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Fies no governo Bolsonaro cai ao menor número de beneficiários em 11 anos

Foto: Freepik/Tirachardz

O número de novos contratos firmados pelo Fies (Financiamento Estudantil) em 2020, sob o governo Jair Bolsonaro (sem partido) e em meio à pandemia de coronavírus, foi o menor registrado desde 2009. Nem metade das vagas prometidas foi efetivada.

Apesar de anunciar 100 mil vagas para este ano, o governo federal registrou 47.082 novos contatos, segundo dados oficiais obtidos pela reportagem. É como se o tamanho do programa tivesse regredido ao que fora há mais de dez anos: só em 2009, quando o Fies tinha outras regras, houve uma oferta menor, com 32.594 vagas.

Os impactos da pandemia agravaram o quadro. Mas, segundo especialistas, a situação tem forte relação com o fato de as regras vigentes desde 2015 não garantirem financiamento de 100% (sem ele, os estudantes acabam desistindo do programa e, diante do fechamento de universidades, preferem não se endividar para iniciar o curso online).

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No primeiro semestre, com inscrições em fevereiro, só 30.130 das 50 mil vagas anunciadas haviam sido preenchidas. Já no segundo semestre, com os efeitos da pandemia estabelecidos, apenas 15.952 contratos foram assinados.

“Em virtude da pandemia do novo coronavírus, em que houve o lockdown, tivemos o fechamento das instituições de ensino superior e agentes financeiros que foram retomando muito gradativamente o atendimento”, disse o MEC (Ministério da Educação) em nota.

Integrantes do setor de ensino superior privado afirmam que, além disso, não é possível saber se o governo dispõe de fato no sistema de inscrição todas as vagas prometidas.

Pelo Fies, o governo paga as mensalidades de estudantes em faculdades privadas privadas, com a contrapartida de os beneficiários quitarem o financiamento após a formatura. O programa teve grande expansão a partir de 2010, com facilidades nas condições de empréstimo. No auge, em 2014, ofereceu 732 mil novos contratos. Mas esse salto ocorreu de maneira descontrolada, afetando contas públicas e gerando alta inadimplência.

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Para conter os gastos, houve reformulações a partir de 2015: foram abolidas taxas de juros abaixo da inflação; o percentual financiado foi condicionado à realidade financeira do aluno; e o prazo de carência para quitação, reduzido.

O número de contratos tem minguado a cada ano desde então. Em 2019, o governo prometera 100 mil novas vagas mas efetivou 85.009, pouco acima dos 82.665 contratos de 2018.

Neste ano, o MEC chegou a abrir uma segunda fase, inédita, para preenchimento de vagas remanescentes, com inscrições até o fim de outubro inclusive para alunos já matriculados.

O governo Bolsonaro já havia decidido pelo forte enxugamento no Fies, com a previsão de 54 mil contratos em 2021 e 2022. O plano, segundo o MEC, pode ser alterado.

Para Sólon Caldas, da Abmes (Associação Brasileira das Mantenedoras do Ensino Superior), o governo enterrou o caráter social do Fies como ferramenta para impulsionar o aumento de matrículas de nível universitário.

“A pandemia agravou muito, mas o principal motivo dessa queda é que o governo deixou de financiar 100%”, disse. “Não dá pra saber se a demanda foi pequena ou se os contratos não foram disponibilizados.”

Rodrigo Capelato, do Semesp (Sindicato das Entidades Mantenedoras de Ensino Superior), afirma que, ainda que a pandemia possa ter desestimulado quem procurava um financiamento, as regras atuais do programa já tinham alterado a sua atratividade.

“Não parece haver vontade do governo em recuperar o programa. Há anos, sobram vagas sem preenchimento e esse número só cresce, porque o Fies já não está mais voltado para o aluno que precisa dele”, afirmou, acrescentando que isso deixa o país praticamente sem ações de apoio para colocar mais jovens no ensino superior.

Bianca Bergamaschi, 24, tenta pela terceira vez, só neste ano, uma vaga em medicina pelo Fies. Filha de um pequeno comerciante agrícola, ela vê o financiamento como a única forma de conseguir fazer o curso.

“Dificilmente vou conseguir vaga em faculdade pública, e não tenho condições de pagar o curso de Medicina. Continuo tentando, mas parece que as vagas somem. Agora, no segundo semestre, não achei nenhuma opção em todo o estado de São Paulo.”

Com renda familiar de dois salários mínimos, pela simulação do sistema ela teria direito a um financiamento de até 87%, o que a deixaria, diante do valor alto dos cursos, com uma parcela mensal em torno de R$ 1.000.

“Meus pais não teriam condições de pagar esse valor mais a hospedagem, transporte e alimentação em outra cidade, mas eu daria um jeito se conseguisse.”

Maria Eduarda Florentino, 18, estudou em escola pública, em Suzano (SP), e ingressou em medicina veterinária em uma faculdade particular. Ela não viu no Fies uma boa oportunidade.

“Não poder financiar 100% me afastou do Fies, não valia a pena ficar com uma dívida, um valor imenso”, diz ela, que conseguiu desconto na faculdade a partir da plataforma Quero Bolsa, que agrega oportunidades.

A procura por bolsas em cursos presenciais também sofreu forte queda, principalmente no segundo semestre, segundo diretor de ensino superior do Quero Bolsa, Lucas Gomes. “A busca por bolsas no presencial derreteu”, diz ele, que atribui a queda às aulas remotas.

O Fies não financia cursos a distância, modelo cujas matrículas já representam 35% do total no setor privado.

Atualmente, o setor privado concentra 76% das matrículas do ensino superior, e o número de ingressantes em cursos presenciais particulares vem caindo desde 2015: foram 1,7 milhão naquele ano e 1,5 milhão ano passado.

Dos 6,5 milhões de estudantes de faculdades privadas, 45,6% contavam com algum tipo de bolsa ou financiamento em 2019. Em 2014, o Fies representava 53% desses beneficiados; em 2019, passou para 19%.

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