Mais de 200 entidades da sociedade civil, entre elas a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), a Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional São Paulo (OAB-SP) e a Transparência Brasil, lançam no dia 18 o "Movimento Nacional Contra o Calote Público", uma mobilização para impedir a aprovação de mudanças do limite anual e o leilão reverso na questão do pagamento de precatórios pela União, Estados e Municípios. As alterações estão contidas na Proposta de Emenda Constitucional 12/2006 (PEC 12/06), de autoria do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), que encampou proposta do ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Nelson Jobim.

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A PEC 12/06 prevê que União e Estados destinem no máximo 3% de suas despesas primárias líquidas do ano anterior para o pagamento de precatórios – ordens de pagamento judiciais para sanar dívidas de processos encerrados, originadas de pensões alimentícias, desapropriações, revisão salarial de servidores e contratos com o poder público. Para os Municípios, o porcentual máximo seria de 1,5%. De acordo com o Supremo Tribunal Federal (STF), os precatórios somavam cerca de R$ 62 bilhões em 2004, mas segundo os organizadores do movimento, as cifras de hoje superam os R$ 100 bilhões.

A proposta institui ainda a modalidade de leilão reverso – precatórios oferecidos com maior desconto pelos credores terão prioridade de recompra -, em substituição à preferência dada aos precatórios alimentares e à ordem cronológica.

Na avaliação do presidente da Comissão de Precatórios da OAB-SP, Flávio Brando, a proposta legitima e estimula o calote dos entes públicos no pagamento de precatórios, alimenta o desprestígio do Judiciário e atenta contra a democracia. "Antes de mais nada, a PEC 12/06 é tecnicamente inconstitucional. A própria assessoria jurídica do Senado admite isso. Ela viola direitos adquiridos pela Constituição, como o respeito à sentença definitiva, ao trânsito em julgado e à ordem cronológica de pagamentos", disse.

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A proposta do movimento, que conta com apoio de 251 entidades, é transformar o precatório em um título público, com liquidez, data certa para o pagamento e garantias previstas por registro na Câmara de Custódia e Liquidação (Cetip) ou na Sistema Especial de Liquidação e Custódia (Selic). Os prazos de cada título seguiriam as regras estabelecidas pela nova regulamentação, podendo variar e incluir também o parcelamento. Considerando juros e correção monetária, os precatórios seriam atrativos para o mercado financeiro, já que rendem no mínimo 10% ao ano e até o dobro nos casos em que o Judiciário tenha estipulado juros compensatórios, como nas desapropriações.

Dívida ativa

Por outro lado, o movimento oferece a mesma solução para a dívida ativa da União, Estados e Municípios. Segundo os organizadores do movimento, o Estado tem uma dívida ativa estimada 5 a 20 vezes maior que a dívida judicial passiva – a União tem R$ 600 bilhões em dívida ativa, o Estado de São Paulo, R$ 75 bilhões, e a capital paulista, R$ 25 bilhões. São créditos tributários acumulados referentes a Imposto de Renda, IPVA e IPTU, por exemplo. "O Poder Público é ineficiente também para receber sua dívida ativa. Alguns grandes bancos já se propuseram a comprar essa dívida ativa. Para eles, comprar recebíveis de alguma empresa é a mesma coisa que comprar dívida ativa", afirmou Brando.

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Porém, segundo ele, não há vontade política para que essas mudanças sejam efetivadas. "No momento em que isso for feito, a história de um País com contas em ordem e superávit de 4% ao ano desaparece. Será o reconhecimento de uma dívida pública R$ 100 bilhões maior, uma parcela que tem sido cuidadosamente escondida dos credores internacionais e das agências de classificação de risco", opinou. Esse dado será utilizado como moeda de troca entre o movimento e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com quem o movimento solicitou uma audiência na próxima semana.

Tramitação

Atualmente, a PEC 12/06 encontra-se com o relator, em discussão na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado. Após votação na CCJ, ela deve seguir para votação em Plenário, em dois turnos, e em seguida para a Câmara, onde passará por processo semelhante.

O senador Valdir Raupp, relator da PEC 12/06, disse que pretende colocá-la em votação na CCJ logo após o fim do recesso parlamentar. Ele admitiu que não há consenso em torno da questão. "Já estamos com a sétima versão do relatório", disse. Apesar disso, ele afirmou que o texto continua aberto a sugestões. "Estamos abertos a todas as propostas", acrescentou.