Há um ano e meio, convocado para a CPI da Petrobrás, o então presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), e seus aliados transformaram o dia do depoimento em um ato político de desagravo. O deputado foi categórico ao negar contas bancárias no exterior e, sem saber, despertou ainda mais a atenção de investigadores, que já apuravam silenciosamente o recebimento de propina fora do País.

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Cunha virou figura frequente em delações firmadas pelo Ministério Público: foi citado por Alberto Youssef, Fernando Baiano, Fábio Cleto, executivos da Carioca Engenharia e aparece nas trocas de mensagens com o empreiteiro Léo Pinheiro, da OAS. A cada nova menção, costumava acusar o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, de persegui-lo politicamente, mas seus advogados passaram a admitir recentemente que a estratégia do enfrentamento foi errada – principalmente se quiser negociar seu próprio acordo de delação premiada.

Nos últimos quatro meses, depois de se tornar réu no Supremo Tribunal Federal em duas ações penais e perder o apoio político que o sustentava, Cunha foi obrigado a trocar sua claque de parlamentares fiéis por uma de advogados, contratados para atuar em quase uma dezena de frentes de investigação, que apontam para um esquema de financiamento de poder próprio. O mandato de deputado do peemedebista foi usado para pressionar empresários e obter recursos ilícitos, ajudar e indicar aliados para setores estratégicos e chantagear adversários.

O dinheiro obtido por Cunha por meio de corrupção servia a luxos familiares, mas, principalmente, para comprar a fidelidade de uma verdadeira tropa de choque no Congresso. É o que investigadores chamam de “mensalinho particular” – a distribuição de dinheiro para manutenção da rede de influência e retroalimentação do esquema.

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Achaque

O modus operandi é relatado desde 2003, primeiro ano com mandato em Brasília: empresários do setor de petróleo se queixavam de três deputados que apresentaram requerimentos contrários às empresas. Para evitar a dor de cabeça dos executivos, exigiam um “pedágio”. Entre os nomes que se teve notícia à época, estava o do deputado do PMDB do Rio de Janeiro. A história não foi investigada.

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Em 2008, Cunha usou os requerimentos em apoio ao empresário Lúcio Funaro, tido como seu operador. Atualmente preso, Funaro teve divergências empresariais com o Grupo Schahin na época, em uma disputa após o rompimento da barragem de Apertadinho, em Rondônia. Desde então, o grupo de aliados de Cunha no Congresso apresentou 32 requerimentos contra a família e o grupo Schahin. A pressão continuou mesmo após o andamento das investigações da Lava Jato.

Em troca, os aliados recebiam reforço financeiro e político para campanhas eleitorais ou troca de favores, como apadrinhamentos.

Um dos aliados, o ex-deputado Alexandre Santos, também do Rio, chegou a empregar uma irmã de Cunha. Do outro lado, a filha de Santos ficou lotada no gabinete do peemedebista. Alexandre Santos foi relator da CPI das tarifas de energia na Câmara e incluiu um capítulo no documento do grupo sobre a disputa em Apertadinho, interesse de Funaro.

E foi também Santos quem apresentou Cunha ao lobista Fernando Baiano, em 2009, em um café da manhã no Hotel Marriot, no Rio de Janeiro. Um ano depois, Cunha e Baiano passaram a atuar juntos para pressionar o lobista Júlio Camargo pelo pagamento da propina acertada em troca de um contrato com a Petrobrás para aquisição de navios-sonda. Cada um dos dois ficaria com a cota de US$ 5 milhões em espécie.

Os requerimentos na Câmara para pressionar Camargo foram apresentados pela então deputada Solange Almeida, hoje prefeita de Rio Bonito. Apesar de ser a autora formal dos documentos, o sistema de dados da Câmara mostrou que o texto saiu do computador de “Dep.Eduardo Cunha” – login encontrado mais tarde em proposições de outros parlamentares. Eleita para a prefeitura com a ajuda de Cunha, Solange compartilha com o ex-presidente da Câmara o banco dos réus no STF, na ação penal da Lava Jato tida como mais avançada na Corte.

