Em mais um claro recado ao presidente que o Brasil elegerá neste domingo sobre o interesse dos Estados Unidos em manter o diálogo intenso entre os dois países, iniciado na década passada pelas administrações de Fernando Henrique Cardoso e Bill Clinton, o governo Bush mobilizou a alta hierarquia do Departamento do Estado para a última reunião do Mecanismo Bilateral de Consulta com o governo brasileiro.
O encontro, marcado para amanhã, foi precedido hoje por uma conversa do secretário-geral do Itamaraty, embaixador Osmar Chofi, que chefia a delegação brasileira, com assessor senior do Conselho de Segurança da Casa Branca, embaixador John Maisto.
A delegação dos EUA é comandada pelo subsecretário para Assuntos Políticos do departamento de Estado, embaixador Marc Grossman, e integrada pelo chefe de planejamento político da diplomacia americana, embaixador Richard Haass, e pelo secretário de Estado adjunto para as Américas, embaixador Otto Reich.
A embaixadora dos EUA em Brasília, Donna Hrinak, chegou hoje a Washington para participar das consultas, que incluirá um almoço no Departamento de Estado.
Hoje à noite, o embaixador do Brasil em Washington, Rubens Barbosa, ofereceu um jantar aos participantes do encontro. Criado depois da bem sucedida visita que Clinton fez ao Brasil em 1997, para dar um foro institucional ao diálogo entre os dois países, o mecanismo de consulta prevê encontros semestrais.
Os temas tratados vão além das relações bilaterais e envolvem a visão de cada governo sobre os grandes temas da pauta regional e internacional.
Com o diálogo entre os dois países fadado a passar por seu mais importante teste em um quarto de século, diante da provável ascensão do líder da esquerda brasileira ao poder em Brasília, a composição da delegação americana foi considerada simbolicamente importante e bem recebida pelo Itamaraty.
Além do rumo da política econômica e da posição da futura administração sobre a Área de Livre Comércio das Américas, há apreensão em Washington sobre as atitudes que o sucessor de Fernando Henrique adotará em relação aos temas quentes na América do Sul, como a crise venezuelana e o guerra contra o narcotráfico na Colômbia.
Embora o encontro já estivesse agendado há algum tempo, o momento em que ocorre – faltando apenas cinco dias para a eleição presidencial e uma semana depois do incidente no qual o candidato do Partido dos Trabalhadores chamou o ministro do Comércio Exterior dos EUA, Robert Zoellick, de “sub do sub do sub” – sublinha a importância do diálogo entre o Brasil e os Estados Unidos e o empenho dos diplomatas dos dois países em manter os canais de comunicação abertos e em operação.
Os representantes brasileiros devem indicar a seus colegas americanos que não prevêem mudanças substantivas nas grandes linhas da política externa brasileira. “O próprio Lula já disse que, em seu governo, o Brasil negociará a Alca e fará uma firme defesa dos interesses do País, o que não é diferente da posição que Fernando Henrique anunciou em seu discurso na Cúpulas das Américas, em Québec, em abril do ano passado”, disse um deles.
Sobre as declarações de Lula sobre Bush – “de cada dez palavras que fala, nove são para fazer a guerra” – e Zoellick, que causaram alguma irritação em Washington, nenhum dos dois lados acredita que elas tenham causado danos que não possam ser revertidos por um diálogo franco e aberto depois das eleições e da posse do próximo presidente.
Um diplomata observou que irritantes desse tipo serão evitados se Lula adotar, na política externa, o mesmo comportamento que teve, com sucesso, ao tratar dos temas da política interna durante a campanha eleitoral: um discurso baseado na discussão das divergências políticas e na apresentação de propostas, e não no ataque pessoal e no baixo nível.