Rio – Pergunte a um motorista de táxi e ele vai dizer: “Falta ética na política!” Pode ser que ele se empolgue e vá além na análise, como fez o paraibano Luís Barbosa, radicado no Rio: – Falta vergonha. Como é que eu estou de mal com você e no dia seguinte estamos rindo? – pergunta ele, a respeito das alianças eleitorais. O taxista está espantado com o troca-troca de acusações que tem visto entre os candidatos.
Mas, por trás do senso comum, será que os especialistas concordam que a ética está passando longe da atual campanha? O assunto é polêmico. – O confronto entre Serra, Ciro e Garotinho tem altíssima voltagem. Mas é um confronto político e de imagem. Não há denuncismo, aquela baixaria de um acusando o outro de corrupto e de ladrão -diz o cientista político Marcus Figueiredo, do Iuperj, que cita como exceção o episódio em que a ex-governadora Roseana Sarney desistiu da candidatura após as denúncias.
A campanha atual é, sob muitos aspectos, mais enganadora do que esclarecedora -rebate o professor Olinto Pegoraro, do departamento de filosofia da Uerj, acrescentando: – Poucos candidatos se pautam por uma conduta transparente. Para muitos deles, a ética é uma perfumaria do passado. Por isso, vemos todos os dias insultos mútuos. – Esta é uma campanha que tem um alto nível de visibilidade. A mídia tem tido comportamento exemplar e há disposição dos candidatos de mostrar suas propostas -contrapõe Maurício Andrade, coordenador-geral da Ação da Cidadania contra a Fome, responsável pela campanha Voto Ético.
Deslizes
Convidados a apontar o que consideram deslizes éticos da campanha presidencial, os analistas citam em primeiro lugar a festa organizada pelo presidente da CBF, Ricardo Teixeira, em homenagem a Ciro Gomes. – Foi muito antipático e bateu forte no sentimento do eleitor – diz a pesquisadora Dulce Pandolfi, da Fundação Getúlio Vargas. – Não pode uma representação do povo, como a CBF, ser manipulada assim – faz coro Andrade.
Ética particular não é ética. Não se pode acioná-la assim. Ela supõe um certo nível de universalidade e faz com que, em certos casos, a pessoa sacrifique os próprios interesses – afirma Renato Janine Ribeiro, professor de ética e filosofia política da USP.
Críticas não são unânimes
Rio
(AG) – As alianças não provocam uma condenação unânime. A lua-de-mel entre antigos adversários tem nuances que o taxista Luís desconhece. – O importante é saber, em cada caso, quem prevalece. Parece-me que o apoio de Sarney a Lula não muda o perfil do candidato. Infelizmente, o abraço do PFL em Ciro mudou seu perfil – diz Janine.O episódio Roseana é usado pelo historiador José Murilo de Carvalho para mostrar os avanços no campo da ética e o declínio das oligarquias:
– Roseana e o papai (José Sarney) reagiram como velhos coronéis, mas ainda assim ela teve que sair da campanha. Certas coisas não passam mais. Um político corrupto pode manter sua influência local, mas duvido que qualquer pessoa com rabo preso tenha trânsito nacional. Está se criando uma opinião pública nacional mais atenta, informada e exigente.
Estratégias mudaram
Rio
(AG) – Mesmo assim, os especialistas afirmam que vai longe o tempo em que funcionavam estratégias como a que, em 89, pôs no programa do ex-presidente Collor a ex-namorada de Lula acusando-o de ter oferecido dinheiro para ela abortar. Uma das principais polêmicas atuais fica por conta da participação da atriz Patrícia Pillar na campanha do marido, Ciro Gomes, que falou: “Minha companheira tem um dos papéis mais importantes, que é dormir comigo”, dizendo logo depois que estava brincando.– A frase foi infeliz. Além de traduzir o velho machismo, ignora o importante papel social e político da mulher, inclusive da Patrícia – critica Pegoraro.
– Ciro disse uma bobagem. Poderia ter dito: mais importante do que todo o resto, do que a política, é o amor que minha mulher me dá. Calaria os que vêem nela uma garota-propaganda dele – diz Janine. Mas o professor da USP também não poupa os publicitários de Serra por terem usado a frase no programa eleitoral:
– Eu relutaria em usar a mulher de um candidato contra o próprio candidato, ainda mais contra a vontade dela. A exposição da vida privada dos candidatos é criticada pelo professor de ciência política do Iuperj, José Eisenberg. -Meu limite é claro. A política trata de discussões sobre a vida pública da nação, portanto é a vida pública do candidato que deve estar sendo discutida. Não se pode dizer que um candidato que tem uma amante será um governante pior do que aquele que é fiel – diz ele, acrescentando:
Mas é óbvio que os marqueteiros o farão em maior ou menor grau. Temos um eleitorado pouco informado e mais suscetível a não separar vida pública e privada. Para muitos, eleição é como uma novela. É o que podemos chamar de espetacularização da política.
Para Eisenberg, Ciro se torna quase um personagem do mundo midiático, um galã de novela, por causa de sua associação com Patrícia Pillar, acostumada a interpretar papéis de heroína: – Ele acaba se beneficiando de qualidades que os personagens dela têm. Imagine se Ciro tivesse se casado com a Beatriz Segall, que fez a vilã Odete Roitman. É possível que inclusive prejudicasse sua imagem.