O ex-presidente João Goulart “foi vigiado por agentes de inteligência argentinos e a Argentina colaborou” em sua eliminação quando ele estava em sua fazenda em Corrientes, província localizada ao noroeste desse país, disse à ANSA João Vicente Goulart, filho do ex-governante que faleceu em 1976.
A morte de Goulart está rodeada de suspeitas, intensificadas há alguns anos, quando a Fundação Presidente Goulart e organizações de direitos humanos passaram a investigar as hipóteses de que ele tenha sido vítima do Plano Condor, repressão coordenada pelas ditaduras do Cone Sul (Argentina, Chile, Bolívia, Paraguai e Uruguai, além do Brasil).
“Meu pai foi eliminado pelo Condor. Temos recebido informações importantes, documentos com informações muito reveladoras, ele estava na mira do governo militar brasileiro, eles não podiam permitir que ele voltasse ao país, meu pai era uma ameaça à ditadura”, disse João Vicente.
Em entrevista à ANSA no escritório da Fundação Presidente Goulart, em Brasília, o filho do ex-mandatário deposto pelo golpe de 1964 mostrou um documento secreto com o nome de cerca de 30 agregados militares que atuavam na Embaixada brasileira em Buenos Aires.
“Para que alguém vai querer ter 30 agregados militares? Isso é absurdo em uma Embaixada”, disse Goulart. Segundo ele, é estranho uma embaixada ter um número tão grande de agregados militares.
Para Goulart, eles eram, na verdade, pessoas ligadas ao serviço secreto da ditadura que espionavam seu pai e outros opositores que buscaram refúgio na Argentina.
A Comissão de Familiares de Desaparecidos e Mortos Políticos publicou este ano um dossiê sobre as vítimas da ditadura. Pela primeira vez, o nome de Goulart foi incluído em uma lista de pessoas mortas de forma estranha durante o regime militar. Apesar disso, ainda não existe nenhuma investigação judicial sobre as causas de sua morte.
“Venha à Argentina, Janguito (Jango), lhe disse (Juan) Perón, o general que sempre chamava meu pai pelo apelido Janguito e que o conhecia desde os anos 50”, recordou o filho de Goulart.
“Recordo-me bem dos encontros entre o presidente Perón e meu pai na Espanha e na Argentina”, continuou.
“Meu pai resolveu viver na Argentina após receber um convite do general Perón, mas depois de sua morte (em julho de 1974), começamos a sentir as pressões da AAA (Aliança Anticomunista Argentina, organização paramilitar, ndr.) e, em 1975, meu pai me mandou viver na Inglaterra” porque viver na Argentina era cada vez mais perigoso.
Os riscos aumentaram a partir de março de 1976, com o golpe instaurado pela ditadura mais violenta da história argentina.
João Goulart faleceu de um infarto em 6 de dezembro de 1976 em sua fazenda na localidade de Mercedes, Corrientes, e seu corpo foi levado ao Brasil e sepultado sem ser submetido à autópsia. Na época de sua morte, ele estava sendo vigiado por “serviços secretos de Uruguai, Brasil e, seguramente, também da Argentina”.
Para João Vicente Goulart, há muitos fatos estranhos entorno da morte de seu pai, entre eles o fato de o corpo não ter sido submetido à autópsia.
“Isso é mais que estranho. Quem deu a ordem para não se fazer a autópsia de um ex-presidente morto no exterior?”, questionou Goulart, que logo afirmou que “houve uma conspiração, há o depoimento de um ex-agente secreto uruguaio com quem tive um encontro. Ele me contou como foi organizado o envenenamento de meu pai, alguém levou remédios cardíacos adulterados e os deixou no Hotel Liberty”, de Buenos Aires, onde o ex-presidente se hospedava quando visitava a capital argentina.
O Plano Condor estava por traz dessas ações, continuou Goulart, “houve a participação do Brasil e do chefe da CIA em Montevidéu, Frederick Latrash, homem que esteve na equipe de John McCain”, ex-candidato presidencial republicano, derrotado por Barack Obama nas eleições de novembro de 2008.
