Muito ligados à feminilidade, os seios estão no topo das regiões do corpo que mais causam insatisfação às mulheres. Prova disso é que a cirurgia plástica mais realizada no mundo é a de aumento das mamas, com implante de próteses. Na contramão desses dados, um novo movimento vem crescendo aos poucos: o das mulheres que querem se ver livre do silicone usado para produzir o efeito de expansão do colo.

continua após a publicidade

Segundo a Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica Estética (Isaps, na sigla em inglês), embora a colocação de próteses ainda represente 15,8% de todos os procedimentos, já se nota uma diminuição no interesse (foram 3,6% a menos entre 2018 e 2019, último dado disponível). No mesmo período, houve crescimento de 10,7% no número de retiradas de silicone -desde 2015, o aumento foi de 49,7%.

LEIA TAMBÉM:

Queijo e presunto fatiados e perto de vencer podem ter bactéria que traz riscos à saúde

continua após a publicidade

Enólogas desenvolvem espumante com colágeno que promete rejuvenescer a pele

O Brasil é o segundo país que mais realiza esse tipo de cirurgia, atrás dos Estados Unidos. E é aqui que muitas mulheres têm aproveitado o momento para trocar informações sobre como é conviver com as próteses, a fim de ajudar na tomada de decisão de quem está pensando em aumentar os seios ou de quem colocou próteses e se arrependeu.

continua após a publicidade

A acupunturista e massoterapeuta Liliane Barcellos, 37, diz que adora conversar sobre o tema, porque acredita que haja pouca informação disponível sobre os efeitos do silicone no corpo. Em 2016, ela colocou próteses para tentar aumentar a autoestima.

“Você vê na mídia aquelas mulheres lindas e se sente fora do padrão”, avalia. “Eu achava que as pessoas me achavam feia. Quando fiz a cirurgia, achei que ia acordar me sentindo uma mulher segura, a ‘gostosona’, mas acordei a mesma pessoa. Percebi que não era uma coisa física, era interna. Aí fui fazer terapia.”

Só que os efeitos da prótese foram além do psicológico. Ela passou a sofrer com intolerância alimentar, síndrome do intestino irritado, alergias de pele e enxaquecas muito fortes, além de dores crescentes por todo o corpo e raciocínio lento. “Antes do silicone eu nunca senti nada, era super saudável”, afirma.

Barcellos foi consultando diversos especialistas, de neurologistas a dermatologistas, durante quase dois anos até que uma médica lhe disse que poderia ter relação com a prótese. “No mesmo dia eu liguei para o cirurgião plástico”, conta. “Quando eu vi que poderia ser do silicone não tive dúvida nenhuma de tirar.”

A retirada dos implantes ocorreu em 2019, menos de três anos após a colocação. “Na época, ainda era pouco falado sobre isso no Brasil, então paguei para ver”, lembra. “Mas, se eu tivesse 1% de chance de melhorar, eu faria.”

Atualmente, ela diz que não sente mais nenhum dos sintomas, que foram diminuindo gradualmente até desaparecerem por completo cerca de seis meses após a cirurgia. “A autoestima que eu não tive quando eu coloquei, eu ganhei quando tirei”, compara. “Parece que rejuvenesci dez anos na saúde e na vitalidade. Não me arrependo em nenhum momento.”

“Eu comecei a me sentir muito forte como mulher. Até as cicatrizes vejo como tatuagens que vão me fazer lembrar todo dia de como o meu corpo é importante. De que adianta ter um peito lindo e não ter saúde para nada?”

“Bomba de veneno”

A empresária Bianca Malandrino, 35, teve uma experiência semelhante. Ela havia colocado o implante havia cerca de dez anos quando fez o explante em janeiro de 2018. Descobriu, por acaso, na internet que os sintomas que sentia poderiam estar associados às próteses.

“Estava em um grupo feminista no Facebook quando uma mulher falou brevemente sobre os sintomas e eu acabei linkando, na hora me deu o estalo”, lembra ela, que sofria com fadiga, dor de cabeça, queda de cabelo, ganho inexplicado de peso e inflamação muscular. “Eu vinha tratando muitos sintomas, não conseguia nem me curar nem encontrar a causa.”

