Epidemia silenciosa já atinge 3% da população

Brasília – Uma epidemia silenciosa assola o Brasil e já atinge quase cinco milhões de pessoas no País. O número de pessoas infectadas supera em oito vezes a contaminação pelo HIV, vírus causador da aids, que hoje chega a 600 mil. Estamos falando da hepatite C (HCV). A Organização Mundial de Saúde (OMS) calcula que aproximadamente 177 milhões de pessoas no mundo estejam cronicamente infectadas, o que corresponde a 3% da população mundial.

Entre as hepatites conhecidas, a do tipo C é a que mais pode resultar em casos crônicos – em 85% dos casos, contra cerca de 15% a 20% na do tipo B, que em geral é combatida pelo próprio sistema de defesa do organismo. Isso significa que, num prazo de até 20 anos, essas pessoas estão sujeitas ao surgimento de uma cirrose ou de câncer de fígado, o que pode resultar no transplante do órgão como única opção de tratamento. Ao contrário do que ocorre com as hepatites A e B, não existe vacina para a do tipo C.

Hepatite C é o nome por que se conhece a doença hepática crônica causada por infecção pelo vírus HCV. A maioria das contaminações está associada ao uso de drogas injetáveis (38%), transfusão sangüínea (40%) e relações sexuais (5%). O HCV ameaça ainda os profissionais de saúde. A possibilidade de um médico ou enfermeiro contrair a doença após ser exposto a ela em serviço é cerca de oito vezes superior ao risco de contrair HIV na mesma situação.

Práticas comuns, como freqüentar a manicure, colocar um piercing ou ir ao dentista devem receber maior atenção, recomenda o Ministério da Saúde. O vírus da hepatite C é resistente: qualquer contato com o sangue de uma pessoa infectada pode transmitir a doença. O presidente do Grupo Esperança, Ong que ampara portadores da doença, Jeová Pessin, considera o HCV um vírus “democrático”, por atingir qualquer pessoa, independentemente da condição socioeconômica.

A doença pode demorar até 20 anos para manifestar sintomas. Por isso, estima-se que cerca de 40% dos portadores de HCV não saibam da sua condição sorológica. Quanto mais cedo acontece o diagnóstico, melhor o tratamento. Para Pessian, o que falta é informação sobre a doença. “Campanhas de prevenção e incentivo ao teste de detecção (anti-HCV) são fundamentais para evitar o avanço da doença”, diz. “Toda a luta é para que não cheguemos à necessidade de transplante de fígado”, completou, em alusão ao tratamento recomendado para os casos mais graves.

A falta de informação, aliada ao difícil tratamento, gera pânico nas pessoas que recebem o diagnóstico positivo. Logo que o paciente fica informado da doença, precisa fazer um exame de biologia molecular, chamado de PCR. Esse exame tem um custo médio de R$ 800. Desde janeiro deste ano, o Sistema Único de Saúde (SUS) fornece gratuitamente o PCR, mas Pessian alerta que ainda são poucos os lugares que oferecem acesso ao serviço.

Outro problema enfrentado pelo paciente da hepatite C é o alto custo dos medicamentos, que também são distribuídos pelo SUS com precariedade. O tratamento, que dura 12 meses, não sai por menos de R$ 1 mil por semana. São dois tipos de medicação usados no Brasil: o Interferon e a Ribavirina, ambos com apenas 30% de potencial de cura.

Em último caso, transplante

Quando a hepatite C evolui para um quadro crônico, a única salvação pode ser o transplante. E o paciente pode enfrentar anos de espera para receber um fígado. Na vivência desse drama há quase dois anos, Adalberto Salles conta as maiores dificuldades que sua mãe, Vaster Salles, de 61 anos, enfrenta na fila do transplante.

Adalberto conta que sua mãe descobriu que tinha o vírus da hepatite C por acaso, quando teve de fazer exames para detectar outra doença. Isso aconteceu há mais de dez anos. A falta de medicação adequada e o alto preço do que existe disponível no mercado foram os maiores problemas. No caso de dona Vaster, as causas da doença ainda não foram detectadas.

Apesar de morar em Brasília, Adalberto conta que teve que incluir sua mãe na lista de espera para o transplante em São Paulo, porque o Hospital de Base, onde eram feitos os transplantes na capital federal, perdeu a credencial por falta de qualidade. “São muitas as dificuldades que vivemos lá em casa. Em Brasília não há transplante, não há medicamento para o pós-transplantado”, contou.

No Brasil, são cerca de 5 mil pessoas na fila do transplante, à espera de um fígado. Essas pessoas enfrentam dificuldades que vão desde a espera por um doador compatível, até problemas na captação e localização do paciente.

Universidade realizará pesquisa

O Ministério da Saúde encomendou à Universidade Federal de Pernambuco uma pesquisa que deve retratar a situação da hepatite no País. São dados como o número de doentes por região e o número de doentes por tipo de doença (A, B C D, E e F). Serão investidos R$ 2,2 milhões no mapeamento das capitais dos estados. A pesquisa inclui uma população estimada em 32 mil pessoas, a partir de cinco anos de idade.

O levantamento começa em janeiro de 2004 e deve terminar em dois anos. Para a coordenadora do Programa Nacional de Hepatites Virais, Gerusa Figueiredo, a conclusão desse estudo pode resultar no planejamento de uma melhor política de assistência aos pacientes. Ela conta que o Brasil é o quarto país do mundo a realizar tal pesquisa. Apenas EUA, França e Itália tiveram iniciativa semelhante. Ao todo, 64 médicos estão envolvidos no projeto.

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