Questões relacionadas ao trânsito são, desde a campanha eleitoral, assuntos que têm atenção especial do presidente Jair Bolsonaro. Depois de suspender o uso de radares móveis nas rodovias federais e alterar regras para a obtenção da Carteira Nacional de Habilitação (CNH), o governo anunciou, agora, a extinção do Seguro de Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores de Vias Terrestres (DPVAT).
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Pelo texto da Medida Provisória (MP) 904, que ainda precisa passar pela aprovação no Congresso para se tornar lei, o DPVAT deixa de existir a partir de 1º de janeiro de 2020.
As consequências da medida, entretanto, vão além de dispensar os motoristas do pagamento do valor anual pelo seguro obrigatório (que varia entre R$ 16,21 e R$ 84,58, dependendo do tipo de veículo).
Se confirmado pelo Congresso, o fim da política fará com que todos os brasileiros deixem de ser segurados para acidentes de trânsito, extinguindo as indenizações por morte (de até R$ 13,5 mil); invalidez permanente (também de até R$ 13,5 mil); e para o pagamento de despesas médicas e suplementares (de até R$ 2,7 mil). A partir de 2020, quem quiser uma reparação por danos como esses terá de buscá-la na Justiça.
Pressionado pelos acidentes, SUS ficará sem uma fonte de dinheiro
Além disso, o fim da cobrança do seguro deve pressionar as contas do Sistema Único de Saúde (SUS). Isso porque metade dos recursos arrecadados com o DPVAT são repassados pela Seguradora Líder, que administra a conta, para a União. Desse montante que fica com o governo federal, a maior parte (45%) é destinada para financiar o SUS. Os outros 5% ficam para o Denatran, que deve aplicar os recursos na promoção de programas de educação e prevenção de acidentes de trânsito.
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De acordo com dados disponíveis no Portal da Transparência, o orçamento para a área da saúde em 2019 deve totalizar R$ 123,42 bilhões. O próprio Ministério da Economia aponta que 1% desse valor, R$ 1,2 bilhão, foi arrecadado por meio do DPVAT. No total, o seguro obrigatório arrecadou R$ 2,26 bilhões neste ano, dos quais R$ 134 milhões foram para o Denatran e R$ 1,3 bilhão, para o pagamento das indenizações e dos custos de operação.
Na opinião de Adriano Biava, professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) da Universidade de São Paulo (USP), a extinção completa do DPVAT não é a alternativa mais adequada, mesmo com todos os problemas do seguro. “Alguma vinculação com o setor automobilístico deveria haver, para compensar o SUS pelas despesas com os sinistrados que recorrem a ele”, afirma o professor.
De fato, os acidentes de trânsito oneram o SUS. De acordo com um levantamento realizado pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) em maio, a partir de dados do Ministério da Saúde, 1,6 milhão de brasileiros se feriram nesse tipo de acidente nos últimos dez anos. Nesse período, o custo para atendimento dessas vítimas no sistema público foi de R$ 2,9 bilhões.
O levantamento demonstrou ainda que, a cada hora, em média 20 pessoas dão entrada no SUS com algum ferimento grave decorrente de um acidente. Entre 2009 e 2018, o número de internações por essas ocorrências cresceu 33% em todo o país.
Fim do DPVAT não vai prejudicar o SUS, diz governo
Apesar da extinção de uma fonte de arrecadação e da demanda significativa que os acidentes representam para a rede pública, o Ministério da Economia argumenta que não haverá prejuízo ao SUS por conta do fim do DPVAT. De acordo com a MP, a seguradora Líder terá de repassar ao Tesouro Nacional os valores que restarem do pagamento das obrigações do DPVAT. A previsão é de que três parcelas de R$ 1,25 bilhão sejam repassadas entre 2020 e 2022 – dinheiro que deve ser aplicado no SUS.
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“Esse tempo dá um fôlego para que o governo e a sociedade pensem em alternativas de financiamento para os acidentados do trânsito. Sempre é bom lembrar que há, no mercado, soluções privadas”, diz Carlos Henrique Rocha, professor da Universidade de Brasília (UnB).
Falta de transparência e fraudes: mais argumentos para extinção do DPVAT
Rocha concorda com outro argumento do governo para extinguir o DPVAT: o de que o seguro obrigatório enfrenta problemas de fraudes e acaba onerando a Justiça. No comunicado em que anuncia a extinção do seguro, o Ministério da Economia cita casos como o da operação Tempo de Despertar, da Polícia Federal, deflagrada para combater fraudes de R$ 28 milhões relacionadas ao pagamento do seguro.
A pasta menciona, ainda, recomendações do Tribunal de Contas da União (TCU) para que a Superintendência de Seguros Privados (Susep), autarquia responsável pelo DPVAT, realize estudos de alteração no modelo de gestão dos recursos.
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“O sistema atual é gentil apenas com o consórcio de seguradoras. A sociedade desconhece as regras de contratação e as seguradoras consorciadas não têm custos de corretagem (não vendem apólices, já que o seguro é obrigatório). Os saldos são aplicados no mercado financeiro – ou seja, as seguradoras apuram lucro e distribuem dividendos com o dinheiro dos proprietários de veículos”, critica Rocha.
De opinião distinta, o professor da USP Adriano Biava afirma que a existência de problemas no seguro é notória, mas isso não implica que o DPVAT deveria deixar de ser obrigatório. “Todas as informações apontam que existe um monopólio da seguradora. Há quem pense que o certo seria tentar criar condições de concorrência ou uma instituição pública para cuidar disso. Na minha visão, o governo tem que ter uma participação grande no gerenciamento desses recursos”, diz.
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