Exército brasileiro dará abrigo a Lucio Gutiérrez

Quito e São Paulo – O ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, disse ontem que o fato de o governo brasileiro conceder asilo político ao ex-presidente deposto do Equador, Lucio Gutiérrez, não significa ?apoio? ou ?simpatia? do Brasil em relação à crise que envolve o governo equatoriano. Deposto na quarta-feira, Gutiérrez continua asilado na embaixada brasileira em Quito, onde aguarda que o novo governo equatoriano lhe conceda um salvo-conduto para deixar o país. Segundo o vice-presidente do Brasil e ministro da Defesa, José Alencar, o ex-presidente ficará asilado em Brasília, numa casa cedida pelo Exército. O avião da Força Aérea Brasileira que vai buscar o deposto presidente Lucio Gutiérrez já tem autorização para pousar em Quito, mas só vai decolar quando ele receber o salvo-conduto para deixar a embaixada brasileira com a família e seguir para o aeroporto.

O embaixador do Equador na Organização dos Estados Americanos (OEA), Blasco Peñaherra, disse ontem em Washington que o salvo-conduto foi concedido, mas não houve notícia oficial a respeito.

O ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, negou que o Brasil estaria interferindo em assuntos internos do Equador ao conceder asilo político a Lucio Gutiérrez, presidente deposto do Equador. Segundo ele, tal acusação é um absurdo. Amorim disse que o governo brasileiro tem procurado facilitar o diálogo em países que passam por situações de crise, como o Equador, neste caso.

?Nunca vemos o Brasil ameaçando usar sanções econômicas ou colocar efetivo militar para ameaçar governos de outros países?, disse Amorim, alegando que a posição do Brasil em relação à crise no Equador é ?fraterna?, e não ?intervencionista?.

Amorim explicou que o asilo para Gutiérrez não tem por objetivo ?proteger uma pessoa?, mas contribuir ?para a paz social nesse país?. ?O asilo político é uma instituição não só brasileira, mas latino-americana e não significa, de modo algum, uma simpatia, uma preferência um apoio em qualquer sentido. Ao contrário. O asilo tem por objetivo não só proteger uma pessoa que por motivos políticos se sente perseguido, mas contribuir a meu ver para a paz social nesse país?, disse Amorim, que explicou ainda sobre o envio de um avião brasileiro para buscar Gutiérrez.

Perguntado se não houve trapalhada por parte do governo brasileiro, que enviou a aeronave antes da emissão de um salvo-conduto, Amorim foi enfático:

?Trapalhada não houve nenhuma. O que acontece é que essas situações são complexas. O que eles (autoridades equatorianas) têm dito é que o momento é muito difícil, tem muita comoção nas ruas e que talvez o salvo-conduto dado em um primeiro momento poderia provocar uma maior convulsão social. Claro que nós entendemos que a demora também tem um efeito negativo?, disse Amorim.

Ainda sobre o envio da aeronave brasileira, Celso Amorim disse que pode ter havido uma reconsideração por parte do governo do Equador em relação à emissão do salvo-conduto: ?Foi pedida a permissão e havia a expectativa de que o avião pudesse ir para o Equador. E quando isso ficou claro, e se falou que o salvo-conduto seria dado, houve uma reconsideração do assunto, creio que em função de segurança do aeroporto?, contou.

?Faz parte da democracia?

Rio – O vice-presidente Alencar também considerou normal o governo brasileiro aceitar o pedido de asilo de Gutiérrez. Segundo ele, a atitude do presidente Luiz Inácio Lula da Silva faz parte da vida democrática e não compromete as relações diplomáticas do Brasil com outros países. Alencar lembrou que o Equador passa por um problema político que vai se ajustar, e a concessão de asilo ao ex-presidente não significa intervenção brasileira nas questões políticas daquele país. ?Respeitamos os princípios da não-intervenção e da autodeterminação dos povos, mas o asilo deve ser dado sempre que pedido, desde que não haja problema maior ligado a alguma coisa que impeça, como o tráfico de drogas, o que não é o caso?, acrescentou Alencar.

Protestos

Manifestantes equatorianos cercaram a embaixada brasileira e fizeram protestos pedindo que o governo não permita a saída de Gutiérrez do país. Um avião da Força Aérea Brasileira (FAB) aguarda na base aérea de Porto Velho, em Rondônia, a ordem de decolar para trazer Gutiérrez ao Brasil. Na manhã de ontem, a TV Globo noticiou que o avião sobrevoou o Equador de madrugada, mas teve que retornar ao Brasil porque não obteve permissão para pousar.