Histórico carioca

Antes de chegar a Brasília, no entanto, Cunha esteve envolvido em suspeitas de irregularidades no desempenho de cargos públicos no Rio de Janeiro. O economista foi chamado por PC Farias para cuidar da arrecadação de dinheiro para a campanha do então candidato a presidente da República, Fernando Collor. Foi o ex-presidente que o conduziu à Telerj, mas Cunha teve de deixar o comando da empresa de comunicações em 1993.

Em 1999, assumiu a pasta de Habitação do Rio, a Cehab, mas de novo precisou abrir mão do cargo em meio a um escândalo e suspeitas de irregularidades. Depois, foi acusado de falsificação de documento para se livrar das investigações, porém acabou absolvido pelo STF em 2014 por falta de provas. Seu advogado no caso foi o atual ministro da Justiça, Alexandre de Moraes.

A influência de Cunha junto a órgãos estaduais no Rio torna o parlamentar alvo de uma investigação pela Comissão de Valores Imobiliários (CVM). A suspeita é de, através de indicações políticas, o deputado tenha se beneficiado de operações realizadas entre 2003 e 2006 pelo fundo de previdência ligado à Cedae, empresa de saneamento do Rio, com ganho ilícito de R$ 900 mil.

FGTS

O apadrinhamento mais lucrativo até agora, segundo as delações já públicas, foi a indicação de Fábio Cleto para a vice-presidência da Caixa Econômica Federal. Em colaboração com o MP, Cleto contou que liberações de recursos do fundo de investimentos do FGTS passavam por Cunha. Em troca, as empresas pagavam propina de 1% do valor dos investimentos e a maior parte disso, 80% ficava para o próprio deputado.

Os executivos da Carioca Engenharia denunciaram a ingerência de Cunha sobre a verba do FGTS e delataram suborno de R$ 52 milhões ao deputado para obtenção de recursos para a obras do Porto Maravilha.

Luxos e a carne enlatada

Na última prestação de contas à Justiça Eleitoral, em 2014, Cunha declarou patrimônio de R$ 1,649 milhão – sendo que aproximadamente metade está no nome da empresa C3 produções artísticas que, segundo as investigações, não possui funcionários.A cifra não bate com o que delatores dizem ter pago ao peemedebista.

Parte do dinheiro a que Cunha teve acesso, no entanto, é mantido fora do País. Foi com o dinheiro de uma das contas já localizadas na Suíça que têm o peemedebista e sua esposa, Cláudia Cruz, como beneficiários, que foram pagos US$ 841 mil em gastos com cartões de crédito internacionais. A mesma conta foi usada para custear uma academia de tênis na Flórida e cursos na Espanha e na Inglaterra.

As quatro contas internacionais em nomes de offshores e ligadas a Cunha foram localizadas pelo Ministério Público Suíço e a apuração foi remetida ao Brasil. Ao menos R$ 23 milhões, oriundos de um negócio da Petrobrás na África, transitaram pelas contas, abertas entre maio de 2007 e setembro de 2008. Depois disso, mais nove contas ligadas a Cunha fora do País já estão sob investigação.

Depois de negar ser dono das contas, Cunha chegou a informar em sua defesa que o dinheiro que possui no exterior é fruto de negócios de venda de carne enlatada para a África.

O balcão de negócios

Além do uso de aliados no Congresso e apadrinhados por órgãos públicos, Cunha desenvolveu relação estreita com o empresariado. Trocas de mensagens de celular indicam que executivos chegavam a redigir propostas para serem apresentados pelo parlamentar. Nas centenas de mensagens rastreadas entre Léo Pinheiro, da OAS, e Cunha, há pelo menos 94 tentativas de agendar um encontro entre os dois e mais de 60 pedidos feitos de um para o outro.

Em troca da ajuda no Congresso, Cunha cobrava as doações eleitorais. Cunha também lançou mão de “jabutis” em 11 Medidas Provisórias para tentar beneficiar bancos, em especial o BTG Pactual, de André Esteves. Nas mensagens, empresários revelavam a proximidade e a influência de Cunha, além de sua insistência.

Léo Pinheiro resumiu a pressão de Cunha a um executivo da OAS, por mensagem de texto: “Liga para o EC. Fugir vai ser pior”.