Depois de seis meses se aprofundando no assunto, ela decidiu pela retirada das próteses. “Como já ia completar dez anos que eu tinha colocado, já ia precisar trocar”, diz. “Queria só tirar, mas não sabia de ninguém que tivesse feito isso, achava que não era possível.”

Nos grupos de trocas de informação para mulheres explantadas, ela descobriu diversos exemplos. “Vendo esses relatos, entendi que cada mulher tem um corpo”, conta. “Eu estava priorizando muito a minha saúde, tinha certeza de que percisava tirar aquela bomba de veneno do meu corpo. Já não fazia sentido para mim procurar produtos orgânicos e veganos e ter algo plástico dentro de mim.”

Ela diz que ficou muito feliz com o resultado. “Estava ansiosa em voltar a ter o peito pequeno”, diz. “Na época em que coloquei não conseguia ver beleza no meu corpo. Essa pesquisa me ajudou muito a ver as formas diferentes de cada mulher. Eu me reencontrei e reencontrei o meu corpo original.”

Agora, ela ajuda a adminstrar grupos de explantadas no Facebook e no Instagram. “Vemos muitos relatos de mulheres que estavam guardando dinheiro, se endividando ou até fazendo consórcio para colocar silicone, mas avisamos que esse sonho depois pode virar pesadelo”, afirma. “Muitas agradecem por não terem se colocado em risco.”

“Achei que era histeria”

A professora de português Larissa de Almeida, 37, natural de Salvador (BA) e moradora de Fortaleza (CE), concorda. “Tenho certeza de que muitas mulheres não teriam colocado implante se soubessem de tudo o que ele pode acarretar.”

Ela própria colocou o silicone quando tinha 29 anos. “Na época, eu pesquisei bastante e não encontrei relatos como vemos hoje”, diz. “Só que eu engravidei cerca de um ano depois, tive dificuldade de amamentar, com mastite severa, a minha capacidade respiratória diminuiu, além de outros sintomas que eu nem estava relacionando ao silicone, como fadiga crônica e perda de memória.”

Além disso, as próteses começaram a dar contratura, condição que faz com que o silicone endureça dentro do corpo. “Não conseguia nem abraçar ninguém”, lamenta. “Não foi fácil, eu tinha juntado dinheiro para colocar o silicone, deixei de viajar para a Europa, e me culpava muito pelo fato de que uma decisão minha tinha me colocado naquela situação.”

Ela conta que descobriu relatos sobre doença do silicone, como esse conjunto de sintomas inespecíficos é conhecido, e, inicialmente, os refutou. “No primeiro momento eu neguei, achei que era loucura, passei 1 mês achando que era histeria”, afirmou.

Aos poucos, ela foi lendo mais sobre o assunto e se convenceu a tirar as próteses. “Pensava muito em como eu ia ficar depois, mas chegou uma hora que disse: ‘Vou ter que me aceitar do jeito que sou, não tem condições de ficar vivendo com dor'”, lembra.

Atualmente, Almeida é presidente da ACEITA (Associação de Conscientização sobre Explante, Implante, Toxicidade e Adjuvantes). A entidade visa disseminar informações científicas e disponibilizar contatos de profissionais de saúde especializados no explante, além de oferecer auxílio psicológico e jurídico às pacientes.

Ela também administra um perfil no Instagram (@explantedesilicone), que divulga informação sobre o tema e relatos de mulheres que passaram pela cirurgia. “Antes as mulheres postavam de forma anônima, hoje tem fila para aparecerem”, comemora.

Almeida critica o fato de a SBCP (Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica) não dar mais apoio às mulheres que estão passando por dificuldades após a colocação de silicone. “Eles batem na tecla de que a doença do silicone não existe porque não é reconhecida ainda pela OMS (Organização Mundial da Saúde), mas nós somos a prova viva”, diz.

“A medicina é uma ciência de verdades transitória”, lembra. “É muito fácil dizer que é uma doença de blogueira e continuar colocando silicone, ganhando valor muito alto e incentivos das marcas. Nesse caso, os médicos lucram com as nossas inseguranças. Eles deveriam focar em aprender e acolher melhor as pacientes.”

