Em uma palestra em que criticou a “cultura do encarceramento” e apontou problemas do sistema prisional nacional, o ex-ministro da Justiça e ex-advogado-geral da União José Eduardo Cardozo afirmou que o país precisa “caminhar para a ideia da liberação das drogas”.
“Eu tenho uma visão pessoal de que nós temos que caminhar, sim, para a ideia da liberação das drogas, mas dentro daquilo que a cultura do povo admite, com muita transparência, com muita discussão, sem dogmas e sem preconceitos”, afirmou o ex-ministro em um debate no Centro Universitário de Brasília nesta sexta-feira, 24.
Na opinião de Cardozo, é preciso de estudos e de análise de experiências de outros países, como o Uruguai, que legalizou a maconha. “Não é baixar um decreto. Nós temos que discutir”, disse o ministro. Uma das justificativas do ex-ministro é a de que a “guerra às drogas” falhou. Essa expressão é utilizada para se referir às ações tomadas pelo Estado para reprimir completamente o uso e a circulação de drogas.
Ele aponta que um dos resultados dessa política é o aumento incontrolável da quantidade de presos. Em outra frente, aponta que a proibição às drogas alimenta o narcotráfico. “Nós vamos continuar de uma forma estúpida não refletindo?”, indagou o advogado. Cardozo nunca defendeu essa discussão nos cinco anos em que foi ministro da Justiça sob a presidência de Dilma Rousseff (PT), entre 2011 e 2016. A explicação que deu é que “o ministro fala em nome do Estado, e há que ter cuidado quando se fala em nome de Estado”.
Relacionando a crise carcerária e a questão das drogas, o ex-ministro criticou a falta de clareza na distinção entre o usuário e traficante, apontando que este é um dos motivos para o encarceramento em massa. “Não há um limite muito claro para ver qual é a quantidade que alguém deve portar que pode servir como indicador para a definição se ele é traficante ou usuário. Alguns países têm essa referência. Nós não temos no Brasil”, disse.
Como resultado, segundo ele, “os operadores do direito forçam a barra para colocar atrás das grades usuários dizendo que são traficantes”. Entre o alto número de presos e o déficit de vagas, o ex-ministro afirma que não há como o orçamento viabilizar a construção de vagas a tal ponto que englobe a demanda atual. É preciso prender menos, segundo ele.
“Usuário de drogas não se sanciona. Ele tem que ser tratado pela saúde pública. O usuário de drogas é dependente e tem que ser tratado por médico, tem que ter reinserção social, e não é atrás das grades que vai ter nem médico nem ter reinserção social. Então essa cultura do aprisionamento, que também se projeta pelo tráfico de drogas quando a pessoa é usuária, é alarmante”, disse, destacando que a situação é grave entre a população feminina e que grandes traficantes não são aprisionados.
Afirmando que o custo médio de um preso é “alarmante”, Cardozo disse que “é melhor colocar um preso e por numa escola na Suíça do que deixar num presídio brasileiro”. “Qual é a lógica de continuarmos colocando no presídio pessoas que não precisam ser presas e colocando presos provisórios como forma de aplacar a ira social, não percebendo a consequência para a própria sociedade desse aprisionamento provisório?”
Facções
Cardozo disse que “o maior problema de segurança pública que temos no Brasil hoje é o das organizações criminosas”. Segundo o ex-ministro, o grau de sofisticação é tal que as organizações “corrompem autoridades de todos os poderes”. “É sabido de situações em que estudantes de direito são cooptados para prestarem concurso para magistratura e fazerem sua carreira lá. É sabido que fazem concurso para o Ministério Público, para serem braços instrumentais das organizações nessas instituições. É sabido de organizações criminosas que diretamente ou através de empresas de fachada financiam campanhas eleitorais para terem seus braços no parlamento. Ora, é insustentável essa situação”, disse.
Afirmou que as pessoas são cooptadas facilmente: “basta que a pessoa entre no presídio e, quando veja a possibilidade de a violência chegar a ele, alguém lhe diz que, se quiser se proteger, deve se filiar”.
Como animal
Cardozo reafirmou uma declaração polêmica, que deu em 2012, de que preferiria morrer a cumprir pena em presídios brasileiros. Ele afirmou que precisava lançar atenção sobre a crise penitenciária. “Ou nós colocamos à luz do sol os problemas do sistema prisional brasileiro ou nós continuaremos a ter os problemas de violação aos direitos humanos imensos que temos e os problemas de segurança pública que nós temos”, disse nesta sexta-feira.
“Em larga medida é o sistema prisional brasileiro o responsável pela violência que nós temos nas ruas”, afirmou o ex-ministro. “E ou nós todos nos damos conta disso e paramos de ser hipócritas e esconder a realidade que deve ser vista e transformada, ou nós não solucionaremos este problema.”
Ele disse também que aprisionar não ajuda a reduzir o número de delitos nem ajuda a recuperar os presos e reinseri-los na sociedade. Citou as péssimas condições nos presídios, disse que é inevitável, para muitos presos, filiar-se a organizações criminosas e disse que há um “potencial de violência” nos presídios.
“Muita gente fala que são presos, não são pessoas boas. Senhores! São seres humanos. Independentemente dos delitos que praticaram ou não, ser humano tem que ser tratado como ser humano. Porque ser humano que não é tratado como ser humano age como animal”, disse.