“Falta cultura de combate ao crime”, afirma juiz federal

O juiz federal Flávio Oliveira Lucas, da 4.ª Vara Criminal da Seção Judiciária do Rio de Janeiro, disse ontem em Brasília, no encerramento do Encontro Nacional sobre o Combate e a Prevenção à Lavagem de Dinheiro, que não existe uma cultura de combate à “lavagem” de dinheiro no Brasil. “Temos quase que um medo de aplicar a Lei de Lavagem. A preservação de sigilos e direitos ainda é um dogma entre nós”, afirmou. “Observamos um exagero na proteção dos sigilos, um receio de detectar os casos de lavagem.”

Para ele, um caso que aconteceu no Rio de Janeiro é emblemático. Duas mulheres vindas de Angola desembarcaram no aeroporto do Galeão portando duas malas, cada uma contendo US$ 500 mil. Na alfândega, elas foram apreendidas e a Polícia Federal foi chamada. As angolanas foram presas em flagrante, por terem praticado o crime de falsidade ideológica, uma vez que não haviam declarado esses valores ao embarcarem.

“Elas ficaram presas por esse crime, que não tem uma gravidade muito grande”, ressalta Lucas. Somente no final do processo criminal, quando a sentença ia ser prolatada, um procurador identificou no processo o crime de lavagem, e pediu o indiciamento das mulheres por esse delito. “A par da carência de instrumentos de efetiva repressão, falta a nós, operadores do Direito, a mentalidade de que devemos tornar prática a Lei de Lavagem”, afirma o juiz.

Comunicação

Uma dificuldade lembrada por ele é a falta de comunicação e de colaboração entre os órgãos envolvidos no combate à lavagem. “Não podemos estar desunidos enquanto o crime organizado está unido. Temos de superar nossas desconfianças mútuas”, diz Lucas. Ele acentua, ainda, que a necessidade de cooperação permanente entre os organismos não deve se restringir ao âmbito interno. “Se impusermos obstáculos sob o escudo da soberania nacional, não teremos cooperação mútua e não conseguiremos combater esse delito que tem caráter transnacional.”

Os programas de proteção a testemunhas, na visão do juiz, também devem ser aprimorados. “O grande ponto fraco da organização criminosa é o delator, e ele não irá delatar se não tiver garantias de uma efetiva proteção”, disse. Outro ponto que deve ser avaliado, no entender do juiz, é a flexibilização do sigilo. “O direito constitucional de proteção ao sigilo não pode ter o objetivo de proteger a criminalidade.”

Para Lucas, o artigo 1.º da Lei n. 9.613/98 (Lei da Lavagem), que enumera os crimes antecedentes ao de lavagem, omite alguns delitos importantes, como por exemplo o de sonegação tributária. Ele explica que o legislador entendeu que somente poderiam ser incluídos aqueles crimes que promovessem aumento patrimonial do criminoso, o que não é o caso da sonegação, cuja conseqüência é apenas o não-recolhimento de dinheiro aos cofres públicos. Conforme o juiz, também poderia ser incluído como antecedente o crime de tráfico de mulheres, que movimenta muito dinheiro. “A estimativa é de que 5% do PIB mundial, que correspondem a mais ou menos US$ 1 trilhão, sejam de origem criminosa.”

Justiça recuperou R$ 4,9 bilhões

As sentenças prolatadas pela Justiça Federal, somente no período de janeiro até agosto de 2004, já resultaram em R$ 4,9 bilhões em favor da União, somando-se os processos favoráveis à Fazenda Nacional e ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Somente em agosto, foram arrecadados cerca de R$ 835 milhões. Por uma estimativa baseada nos valores médios obtidos a cada mês, até o final do ano deverão ser arrecadados mais de R$ 7 bilhões.

Os dados correspondem à arrecadação da dívida ativa da União. As informações relativas à arrecadação da Fazenda foram encaminhadas ao Conselho da Justiça Federal (CJF) pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGF). De janeiro a agosto, foram arrecadados R$ 4,2 bilhões em favor da Fazenda. Neste caso, os valores resultam da arrecadação das execuções ajuizadas perante a Justiça Federal, que contam com a atuação da PGF na defesa da Fazenda Nacional.

Os dados referentes aos créditos em favor do INSS, que também são inscritos na dívida ativa da União, são encaminhados ao CJF pela Procuradoria Federal Especializada do Instituto, que faz a sua defesa. No período, a arrecadação em favor do Instituto chegou a pouco mais de R$ 776 milhões.

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