Para a juíza federal Louise Filgueiras, o ataque que sofreu do procurador da Fazenda Nacional Matheus Carneiro Assunção, apesar de ter razões “insondáveis”, tinha como alvo a magistratura. Golpeada com uma faca em seu gabinete no Tribunal Regional Federal da 3.ª Região, em São Paulo, na quinta-feira, a magistrada avalia que o atentado pode ser resultado de uma “mistura explosiva” entre “polarização” e um contexto de “tentativas claras de intimidação” da magistratura.
Em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, Louise relembrou momentos de horror que viveu naquela tarde e disse acreditar que o procurador pretendia atacar um magistrado qualquer. Contido por seguranças, Assunção afirmou que “queria fazer protesto”. Depois do ataque à juíza, o procurador tentou se matar. Ele foi autuado na Polícia Federal por tentativa de homicídio, mas teve sua prisão transformada em preventiva por causa de dúvidas sobre sua integridade mental. O procurador será encaminhado para internação provisória no Hospital das Clínicas de São Paulo.
Segundo Louise, o atentado afeta não só os magistrados, mas toda a sociedade – e, por isso, não pode ser “perdoado ou desculpado”.
Após alguns dias do atentado de que foi vítima, como a senhora se sente?
Me sinto bem, só um pouco cansada, mas sem traumas.
O que muda na sua rotina?
Não pretendo mudar minha rotina, mas acho que a situação deixou claro que é preciso repensar a questão dos cuidados com a segurança nos fóruns.
Como foi o ataque?
Foi uma estocada no pescoço, na região da carótida, pelas costas. Eu estava sentada de costas para a porta, virada para a janela, lendo uma minuta de voto e não o vi nem ouvi entrar. Senti uma pressão forte no pescoço e ao me virar ele me atirou uma jarra de água, que se espatifou sobre a mesa. Eu gritei e, logo em seguida, os servidores do gabinete entraram, um servidor o imobilizou e a segurança logo chegou.
A senhora acredita que ele agiu premeditadamente ou invadiu seu gabinete por acaso?
Acredito que foi premeditado, pois ele trouxe a faca consigo (não é uma faca simples de cozinha, era maior e mais pontuda) e foi a dois outros gabinetes antes em busca de uma oportunidade. Acho que me atacou porque encontrou as portas abertas e todos concentrados no trabalho, e acreditou que era a melhor oportunidade. Tanto que aguardou alguns minutos no corredor, sentado. Sabemos, porque uma servidora chegou a vê-lo ali, mas achou que se tratava de advogado que aguardava para despachar. Acho que o ataque não foi dirigido a mim, especificamente. Ele pretendia atacar um magistrado qualquer, em forma de protesto. Pelo que se apurou até agora, foi um ataque contra a magistratura, não foi pessoal.
O que ele dizia quando a esfaqueou?
Ele não disse uma palavra. Apenas indagado pelo agente de segurança se estava sob efeito de álcool, depois de dominado, sorriu ironicamente e disse: “Álcool?”. Nada mais.
O alvo era a magistratura? Por quê?
Sim, tudo leva a crer que o alvo era a magistratura, pois, pelo que se apurou até agora, o agente não tinha nenhuma relação comigo ou com qualquer processo que eu tenha julgado. As razões são insondáveis, pois parece até um ato de loucura. Segundo teria declarado após a prisão, pretendia fazer um protesto. De qualquer forma, o ato foi praticado em um contexto de tentativas claras de intimidação, que vêm tomando força atualmente, intimidações que visam a nos tornar mais vulneráveis a pressões e a interesses escusos, como a recentemente aprovada Lei do Abuso de Autoridade (que endurece a punição a juízes, promotores e policiais por abuso de autoridade). Por outro lado, vivemos tempos de muita polarização, as pessoas estão ficando doentes de ódio, intolerância e mesmo de indignação. Isso tudo faz uma mistura muito explosiva, que pode resultar em atos de violência como esse.
A senhora perdoa o agressor?
Pessoalmente, perdoo e lamento muito que um jovem procurador da Fazenda Nacional, carreira que muito respeito, inclusive exercida pelo meu falecido pai por muitos anos, tenha praticado ato de tamanha gravidade e tenha assim se prejudicado tanto. Mas não cabe a mim perdoar um atentado praticado contra a magistratura, pois afeta todos os juízes diretamente, e atinge também a sociedade, que necessita de um Judiciário firme e independente, razão pela qual entendo que não pode ser tolerado ou desculpado, de maneira alguma.
Houve falha na segurança do prédio do TRF-3?
Ele não foi revistado por ser procurador da Fazenda Nacional. Há uma norma que dispensa essa revista. Não houve falha nos procedimentos normais de segurança.
Seu agressor deve ficar preso ou sob tratamento?
Acho que isso é uma questão para a perícia técnica. Não me cabe emitir juízo sobre isso.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.