Aílton Freitas / Agência O Globo |
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O delegado Waldir Freire |
Altamira – As polícias Federal e Civil do Pará decidiram ontem indiciar o fazendeiro Vitalmiro Matos de Moura, o Bida, por homicídio qualificado. Ele é acusado de ser o mandante do assassinato da missionária Dorothy Stang, em Anapu, Pará, dia 12. Bida continua desaparecido. ?Vitalmiro já pode ser oficialmente considerado o mandante do crime?, disse o promotor público Sávio Brabo. Com a ajuda de Rayfran Sales, que matou a freira com seis tiros, a polícia localizou ontem pela manhã a arma do crime, um revólver calibre 38 que estava enterrado perto de um cupinzal a 1.500 metros da sede da fazenda de Bida, enrolado em um saco plástico e amarrado com barbante.
Depois de seis longos interrogatórios com os três presos – cada um prestou dois depoimentos, um na PF e outro na Polícia Civil – os investigadores concluíram que os assassinos iriam receber R$ 50 mil e algumas cabeças de gado pela morte da missionária. Também foi esclarecido que o agricultor Amair Feijoli da Cunha, o Tato, foi mesmo o intermediário entre Bida e os dois executores do assassinato. Segunda-feira à noite, uma patrulha formada por policiais civis e soldados do Exército descobriu, nas matas da localidade de Belo Monte, às margens do Rio Xingu, o pistoleiro Clodoaldo Carlos Batista, parceiro de Rayfran na execução da missionária, e anteriormente identificado como Uilquelano de Souza Pinto. A troca da identidade era uma das dúvidas da polícia, agora esclarecida com a prisão de Clodoaldo, que também é conhecido como Eduardo.
Acareação
Policiais, promotores estaduais e procuradores federais fizeram, ontem à tarde, uma acareação com os três presos. O suposto intermediário do crime, Amair Feijoli da Cunha, continua negando participação. Mas os outros dois confirmam que foram contratados por Amair para executar a freira. Clodoaldo Batista também apontou o fazendeiro Bida como o mandante do crime. Rayfran Sales e Clodoaldo Carlos Batista tinham combinado um ponto de encontro para segunda-feira, na localidade de Belo Monte, o que permitiu a prisão do segundo executor do assassinato.
Sigilo de Justiça revogado
Altamira – No início da noite de segunda-feira, o juiz titular da Vara de Pacajá (PA), Lucas do Carmo de Jesus, revogou a determinação de sigilo de Justiça sobre a investigação no Pará, que ele mesmo havia proferido à tarde. O juiz informou que, reavaliando o caso, considerou que era melhor deixar a Polícia Civil decidir o que deve ou não ser divulgado sobre as investigações. O juiz sustentou que, de ofício, tomou a decisão de revogar o sigilo das investigações sobre a morte da missionária Dorothy Stang, ou seja, sem que o Ministério Público, autor do pedido de sigilo, houvesse pedido a revisão da decisão. ?Agora, fica a cargo da autoridade policial o critério de decidir o que deve ser preservado e o que pode ser informado?, disse o juiz, que assumiu a Vara na última terça-feira. Ele sustentou que não estava informado sobre as divergências entre os depoimentos do pistoleiro Rayfran. ?Estou aqui na cidade e os fatos estão acontecendo em outra cidade (Altamira)?, afirmou o juiz. No fim da tarde de segunda-feira, o pistoleiro Rayfran, em depoimento à Polícia Federal, confirmou ter matado a missionária Dorothy Stang, no Pará. Mas desta vez apontou outra pessoa como mandante: Amair Feijoli da Cunha, o Tato, já preso e acusado de ter sido o intermediário do crime. Mais cedo, em depoimento informal à Polícia Civil do Pará, Rayfran contara que o mandante do crime tinha sido o presidente do Sindicato Rural de Anapu, Francisco de Assis de Souza, o Chiquinho, ex-vice-prefeito da cidade, filiado ao PT e considerado um dos principais aliados de Dorothy. O pistoleiro será indiciado por homicídio qualificado.
Lula culpa madeireiros por violência no Pará
Sidrolândia – O presidente Luiz Inácio Lula da Silva culpou, ontem, os empresários do setor madeireiro pelo assassinato da missionária norte-americana Dorothy Stang e pela onda de violência no Pará. ?A morte dos sindicalistas e da freira (irmã Dorothy) não é por acaso. É uma atitude pensada de alguns empresários do setor madeireiro que estão revoltados com a nossa política, não só no Pará, mas em toda a Amazônia?, disse Lula, durante visita ao assentamento rural em Sidrolândia, no Mato Grosso do Sul. Lula afirmou que o assassinato da religiosa não vai intimidar o governo. ?Vamos ficar ainda mais ativos. A impunidade acabou. O Brasil não é terra de ninguém. Este País tem governo e lei?, comentou. ?Vamos acabar com esta história de alguns empresários que compram glebas, contratam jagunços e mandam matar quem está lá organizado.?