A Aeronáutica negou esta versão e disse que a aeronave voou direto de Rio Branco, no Acre, onde estava na quinta-feira, para Porto Velho. Segundo a Aeronáutica, o deslocamento foi realizado porque a base de Porto Velho possui infra-estrutura mais adequada para a manutenção do avião e o alojamento da tripulação.

Gutiérrez está asilado na embaixada do Brasil em Quito desde quarta-feira, quando foi deposto pelo Congresso. Na quinta-feira, o novo chanceler do Equador, Antonio Parreira Gil, chegou a anunciar em entrevista coletiva que o Executivo equatoriano concederia o salvo-conduto a Gutiérrez. Mais tarde, porém, ele disse que a situação devia ser estudada com muito cuidado, já que há uma ordem de detenção contra Gutiérrez, anunciada pela promotora-geral do Equador.

Na quarta-feira, o ex-dirigente teve atendido seu pedido de asilo diplomático, o que lhe permitiu hospedar-se na embaixada brasileira. Na quinta-feira, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva concedeu asilo territorial a seu ex-colega equatoriano.

O Itamaraty informou que Lula conversou na quinta-feira por dez minutos com o embaixador brasileiro em Quito, Sérgio Florêncio. Lula também falou duas vezes, por telefone, com o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim.

O ex-presidente não tem parentes no Brasil. Em 1980, Lucio, que é coronel da reserva, fez um curso de um ano na Escola de Educação Física do Exército, no Rio de Janeiro. O embaixador Sérgio Florêncio disse que o ex-presidente está bastante abalado. Ele estaria inconformado, por exemplo, com o fato de o Congresso de seu país ter decretado a vacância do cargo. Mas já foi devidamente orientado a não falar com a imprensa, uma das regras previstas no asilo diplomático.

Gutiérrez montou uma estratégia para preservar sua família de possíveis represálias antes do esperado embarque ao Brasil, onde todos se converterão em asilados políticos. Sua mulher, Ximena Bohorquez Romero, e suas filhas Karina Ximena e Viviana Estefánia foram retiradas do palácio presidencial na última quarta-feira e levadas para um ?lugar seguro?. Nem mesmo os diplomatas brasileiros que lhe deram asilo sabem exatamente qual é o local, apesar de acreditar-se que elas estejam em casa.

Conforme esse esquema, apenas no momento em que Gutiérrez obtiver o salvo-conduto do novo governo equatoriano e for autorizado a embarcar no Boieng 737 da Presidência do Brasil elas serão informadas para se reunirem ao ex-presidente na Base Aérea de Quito.

Gutiérrez passou o dia de ontem na residência do embaixador do Brasil em Quito, Sérgio Florêncio, onde está instalado desde que foi destituído pelo Congresso Nacional equatoriano. Coronel da reserva, ele estabeleceu sua própria disciplina na casa.

Passa o dia entretido com as chamadas que faz em seu telefone celular, não faz exigências e aceita a refeição que lhe é oferecida, sem ressalvas. Vez ou outra conversa em português com as pessoas da casa e com os diplomatas brasileiros.

Brasil abriga dois asilados

Brasília – Segundo o Ministério da Justiça, o Brasil abriga atualmente dois asilados políticos: o ex-presidente do Paraguai general Alfredo Stroessner, que vive em Brasília, e o ex-chefe da Polícia Secreta do Haiti coronel Albert Pierre, que está em São Paulo.

Existem duas formas de asilo político: o diplomático e o territorial. O ex-presidente do Equador Lucio Gutiérrez está em asilo diplomático na embaixada do Brasil em Quito. Nesse tipo de asilo, o Brasil aceita abrigar a pessoa em sua embaixada como forma de protegê-la, uma vez que as representações diplomáticas são consideradas extensões do País e, portanto, são invioláveis. Já o asilo territorial permite a estada do asilado no Brasil.

De acordo com a convenção sobre asilo político da Organização dos Estados Americanos (OEA), assinada pelo Brasil, o asilo pode ser dado a pessoas que estejam sendo perseguidas por motivos ou delitos políticos. É proibida a concessão de asilo a pessoas que tenham cometido crimes comuns ou condenadas por esse motivo pelos tribunais competentes, sem terem cumprido a pena. Um país também não deve dar asilo a desertores das Forças Armadas.

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