Dois estudos internacionais realizados por grupos diferentes de cientistas e publicados simultaneamente nesta terça-feira, 21, nas revistas “Nature” e “Science” trazem novas perspectivas sobre a chegada dos primeiros humanos às Américas. Os dois trabalhos tiveram contribuição brasileira e foram fundamentados em amplas bases de dados genômicos.

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O estudo da “Nature” indica que três povos indígenas da Amazônia têm origens em populações que vieram da Australásia, uma região que inclui a Austrália, a Nova Guiné e outras ilhas do Oceano Pacífico. Já segundo o estudo da “Science”, os ancestrais dos povos indígenas das Américas, que passaram ao continente a partir da Sibéria, chegaram em uma só grande onda migratória – e não em múltiplas migrações ao longo do tempo, como muitos especialistas pensavam.

De acordo com autores dos dois estudos, a origem dos habitantes do continente continua sendo um controverso e intrincado quebra-cabeças para a ciência, mas novas tecnologias aplicadas à genética ajudam pouco a pouco a desvendar os mistérios da grande migração para as Américas, traçando panoramas cada vez mais completos.

“A colonização pré-histórica das Américas é um problema que vem sendo considerado desde o século 19. Mas agora, as tecnologias genômicas, aliadas à arqueologia, à linguística e à paleoantropologia estão conseguindo delinear o panorama da origem dos nossos ameríndios”, afirmou à reportagem um dos autores do estudo da “Nature”, o especialista em genética de populações Francisco Mauro Salzano, do Instituto de Biociências da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

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Salzano e seus colegas analisaram os dados genômicos de indivíduos de 30 populações nativas da América Central e da América do Sul, além de outras 197 populações não americanas. Eles constataram que os índios Xavante, Suruí e Catiriana são geneticamente muito próximos dos indígenas da Austrália e da Nova Guiné e muito distantes de qualquer outra população nativa das Américas.

O estudo também constatou que os Xavante – da região central do Brasil -, os Suruí e os Caritiana – ambos de Rondônia -, também são geneticamente distantes dos habitantes da Sibéria, de onde se supõe terem migrado os primeiros habitantes das Américas há 13 mil anos. A conclusão é de que a Sibéria não foi a única origem da migração.

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“Até recentemente, a ideia mais aceita era a de que todos os ancestrais dos ameríndios teriam passado pelo estreito de Bering, provenientes da Sibéria e da Mongólia, em uma única onda migratória. Mas mostramos agora que a essa linhagem de índios do Brasil tem marcadores genéticos que não são típicos da Ásia e sim da Australásia. O quadro era mais complexo do que se pensava”, afirmou Salzano.

Segundo ele, a ideia de que parte dos povos indígenas tenham vindo de ilhas do Oceano Pacífico é antiga, mas até agora não havia dados que comprovassem essa diversidade de migrações com base em análises genômicas de diversas populações.

Ainda assim, um estudo publicado em outubro de 2014 já mostrava que fósseis de dois crânios de índios Botocudos, encontrados no século 19 em Minas Gerais, tinham genomas exclusivamente polinésios, sem qualquer traço de ancestrais das Américas.

A diferença, segundo Salzano, é que agora há dados para comprovar que houve outras migrações e que elas não foram recentes: existe de fato um componente genético ancestral na linhagem batizada pelos cientistas de “povo Y”, que deu origem aos Xavante, Suruí e Caritiana.

“Também é interessante o fato desses rastros genéticos comuns se manifestarem em grupos linguisticamente diversos.” Os Xavante falam uma língua Jê, enquanto os outros dois povos falam uma língua Tupi.

Onda única

Enquanto isso, o estudo publicado na “Science” derruba a ideia segundo a qual a diversidade genética dos povos indígenas da América seria consequência de diversas ondas migratórias de populações asiáticas, pelo estreito de Bering, em épocas diferentes. Por essa via, a onda foi uma só.

Comparando os genomas de indivíduos antigos e modernos das Américas, da Sibéria e da Oceania, os cientistas concluíram que os ancestrais dos indígenas migraram da Ásia, de uma só vez, em algum momento há menos de 23 mil anos – no auge da última era glacial – depois de terem ficados isolados por até 8 mil anos.

Segundo os autores, os resultados sugerem que a diversidade genética de povos das Américas se deve a eventos ocorridos depois da imigração. O estudo da “Science” mostra também que os ancestrais dos indígenas se dividiram em dois ramos há cerca de 13 mil anos, quando as geleiras derretiam, abrindo caminho para o interior da América do Norte. Uma delas originou os indígenas norte-americanos, a outra gerou os povos sul-americanos.

A arqueóloga Niède Guidon, que participou do estudo da “Science”, acredita que a conclusão seja importante, mas que esteja longe de apontar que todos os povos indígenas tenham origem asiática.

“O estudo deixa claro que houve uma única onda migratória há 23 mil anos a partir da Ásia. Mas isso não quer dizer que não houve outras origens”, disse a cientista, que é presidente da Fundação Museu do Homem Americano, no Piauí.

“Esse resultado é muito interessante, porque abrange grande parte das populações, mas se refere unicamente a povos recentes. O problema é que não temos muito DNA antigo para fazer estudos genômicos. Muitas tribos já não existem e não puderam ser estudadas”, declarou Niède.

Segundo ela, na falta de dados genéticos, o conhecimento sobre os habitantes já extintos das Américas precisa se apoiar na arqueologia. “Temos muitos dados arqueológicos seguros e numerosos que indicam outras migrações”, afirmou.

“Há estudos apontando populações que vieram do Pacífico e, aqui no Piauí, as primeiras populações provavelmente tenham vindo da África e não têm qualquer relação com os asiáticos – pelo menos é essa nossa hipótese baseada em dados arqueológicos”, declarou.