Escolas particulares em São Paulo dizem que não vão seguir a parte de alfabetização da Base Nacional Curricular Comum (BNCC) caso não haja mudanças. O texto atual é considerado “ultrapassado” porque induziria as escolas a alfabetizar dando importância ao treino das letras e à memorização. A terceira versão da BNCC está sendo analisada pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) desde abril e deve ser votada em dezembro. Já o governo federal afirma que o documento não vai apontar como os colégios devem ensinar.
Quando aprovada, a Base Nacional Comum vai dizer quais devem ser os objetivos de aprendizagem para os estudantes brasileiros em cada etapa de ensino. Nesta semana, o CNE divulgou 283 documentos com críticas e considerações sobre o documento. Muitos mencionavam a alfabetização.
“A alfabetização não é ensinar a letra, o som e aí a criança junta as duas coisas. Ela precisa ler e escrever em contextos reais”, diz a diretora pedagógica do Ensino Infantil e Fundamental 1 da Escola da Vila, na zona oeste da capital, Fernanda Flores. A instituição foi uma das que encaminhou carta ao CNE, pedindo mudanças. A escola questiona, por exemplo, trechos da BNCC que dizem que o aluno “não pode escrever qualquer letra em qualquer posição”.
Segundo a escola, “inúmeras investigações já indicaram que não é somente recebendo informações que o aluno aprende a escrever, mas sim colocando aquilo que aprende em jogo ao escrever, de forma ativa e consciente.” Segundo ela, a escola manterá esse enfoque na alfabetização, mesmo que a BNCC seja aprovada dessa maneira.
O Colégio Oswald de Andrade, na zona oeste, também não pretende modificar seu projeto pedagógico por causa da nova norma. “É um retrocesso em relação a tudo que se aprendeu nos últimos 30 anos. A alfabetização não é uma transcrição, ela é cognitiva”, diz a coordenadora pedagógica da escola, Rosane Reinert.
Ela afirma estar preocupada com termos como ‘treino’ e ‘cópia’ presentes no texto que, “com muito custo, conseguimos tirar da cabeça dos professores”. E explica que as crianças aprendem as letras em uma construção com os professores quando, por exemplo, ouvem histórias ou ajudam a escrever um recado na lousa.
As ideias de alfabetização defendidas pelas escolas particulares têm como origem o construtivismo, movimento que começou a ganhar força no Brasil depois da década de 1980 e coloca a criança – no lugar do professor – como foco da aprendizagem. Ele se contrapõe a métodos tradicionais que usam cartilhas, por exemplo, com ensino silábico. Mas não há um padrão na forma de alfabetizar entre as escolas do País.
Os últimos resultados da Avaliação Nacional de Alfabetização, exame federal, mostram que 54,7% das crianças do 3º ano do ensino fundamental estão em níveis insuficientes de leitura e não conseguem identificar informações explícitas em um texto.
Na opinião da coordenadora de Língua Portuguesa do Colégio Lourenço Castanho, na zona sul paulistana, Katia Nanci, a aprendizagem do som e das letras é importante, mas não pode ser o foco do processo. A escola apresenta várias formas de literatura – como parlenda, rimas e trava-língua – para despertar o interesse das crianças para leitura e escrita.
“A maioria aprende muito mais com a brincadeira e a leitura indireta”, completa Nevinka Tomasich, diretora do Colégio Anália Franco, na zona leste, que também não pretende seguir as recomendações.
Currículo
De acordo com Rossieli Soares da Silva, secretário da educação básica do Ministério da Educação (MEC), órgão responsável pela BNCC, as críticas estão sendo analisadas e podem ser incorporadas. Mas, afirma ele, o documento não diz como as escolas devem ensinar.
“A Base não é currículo. Ela não está dizendo que os alunos têm de decorar o alfabeto e, sim, que têm de saber o alfabeto”, afirma o secretário.
Não há consenso sobre a obrigatoriedade das escolas em cumprir a BNCC depois que for aprovada no Conselho. Segundo o integrante do CNE e presidente da comissão da Base, Cesar Callegari, ela passará a ser uma “bússola” para escolas, mas não haverá punição. “A Base prescreve direitos dos alunos, mas não especifica como esses direitos devem ser concretizados. Isso fica a critério das escolas e sistemas.”
Já o presidente do CNE, Eduardo Deschamps, afirma que as escolas que ignorarem a norma podem ser proibidas de abrir matrículas ou ter cassada a autorização para funcionar.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.