez que isso acontece com relação ao desmatamento na Amazônia”, ressaltou. “Existe um projeto que está sendo elaborado de comum acordo com os governadores da Amazônia, com os parlamentares, com ONGs, com relação ao desenvolvimento sustentável da Amazônia”, acrescentou.
Ministro critica Poder Judiciário
Brasília
(AE) – Ainda a propósito das divergências entre Executivo e Judiciário sobre a inspeção da ONU no Judiciário Brasileiro, o ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, disse ontem que “reprimir que o Brasil deva prestar contas a organismos internacionais sobre direitos humanos vai contra os tratados, acordos e convenções que o Brasil assinou e contra a participação do Brasil nestes organismos; não me parece razoável essa posição”, afirmou, referindo-se à reação negativa do Judiciário à questão da inspeção pela ONU.Dirceu disse ainda que tem dito que o Brasil assinou tratados e acordos internacionais sobre direitos humanos, e tem que cumpri-los, lembrando que o Brasil participa do Tribunal Penal Internacional. “Evidentemente que a soberania do País tem que ser preservada”, ponderou.