Brasília – O título de “ilha da fantasia” deve ser a expressão que mais desagrada ao brasiliense comum, muitas vezes confundido pelo país afora com os políticos que, eleitos nas suas bases, habitam a cidade durante seus mandatos. O termo, no entanto, não é errado quando se avalia a escolaridade e a renda da população do Distrito Federal.
Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad) 2007, quase 60% da população economicamente ativa (PEA) do DF – 774 mil pessoas aproximadamente – concluiu o ensino médio. O dado é bastante superior ao verificado na média brasileira, de 40%. O índice nacional está 15 anos atrasado em relação a Brasília, que completa 49 anos amanhã (21). Segundo análise do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), só em 2007 o Brasil se igualou ao percentual que sua capital já desfrutava em 1992 no número de habitantes com mais de 11 anos de escolaridade.
Quanto à renda, 17% da população do DF vivem abaixo da linha de pobreza, de meio salário mínimo per capita. No Brasil, esse percentual é de 35%, como assinala Jorge Abrahão de Castro, diretor de Estudos Sociais do Ipea. Segundo ele, a diferença na escolaridade propicia trabalho com melhor remuneração, como o emprego público. “É uma situação diferenciada. A carreira de Estado, em geral, exige uma formação maior e também remunera melhor”, admite.
O quadro educacional e de renda é especialmente insular na área tombada de Brasília (Plano Piloto) e nas mansões do setor, nas casas dos lagos Sul e Norte e nos apartamentos das quadras do Sudoeste e da Octogonal. Conforme pesquisa da Companhia de Planejamento do Distrito Federal (Codeplan), nessas regiões administrativas a taxa de analfabetismo em 2004 era de 0,6%; apenas 1,6% das crianças e adolescentes estavam fora da escola e mais de 42% dos adultos tinham curso superior completo.
Se a situação de Brasília destoa do resto do Brasil, os dados da periferia a aproximam do conjunto da sociedade brasileira. Segundo a mesma pesquisa da Codeplan, nos assentamentos urbanos da Vila Estrutural e de Itapoã a taxa de analfabetismo era de 8%, o percentual da população de 7 a 14 anos fora da escola atingiu de 5,4% e o total de adultos com curso superior não passava de 0,3%.
Conforme Sérgio Magalhães, da diretoria de Gestão de Informações da Codeplan, “a desigualdade em Brasília é bem demarcada no espaço”. Ele avalia que as diferenças socioeconômicas entre as áreas nobres e a periferia são “o problema sério da capital. Há muita riqueza nas mãos de poucas pessoas. Estamos no primeiro lugar da desigualdade”, lamenta. Magalhães informa que o Coeficiente de Gini de Brasília é de 0,6 – acima do verificado no Brasil, de 0,53. O indicador mede a razão entre a riqueza produzida e a quantidade de pessoas que a concentra.
Nas contas de Sérgio Magalhães, 85% da renda dos brasileiros provêm do trabalho e a remuneração é estabelecida pela qualificação e a escolaridade. “Onde tem concentração de riqueza, há concentração de pessoas mais capacitadas. Onde há mais pessoas qualificadas, há mais chances de pessoas com maior rendimento”.
Para o sociólogo Pedro Demo, a capital virou “referência” no país das desigualdades sociais. “Ao invés de ser uma capital diferente, mais balanceada, menos drástica, acabou se acomodando no mesmo modelo. É uma imagem bem clara do que o Brasil tem sido”, diz, descartando o mito da “ilha da fantasia”.
Segundo cálculo do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) das regiões administrativas de Brasília, feito pela Codeplan em 2003, o Lago Sul tinha um índice melhor do que a Noruega -1º lugar em qualidade de vida entre os países, conforme a ONU – e Brazlândia (a 47 quilômetros do Plano Piloto) tinha o 90º lugar, atrás da Tailândia.