Brasília – Pessoas comuns, que normalmente seriam julgadas pela Justiça comum, terão seus destinos traçados pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que ontem (28) aceitou investigar denúncias contra os 40 suspeitos de envolvimento com o mensalão, como ficou conhecido esquema de financiamento de campanhas e compra de votos no Congresso Nacional. É o caso dos publicitários Marcos Valério e Duda Mendonça e do ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares, entre outros. O foro privilegiado resulta do fato de terem a seu lado como réus, na mesma ação penal, parlamentares em exercício de mandato.
A prerrogativa de foro privilegiado, defendida por deputados, senadores e outras autoridades, desagrada advogados de defesa dos demais réus por uma razão muito simples: não há instância superior, o que impede recursos. "Nós ficamos numa instância única e isso, de uma maneira ou de outra, tolhe o direito da ampla defesa que poderia ser exercido em outros graus de jurisdição", avalia Mário de Oliveira Filho, advogado do ex-diretor de Marketing do Banco do Brasil Henrique Pizzolato.
Ele alega que a Justiça comum abre inúmeras possibilidades de defesa. "O sujeito, em primeira instância, recorre ao Tribunal do estado. Se lhe for contrária a decisão, vai para o Superior Tribunal de Justiça (STJ) até chegar no STF como última instância", explica.
Marcelo Leonardo, advogado de Marcos Valério e Simone Vasconcellos, chegou a solicitar o desmembramento do processo, para que os denunciados sem foro privilegiado fossem julgados pela Justiça Federal. "Se você é processado exclusivamente no Supremo Tribunal Federal, não existe possibilidade de recurso, as decisões do Supremo são sempre únicas", justifica. "Tendo em vista a estrutura do Poder Judiciário brasileiro, é muito melhor a pessoa ser processada inicialmente na primeira instância", acredita.
A defesa do publicitário Duda Mendonça acredita na imparcialidade do Supremo, mas reconhece que há desvantagens em relação à Justiça Federal. "No Supremo, o julgamento é perante instância única, não há recursos, não há o chamado duplo grau de jurisdição, que é um preceito constitucional que resulta de acordos internacionais assinados pelo Brasil", diz o advogado Tales Castelo Branco.
"A gente fica numa situação delicada porque não contamos com o duplo grau de jurisdição, mas contamos com uma corte colegiada, com juízes altamente qualificados e cuja imparcialidade e competência a gente acredita piamente", pondera.
Indagado se preferia que seus clientes fossem julgados pelo Supremo ou pela Justiça Federal, o advogado de Duda Mendonça brincou: "Esse é o tipo do problema complicado, tenho a impressão que iria consultar um pai de santo já que meu cliente é da Bahia".
A ação penal contra os supostos envolvidos no esquema do mensalão começa no Supremo, mas pode cair na Justiça Federal ao longo do processo. O advogado Marcelo Leonardo explica que para a ação seguir no Supremo é preciso que existam, entre os réus, parlamentares que ainda exercem mandatos. "Tem que ver quantos e quais deputados ficarão no processo e se eles permanecerão com mandato", explica. Ele cita caso no qual o indiciado era o ex-presidente Fernando Collor de Mello. "Começou no Supremo, quando ele perdeu o mandato o processo foi para a Justiça Federal e voltou para o Supremo quando Collor foi eleito senador".
Tales Castelo Branco lembra um caso no qual atuou: o julgamento da ex-ministra Zélia Cardoso de Mello, que durou 15 anos. A competência era do Supremo. A instrução, segundo ele, foi complicada, e pouco antes do julgamento foi cancelada a súmula que estabelecia foro privilegiado para ex-ministros. "O processo caiu no primeiro grau de jurisdição, ela foi condenada a 14 anos e meio, recorremos e ela foi absolvida pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região", relata. "Tudo é relativo. A Justiça humana é relativa. Acho, realmente, que é questão de consultar um pai de santo".