O presidente ressaltou que o governo não é contrário ao corte de madeira, mas destacou que é preciso critério para a realização da atividade. Ele informou que a União vai certificar as florestas do País. ?Quem quiser cortar madeira vai ter que ter autorização do Estado brasileiro. Uma árvore de 400 anos não é propriedade de uma pessoa?, afirmou. Lula assegurou também que a economia brasileira crescerá 5% este ano, repetindo os índices registrados no ano passado. Segundo Lula, que anunciou ontem um convênio para implantação do Pólo Minero-Siderúrgico de Corumbá, no Mato Grosso do Sul, as estimativas do governo são de que, até março, o volume de exportações atinja US$ 100 bilhões. ?Fazia 10 anos que a economia brasileira não crescia 5%. Geramos em 2004 o maior volume de empregos neste mesmo período. A indústria brasileira não crescia tanto desde 1986. Eu garanto: vamos crescer de novo 5%?, disse Lula, que prevê ainda investimentos no País de US$ 25 bilhões nos próximos cinco anos.
Vitalmiro é grileiro, diz Incra
Altamira – O pecuarista Vitalmiro Matos de Moura, o Bida, suspeito de ser o mandante do assassinato da missionária Dorothy Stang, não está mais na região onde ocorreu o crime. A informação foi dada ontem por seu advogado, Augusto Septimio. De acordo com o advogado, Bida, na pressa de fugir de agricultores revoltados com a morte da missionária, abandonou a caminhonete e utilizou até um cavalo para fugir do local, na manhã de sábado, poucas horas depois do assassinato da missionária. Bida cria gado de corte em duas fazendas de 3 mil hectares no município de Anapu e foi apontado como grileiro em relatório de inspeção elaborado pelo Incra no ano passado. Segundo o seu advogado, ele comprou a terra por R$ 600 mil em agosto do ano passado e teria registrado a escritura em cartório. Mas os documentos apresentados pelo advogado mostram que a documentação da fazenda é precária, não tem escritura definitiva e a posse foi registrada apenas no cartório da Comarca de Pacajá, município vizinho de Anapu, e é motivo de disputa judicial com o Estado e a União. Contratado pelo fazendeiro pelo telefone antes mesmo da decretação da prisão preventiva, o advogado nega que saiba onde está o seu cliente, mas chegou a informar, quando o agricultor Amair Feijoli da Cunha foi preso, no sábado, que Vitalmiro iria se apresentar à Polícia por ser inocente. Relatório elaborado pelo Incra no ano passado mostra que a área ocupada por Bida foi considerada uma grilagem. Depois de muita briga na Justiça, a fazenda de Bida ficou fora do Projeto de Desenvolvimento Sustentável e, vizinha ao assentamento coordenado pela missionária Dorothy, sempre foi motivo de conflito entre a religiosa-militante e o fazendeiro. Localizadas às margens da Rodovia Transamazônica, as duas fazendas ocupadas por Bida eram reivindicadas por Dorothy para o projeto de reforma agrária.
Sindicalista pedirá federalização do caso
Brasília – O presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Anapu (PA), Francisco Assis de Souza, afirmou, ontem, que irá pedir ao governo federal que federalize a investigação do assassinato da missionária norte-americana Dorothy Stang. Segundo ele, a investigação conduzida pela Polícia Civil não é confiável. O sindicalista disse que a acusação feita por Rayfran Sales, o Fogoió, de que seria o mandante do crime, foi uma tentativa de desviar o foco da investigação. ?Estou muito surpreso com essa situação. É o maior dos absurdos?, disse ele, acrescentando que não conhece Rayfran. Souza destacou que conhecia Dorothy Stang desde 1982 e que sempre trabalharam juntos. Ele contou que desde o assassinato da missionária já recebeu duas ameaças de morte. A primeira delas ocorreu no dia 14 de fevereiro – dois dias após a morte de Dorothy – quando dois homens invadiram a casa de seu pai e obrigaram uma prima de Francisco de Assis a redigir o bilhete no qual diziam que ele seria o próximo. A segunda ameaça ocorreu terça-feira à noite, quando os mesmos homens invadiram a casa de seu pai e tentaram seqüestrar a prima de 17 anos.
Souza chegou a Brasília ontem pela manhã. Às 15 horas, ele participou de reunião no Palácio do Planalto com os ministros José Dirceu, da Casa Civil, Marina Silva, do Meio Ambiente, e Miguel Rossetto, do Desenvolvimento Agrário, além de representantes da Secretaria de Direitos Humanos e do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência. Souza estava acompanhado de nove representantes de sindicatos e entidades não governamentais. Para o sindicalista, a acusação feita pelo pistoleiro é uma brincadeira ?absurda e ridícula e um acinte à inteligência?. Chiquinho disse que provavelmente o pistoleiro o acusou orientado por grileiros.
