Na véspera de votação de um projeto que flexibiliza o licenciamento ambiental no País, e que tinha recebido o aval da Casa Civil, o ministro do Meio Ambiente, Sarney Filho, enviou nesta terça-feira, 13, uma carta a Eliseu Padilha cobrando que o titular da pasta impeça a votação.
A mensagem de 20 páginas coloca os dois ministros em lados apostos. Sarney Filho lembra que desde que assumiu o Ambiente vinha trabalhando na elaboração de um texto de uma futura Lei Geral do Licenciamento Ambiental com vistas a “simplificar processos, sem descuidar da atenção à proteção ambiental”.
Aponta que a proposta passou por discussões com 13 ministérios e que deveria ser apresentada ao Congresso como um projeto do governo. Que apesar de ainda ter “alguns dissensos em relação ao conteúdo”, “a maior parte dos tópicos parecia ser consenso até semana passada”.
Diante desse trabalho, ele questiona que um substitutivo proposto pelo deputado Mauro Pereira (PMDB/RS) fosse colocado como primeiro item de urgência para ser votado nesta quarta-feira, 14, na Comissão de Finanças e Tributação, com apoio da Casa Civil, o que vem soando em Brasília como uma traição.
“Ocorre que esse texto tem uma série de problemas alguns deles bastante graves. Os ajustes pontuais indicados pela Casa Civil com base nas discussões ocorridas no Executivo não sanam esses problemas”, escreve Sarney Filho.
“Em face do exposto, solicitamos o máximo empenho da Presidência da República para impedir a votação do referido texto”, conclui, antes de listar, ao longo das 19 páginas seguintes da carta os problemas do substitutivo. Procurada pela reportagem, até o momento a Casa Civil não se manifestou.
Sarney bate de frente com o segundo homem forte do governo em meio à turbulência política das delações vazadas da operação Lava Jato e da tentativa da gestão Temer de aprovar de todo jeito a PEC do Teto e a reforma da Previdência no Congresso. A questão do licenciamento é particularmente sensível para a bancada ruralista, que já tinha pedido a cabeça de Sarney, e a deputados ligados a setores da indústria.
O substitutivo de Pereira atende a esses interesses. Ele dispensa, por exemplo, o licenciamento para atividades agropecuárias e de florestas plantadas. Para ter apoio da Frente Parlamentar da Agropecuária aos projetos do governo, a Casa Civil liberou, na última sexta-feira, 9, os deputados da base governista a votarem sobre a proposta.
Até então o governo vinha atuando para impedir a votação, a fim de aguardar justamente a apresentação do que seria um projeto do próprio governo sobre o tema.
Em linhas gerais, o substitutivo de Pereira estabelece a dispensa e a simplificação do licenciamento. Em alguns casos, basta a empresas preencher um formulário na internet, como ocorre na Bahia com o modelo de “adesão e compromisso”, o que é questionado pelo Ministério Público.
O texto delega aos Estados e municípios a definição de quais empreendimentos estarão sujeitos ao licenciamento ambiental, segundo natureza, porte e potencial poluidor. E restringe manifestações de órgãos interessados no licenciamento, como ligados às unidades de conservação (ICMBio), indígenas (Funai) e quilombolas (Fundação Cultural Palmares).
Imbróglio
O trabalho desenvolvido pelo MMA vinha ocorrendo desde o início da gestão Temer. Quando Sarney Filho assumiu o ministério, ele elegeu a criação de uma lei geral de licenciamento como sua prioridade.
O esforço corria em paralelo a uma série de iniciativas por parte do Legislativo que, desde o final do ano passado, vinha apresentando projetos de lei ou propostas de emenda constitucional para simplificar o licenciamento – em alguns deles a ponto de praticamente eliminar a necessidade de empreendimentos cumprirem o rito. Bastaria uma autodeclaração e pronto.
O que vinha andando mais rapidamente era o Projeto de Lei 3.729/2004, de autoria de Luciano Zica (PT/SP), e os muitos substitutivos apinhados neles. Um deles, do deputado Ricardo Trípoli (PSDB/SP), hoje líder da Frente Parlamentar Ambientalista, apresentado ainda no ano passado, servia de base para a proposta do MMA.
Em setembro deste ano, porém, quando as consultas da proposta já estavam caminhando, Pereira apresentou o substitutivo, que foi largamente criticado por ambientalistas e o Ministério Público. Nesta segunda-feira (12), ele acrescentou novas flexibilizações – como isenção do licenciamento para obras em rodovias federais já implantadas, além de dragagens e outras ações em hidrovias e portos – e apresentou um novo substitutivo. É esse que está previsto para ir à votação nesta quarta.
Críticas
Quando veio à tona na segunda que o substitutivo seria votado nesta quarta, entidades ambientalistas e o Ministério Público rapidamente se manifestaram contra, como divulgado neste blog.
Em nota intitulada “O futuro é de todos”, a Associação Brasileira de Membros do Ministério Público do Ambiente (Abrampa) pediu que o texto não fosse votado. “O futuro da saúde e da qualidade de vida das presentes e futuras gerações estará seriamente ameaçado se esse instrumento (o licenciamento) for transformado em uma singela etapa burocrática de empreendimentos e se atividades econômicas que alteram o uso do solo, aplicam agrotóxicos indiscriminadamente e suprimem relevantes biomas estiverem isentas de seu controle”, escreveu Luís Fernando Cabral Barreto Junior, promotor do Maranhão e presidente da Abrampa.
“Suas disposições são graves e preocupantes. Visam disciplinar por completo o licenciamento ambiental, revogando as Resoluções 01/86 e 237/97 do Conama, bem como normas estaduais. Traz um verdadeiro retrocesso do ponto de vista da proteção do meio ambiente”, alertaram os promotores Ivan Carneiro Castanheiro e Alexandra Facciolli Martins do Grupo de Atuação Especial de Defesa do Meio Ambiente (Gaema), do Ministério Público de São Paulo, em artigo no site Consultor Jurídico.
A Fundação SOS Mata Atlântica divulgou uma nota pública questionando ponto a ponto do projeto. Uma das críticas é ao fato de que o projeto limita as compensações aos impactos físicos.
“Caso venha a ser aprovado, impediria, por exemplo, a implantação de infraestrutura de saneamento básico para as comunidades afetadas pela hidrelétrica de Belo Monte, por não reconhecer o impacto socioambiental da obra.
Deixaria descobertos também moradores e comunidades das áreas afetadas pelo dano da Samarco, na bacia do rio Doce, a quem caberia simplesmente recompor, quando muito, matas ciliares danificadas, desconsiderando ainda potenciais danos futuros que a atividade pode acarretar”, aponta a ONG ambientalista.
Por meio de nota, o presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (Proam), Carlos Bocuhy, afirmou que a proposta chega “ao absurdo de propor a revogação de dispositivo da Lei de Crimes Ambientais que trata da responsabilização do agente público que fraudar o licenciamento ambiental. Além disso, cria artifícios para retirar a responsabilidade dos agentes financiadores que aportarem recursos para a degradação ambiental.”