A crescente preocupação em tornar a cirurgia de câncer de mama menos mutilante pode estar aumentando a ocorrência de sobra de tecido mamário após a operação, o que eleva o risco de recidiva (reaparecimento) do tumor. O alerta foi feito por pesquisadores do Hospital Sírio-Libanês em estudo que avaliou, por meio de exames de imagem, mulheres que passaram por mastectomia (cirurgia para retirada completa da mama).

continua após a publicidade

Na análise, os cientistas encontraram resíduo de tecido mamário em cerca de um terço dos 501 casos estudados (29,9%). O índice foi maior quando considerado o grupo de pacientes submetidas a técnicas de mastectomia menos mutilantes, que preservam estruturas como pele, aréola e mamilo.

Os pesquisadores verificaram ainda que a espessura média da pele deixada pelos cirurgiões foi de 9,6 milímetros, quando o recomendado é de 5,5 milímetros. Para o cirurgião oncológico e mastologista José Luiz B. Bevilacqua, coordenador do serviço de mastologia do Hospital Sírio-Libanês e um dos autores da pesquisa, o resultado causa preocupação porque a mastectomia pode não estar sendo suficiente para tratar a doença. “E tem sobrado resíduo de tecido mamário em espessura maior do que a recomendada, podemos estar passando uma falsa sensação de segurança à paciente, de que ela está livre da doença após a cirurgia.”

Ele afirma que a preocupação de médicos e pacientes com o resultado estético da cirurgia de reconstrução de mama pode estar fazendo alguns cirurgiões deixarem de retirar todo o tecido necessário. “Se a mulher está passando por um câncer, ela precisa ponderar que o tratamento oncológico é prioritário. E mesmo com uma mastectomia radical conseguimos ter resultados estéticos muito bons”, afirma. “Não sou contra a cirurgia de preservação de mamilo, porém é preciso manter fina a espessura do retalho de pele para não deixar tecido mamário além da base do mamilo.”

continua após a publicidade

Para o presidente da Sociedade Brasileira de Mastologia, Antônio Luiz Frasson, o estudo é importante para que os cirurgiões fiquem atentos aos resultados obtidos em cada cirurgia. Ele ponderou, no entanto, que nem sempre é possível remover totalmente o tecido mamário ou deixar uma camada tão fina de pele. “O parâmetro tem de ser tirar o máximo de tecido possível, mas com o cuidado de manter a vascularização atrás da pele para que não haja necrose, que é uma complicação gravíssima.”

Assim como Bevilacqua, Frasson ressalta que, quando a remoção completa do tecido mamário não é possível, a equipe médica deve avaliar a eventual necessidade de terapias complementares. “A pergunta que a gente tem de se fazer é se tem de complementar o tratamento com radioterapia e se a radioterapia pode compensar a não retirada completa do tecido”, destacou.

continua após a publicidade

O estudo dos pesquisadores do Hospital Sírio-Libanês levantou o debate sobre a eficácia da mastectomia em comparação com outras técnicas. O periódico científico International Journal of Radiation Oncology, onde a pesquisa foi publicada, fez um editorial em que questiona se a mastectomia pode ter resultados piores do que a cirurgia conservadora de mama (aquela em que só parte do órgão é retirado) combinada à radioterapia. Para os especialistas brasileiros, ambas as técnicas têm indicação bem definida, mas é preciso que o cirurgião avalie, após a cirurgia, a necessidade de complementação do tratamento.

Três cirurgias

Foram necessárias três cirurgias para que a médica Marcia Cuminale, de 56 anos, se visse livre do câncer de mama que descobriu em 2009. Na época do diagnóstico, a paciente se lembra de ter sentido um alívio quando foi informada de que o seu caso exigiria um tipo de cirurgia menos invasiva: a quadrantectomia (ou cirurgia conservadora de mama), na qual apenas parte do órgão é removida. “Lembro que saí feliz da cirurgia porque estava viva e não era uma cirurgia tão agressiva”, conta.

As biópsias do tecido retirado na operação, porém, mostraram várias lesões e levaram Marcia, mais tarde, a se submeter a uma mastectomia. “Foi feita a cirurgia, mas a pele e a aréola foram preservadas. Houve a intenção de deixar um pouco mais (de tecido)”, diz.

Dois anos depois, a médica descobriu que a cirurgia mais abrangente também não tinha conseguido eliminar a doença. “O câncer voltou e eu tive de ir para a minha terceira cirurgia. Tiraram a aréola e uma grande quantidade de pele. Foram 12 horas no centro cirúrgico. A gente sai com um misto de sentimentos: triste por se sentir mutilada, mas aliviada por se livrar do tumor”, diz.

Depois das cirurgias, Marcia ainda passou por terapias anti-hormonais para controle da doença. Em 2017, finalmente teve alta. “Hoje, vendo toda a dor física e psíquica que eu passei, lógico que eu diria que preferiria já ter feito a cirurgia mais radical de início. Mas é difícil saber como eu agiria se isso tivesse acontecido”, pondera.

Também vítima de um câncer de mama, a professora Silvia (nome fictício), de 42 anos, pensa que o tratamento oncológico deve tirar todo o tecido necessário. Quando recebeu o diagnóstico da doença, porém, em 2012, a paciente pensava diferente. Com o medo da morte, veio também o da mutilação. “É um baque muito grande nessa parte feminina. Consultei dois médicos. Um era mais radical, queria tirar mais tecido na cirurgia. O outro disse que faria a mastectomia, mas que o seio reconstruído ficaria muito bonito, muito próximo ao natural, então escolhi pensando mais nessa questão estética.”

Saúde

Na cirurgia, a professora teve mamilo, aréola e pele preservados. Um ano depois, porém, ela descobriu que a doença havia voltado. “Ainda tinha resquício de célula tumoral e me disseram que eu teria de fazer outra cirurgia”, conta. “Fiquei muito chateada porque achei que a primeira cirurgia resolveria o problema. Hoje eu acho que tinha de ter pensado só no aspecto da saúde.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.