Doença do silicone

Em nota, a SBCP, por sua vez, esclarece que não há dados científicos que permitam concluir uma relação direta da chamada doença do silicone (ou BII, breat implant illness, na sigla em inglês) com os implantes. Da mesma forma, não existem exames para diagnosticar o mal nem garantia de que a paciente vai melhorar ao retirar as próteses.

“Precisamos auxiliar nossas pacientes a compreender que estudos têm sido realizados para estabelecer ou não a relação entre BII e implantes mamários, e que estes dados científicos não são obtidos na velocidade das mídias sociais”, afirma a entidade.

Percebendo o aumento do interesse, a SBCP lançou uma cartilha de mitos e verdades sobre o assunto. O objetivo é principalmente rebater “fake news que tem alarmado e gerado excessiva ansiedade e, muitas vezes, busca por procedimentos cirúrgicos como medida preventiva, baseado em fatos sem qualquer fonte científica”.

A entidade diz que é preciso distinguir a doença do silicone da síndrome ASIA (síndrome autoimune induzida por adjuvantes), esta sim já documentada. “Não há exame laboratorial ou de imagem que seja capaz de diagnosticar a síndrome”, lembra. “Diagnóstico é feito por meio do preenchimento de critérios clínicos maiores e menores.”

Já no caso da doença do silicone, a SBCP diz se tratar de uma “constelação de sintomas reportadas pelas pacientes”, sem que haja alterações laboratoriais ou radiológicas. “Está associada a todas as marcas e modelos de prótese de mama e pode ocorrer entre 3 dias a 30 anos após a inclusão”, diz o texto.

Mesmo no caso da síndrome ASIA, que deve ser tratada pelo reumatologista com o uso de imunossupressores, nem sempre é necessário fazer a retirada da prótese. “O explante é indicado somente para os casos mais graves”, afirma a SBCP, que assina a cartilha ao lado da Sociedade Brasileira de Reumatologia.

Técnica

A entidade conta ainda que não existe uma técnica especial para o explante, mas uma combinação de técnicas da cirurgia mamária. O cirurgião plástico Victor Cutait, de São Paulo, é um dos membros da entidade que já realizaram diversas cirurgias do tipo.

Ele conta que esse procedimento era pouco procurado até recentemente. “Até 2015, era praticamente nulo, você não ouvia falar em explante de silicone”, afirma. “A partir de 2016 foi que começou a crescer. Por isso percentualmente o aumento é grande, já que saímos de uma base muito baixa.”

O médico lembra que tanto a síndrome ASIA quanto a chamada doença do silicone são extremamente raras dentro do vasto universo de mulheres que colocam próteses. Pelos dados da Isaps, das 464.771 cirurgias plásticas na região das mamas realizadas no Brasil em 2019, 211.287 foram de aumento, enquanto apenas 19.355 foram explantes.

No consultório dele, Cutait diz que só atendeu a pacientes que queriam reduzir a mama por questões estéticas. “Geralmente, são mulheres que mudaram de vida, estão em outra fase e ganharam outra concepção de beleza.”

Ele afirma que tanto a colocação quanto a retirada do implante são cirurgias relativamente simples. A colocação é mais rápida e leva de 1 a 2 horas, sendo feito um pequeno corte na base do seio para que o implante seja introduzido.

Já nos explantes, cada caso é um caso –em alguns, a cicatriz passa de linear para o formato de T. “É preciso entender o que será necessário fazer naquela paciente depois que retirarmos a prótese, tem que ser mais estudado”, explica.

“Há casos em que pode sobrar pele, a auréola do peito pode mudar de posição, pode ter que reposicionar o tecido mamário para o seio não ficar sem forma. Então não tem como ter uma regra básica. Se fosse só puxar a prótese duraria 20 minutos.”

Contudo, em alguns casos, a cirurgia pode durar até seis horas. O valor costuma ser mais elevado, até 3 vezes mais caro que a colocação do silicone. O médico não cita valores por proibição do Conselho Federal de Medicina -entre as pacientes consultadas a colocação custou em torno de R$ 8.000, enquanto a retirada ficou em R$ 23 mil.

