Especialistas em direito penal divergem sobre a possibilidade de repercussão geral de um habeas corpus a mães de crianças de até 12 anos e gestantes encarceradas, que será julgado pelo Supremo Tribunal Federal. O HC, impetrado por advogados e apoiado pela Defensoria Pública da União, será analisada pela Segunda Turma. Criminalistas estão divididos sobre se, caso a Corte acolha o recurso, ele deverá ter ou não efeito sobre uma coletividade.
A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) deve julgar nesta terça-feira, 20, um habeas corpus coletivo que busca garantir prisão domiciliar a todas as mulheres grávidas que cumprem prisão preventiva e às que são mães de crianças de até 12 anos.
De acordo com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), 622 mulheres presas em todo o País estão grávidas ou amamentando. A ação constitucional chegou ao STF em maio do ano passado e é relatada pelo ministro Ricardo Lewandowski. O julgamento é motivado por um habeas corpus protocolado por um grupo de advogados militantes na área de direitos humanos, com apoio da Defensoria Pública da União (DPU).
“Os Tribunais analisam caso a caso para ver se há constrangimento ilegal”, explica o criminalista Alexandre de Oliveira Ribeiro Filho, do Vilardi Advogados. “O Supremo pode alegar que, de acordo com a sua jurisprudência, não cabe habeas corpus coletivo, que eventual constrangimento ilegal deve ser analisado individualmente.”
Para Ribeiro Filho, porém, só o fato de as grávidas e mães com filhos pequenos estarem presas, quando a lei lhes garante situação menos gravosa, já implica constrangimento ilegal. “A prisão nessas hipóteses deveria ser excepcionalíssima. Daí porque o Supremo deveria conceder o HC e o Ministério Público que tome as providências que entender necessárias nos casos particularmente graves.”
Fernando Castelo Branco, coordenador do curso de Direito Penal da Faculdade de Direito do IDP-São Paulo, lembra que há uma previsão infraconstitucional, calcada no Código de Processo Penal, no artigo 318, autorizando a possibilidade de o juiz conceder a prisão domiciliar em troca da prisão preventiva às presas nessas condições. “Existem ainda diversas medidas cautelares que também podem substituir a prisão preventiva, como o comparecimento obrigatório em juízo, a proibição de frequentar determinados lugares, o monitoramento eletrônico entre outras. Portanto, falta ao poder judiciário se acostumar a essas regras alternativas à prisão.”
Para o professor do IDP-SP, não é possível, porém, uma adoção indiscriminada dessas medidas, considerando-se o risco à ordem pública que essa mulher pode trazer e das condições efetivas da necessidade de assistência ao menor.
“Muitas vezes, o juiz decide sobre a sorte de um preso provisório sem formação de culpa, sem saber exatamente para onde está mandado essa pessoa. E, na maioria das vezes, não há necessidade de manter essa pessoa presa”, argumenta Castelo Branco.
“Uma estatística do Tribunal de São Paulo, em 2016, mostrou que 50% das prisões em flagrante eram revogadas nas audiências de custódia. É um índice muito alto. Por isso, insisto que os juízes terão que analisar caso a caso e avaliar se outras medidas são oportunas, além da prisão preventiva.”
Para a advogada criminalista Fernanda Tucunduva van Heemstede, do Nelson Wilians e Advogados Associados, o que se percebe, em verdade, conforme menciona a petição realizada pelo grupo de advogados, há uma falha sistêmica do Poder Judiciário em aplicar a lei de forma isonômica e garantir o direito das mulheres de forma democrática.
“Importante salientar que o presente habeas corpus não trata apenas das condições desumanas dos presídios, que impossibilitam o crescimento saudável de uma criança, mas trata igualmente dos atos discriminatórios que ocorrem no país”, observa a criminalista. “Isso porque, no caso da prisão preventiva da ex-primeira dama do Estado do Rio de Janeiro, Adriana Ancelmo, que tem dois filhos, um de 11 e outro de 14 anos, foi concedida a prisão domiciliar. A aplicação da lei, neste caso, está correta, devendo, porém, ser estendida a todos, de forma democrática, o que não vem ocorrendo.”
Para ela, a substituição da prisão preventiva por prisão domiciliar em casos pontuais, de forma seletiva, não funciona e pode levar a situações discriminatórias. “Até porque, conforme menciona o habeas corpus, só no Superior Tribunal de Justiça a substituição foi negada em metade dos casos.”
Além de Ricardo Lewandowski, fazem parte da Segunda Turma do STF os ministros Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Celso de Mello e Edson Fachin.