Garantir o direito a um quarto individual em qualquer maternidade do país às gestantes que optarem pelo parto normal é “plenamente possível”, mesmo com a realidade heterogênea da saúde pública brasileira. A avaliação é da professora do Departamento de Saúde Materno-Infantil da Universidade de São Paulo (USP) e diretora do Centro de Saúde Escola, Ana Cristina D’Andreta Tanaka.
A partir de dezembro, as gestantes que optarem pelo parto normal terão direito a um quarto específico para o procedimento, com leito e banheiro, em todas as maternidades do país. A medida faz parte de um conjunto de normas para maternidades lançado terça-feira (22) pelo Ministério da Saúde, em parceria com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), e vale para as redes pública e privada. Para a professora, implementar a medida é apenas uma questão de planejamento.
Em entrevista ao programa Notícias da Manhã, da Rádio Nacional, Ana Cristina lembrou que já existe uma lei que prevê a garantia da presença de um acompanhante caso seja solicitado pela gestante e, por isso, algumas maternidades não utilizam mais enfermarias de oito ou dez leitos para o procedimento de parto normal, mas uma sala com, no máximo, dois leitos.
“Se você já tem quartos disponíveis nessa dimensão, é muito fácil readaptar o seu serviço para unidades com um quarto só. Nossa queda de natalidade foi muito grande, estamos com 1,8 filho por mulher, isso quer dizer que a gente deve ter leito de obstetrícia sobrando. Tem hospitais que estão fechando áreas de maternidade. É plenamente possível ter um quarto por mulher porque você já não tem mais tanta mulher tendo bebê”, destacou a especialista.
Segundo ela, uma pesquisa realizada pelo Ministério da Saúde mostra que os índices de natalidade apresentaram queda não apenas na zona urbana, mas também nas áreas rurais.
Ao comentar o número de cesarianas realizadas no Brasil, Ana Cristina classificou a situação de “assustadora” e disse que o procedimento é “moda” e “via normal de nascer” para os brasileiros. Segundo ela, cerca de 40% dos partos realizados no Brasil são por cesária e em algumas cidades do interior do país, como no estado de São Paulo, esse tipo de procedimento chega a alcançar índices de até 99%.
Por ano, são registrados cerca de 3 milhões de nascidos vivos no país, sendo que quase 2,1 milhões nascem nas unidades do Sistema Único de Saúde (SUS). Desse total, 1,4 milhão corresponde a partos normais e 670 são cesarianas. A recomendação da Organização Mundial de Saúde (OMS) é que as cirurgias representem apenas 15% dos partos.
Para a professora, o problema é conseqüência de três aspectos: o estímulo dos próprios médicos, a cobrança da população decorrente de mitos e crendices, e o despreparo de equipes de enfermagem para o parto normal.
“Vem, primeiro, do setor médico, que colocou isso na população. Para eles, é um bem de consumo a mais, assim como exigem uma tomografia ou uma ressonância. Em contrapartida, nossa formação na área obstetrícia foi muito boa mas, com o abuso [de procedimentos cirúrgicos], se tornou mais concentrada na cesária do que no parto normal. Tem um problema também de formação do pessoal de enfermagem, que não sabe acompanhar um parto normal, apenas uma cesária, que é muito mais rápida.”