Cutait diz que as complicações independem de quanto tempo a paciente ficou com o silicone no corpo, mas quanto maior o volume da prótese mais probabilidade de que outros retoques sejam necessários. “A maioria dos explantes que fazemos hoje em dia são associados à mastopexia, que é a cirurgia de levantamento da mama por conta da falta de volume”, diz.

O médico lembra que o padrão de beleza foi mudando nas últimas décadas e que, após uma época em que a maioria das mulheres queriam ter seios grandes, agora diversos tamanhos são mais socialmente aceitos. “De 2010 para cá, as pessoas estão se adequando ao próprio padrão de beleza.”

“Acho que está tendo uma adequação das pessoas aos padrões”, diz. “Hoje em dia temos uma gama maior de mulheres que influenciam esse universo. Isso tornou o padrão de beleza mais plural e diversificado.”

“Esse movimento fez o explante aumentar porque muitas mulheres que seguiram a moda do silicone lá atrás hoje querem diminuir”, afirma. “Atualmente, cada um pode ser o que quiser. Esse empoderamento das mulheres explantadas faz com que elas possam ser como gostam. E tem recurso para tudo, a gente consegue atender a tudo e a todos.”

Ele lembra que todas as mulheres com silicone precisam fazer exames anuais para checar a condição das próteses, porque é possível ter contratura capsular. Nesse caso, é preciso substituir os implantes. Também é comum fazer essa substituição após dez anos da colocação para previnir.

“Nessa troca, normalmente as mulheres aproveitam a oportunidade para diminuir ou aumentar”, conta. “Antes, elas sempre queriam aumentar um pouco, mas hoje já aparecem as que querem diminuir um pouco.”

Aceitação e autoestima

“A mama grande estava na moda, era associada a feminilidade e autoestima, então as mulheres procuraram muito para se sentirem melhor com o próprio corpo”, avalia. “As pessoas tentam de alguma forma se incluir dentro de um padrão.”

Para a psicóloga Maria José Brito Azevedo de Brito, doutora na Unifesp (Universidade Federal de São Pualo) com estudos na área de psicopatologia da cirurgia plástica, a colocação de próteses de silicone nos seios teve historicamente um viés cultural.

Ela lembra que, apesar de não haver evidência científica da doença do silicone, as queixas das pacientes precisam ser levadas em consideração. Porém, avalia que, além das mulheres que realmente apresentam sintomas físicos, há outras que aderiram ao explante por diversos motivos.

“Eu vejo que algumas devem ter a sua razão, mas há outras que querem voltar atrás nas cirurgias que fizeram”, diz. “É muito comum pacientes chegarem ao consultório dizendo que não gostaram do resultado porque imaginavam de outra forma. A pessoa tem um ideal, mas não sabe explicar.”

Há ainda um terceiro grupo, o das pessoas com dismorfia corporal, que não se gostavam antes, vão continuar insatisfeitas quando colocarem a prótese e não estarão contentes depois que retirarem. Nesses casos, é aconselhado procurar tratamento psicológico e psiquiátrico.

“Trata-se de uma insatisfação que muito além do aspecto físico”, explica. “Não é futilidade nem vaidade, é um sofrimento do indivíduo que é deslocado para o corpo. Essas pessoas têm dificuldade de enxergar o todo e sobrevalorizam o detalhe. É preciso lembrar que o cirurgião vai operar o corpo, não a mente.”

Seja como for, ela diz que há um movimento está em curso. “O que podemos dizer com certeza é que alguma coisa de diferente está acontecendo”, afirma. “Essas mulheres se submeteram a um risco cirúrgico, a ficar com sobras de pele e cicatrizes. Isso precisa ser levado em conta.”

“É uma mudança de comportamento, mas também de pensamento”, diz “Talvez seja uma tendência atual, mas é tudo tão rápido que temos que refletir sobre o que está acontecendo. Ainda não sabemos se isso vai resultar realmente em uma autoaceitação maior e se as pessoas vão passar a definir a própria autoestima não apenas pelo corpo, mas por outras conquistas.”