As barreiras ao fluxo de mercadorias, impostas de maneira descoordenada por estados e municípios em todo o país, já provocam preocupação no setor produtivo brasileiro. Isso porque, mesmo que a produção do que é considerado essencial continue acontecendo, as mercadorias podem não chegar no ritmo necessário a algumas regiões do país. Como estoques não duram para sempre, em pouco tempo esses lugares podem começar a registrar desabastecimento.
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Entidades que reúnem empresas e produtores de vários setores já divulgaram comunicados em que demonstram preocupação. Representantes da cadeia de legumes, frutas, verduras e flores, por exemplo, dizem que, mesmo com o decreto do governo federal que regulamentou o que é considerado serviço essencial, algumas prefeituras ainda estão restringindo o trânsito de cargas.
“Somado a isso, também contribui o posicionamento de algumas companhias aéreas que não têm trechos operando para regiões que precisam de insumos (sementes, papelão, etc)”, dizem em nota assinada também pela Associação Brasileira de Supermercados (Abras).
Os produtores de farinha de trigo emitiram alerta semelhante. Em nota distribuída à imprensa, a Associação Brasileira da Indústria do Trigo (Abitrigo) afirma que entre 30% e 35% das farinhas já não estão sendo entregues em algumas regiões do país, justamente por causa dos bloqueios ao fluxo de mercadorias.
Contra desabastecimento, empresas querem garantia de circulação para produtos e insumos
Pablo Cesário, gerente-executivo de Relacionamento com o Poder Executivo da Confederação Nacional da Indústria (CNI), explica que as restrições são preocupantes porque estão muito pulverizadas, e são difíceis de acompanhar. “Criamos um comitê de crise para tentar acompanhar as dificuldades e temos conseguido tratar delas pontualmente e até em escala, mas é um risco que precisa ser contornado”, afirma.
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Ele explica que, em cadeias produtivas mais longas, é difícil antecipar problemas e evitar o desabastecimento. Interromper o fornecimento de insumos, além disso, pode prejudicar algumas atividades a médio prazo, e não só no período de enfrentamento do novo coronavírus.
“Alguns processos industriais têm que acontecer de forma contínua, e não podem simplesmente parar sem que haja um elevado risco ambiental. Em uma mina, por exemplo, se você para de operar, demora meses para conseguir retomar a produção”, diz Cesário.
Outro exemplo dado pelo representante da CNI é o da produção de proteína animal. “Se faltar calcário, não há processamento de proteína animal”, explica. “O que estamos pedindo é para que as autoridades não interrompam o fluxo de mercadorias e insumos”, completa.
Portaria pode dar mais segurança ao transporte de insumos
No Diário Oficial de segunda-feira (30), o Ministério de Minas e Energia publicou portaria que pode ajudar a dar uma resposta a este anseio do setor produtivo. Pelo texto, também é considerada essencial a “disponibilização dos insumos minerais necessários à cadeia produtiva” dos serviços elencados pelo governo federal no decreto que trata de atividades essenciais.
Estão incluídos, pela portaria, a pesquisa e lavra de recursos minerais, bem como atividades correlatas; o beneficiamento e processamento de bens minerais; a comercialização e o escoamento de produtos gerados na cadeia produtiva mineral; e o transporte e entrega de cargas de abastecimento da cadeia produtiva.
Além de bloqueios, caminhoneiros não têm estrutura básica nas estradas
Os bloqueios em municípios e estados são uma tentativa de fortalecer o isolamento de regiões afetadas pelo novo coronavírus. De fato, a recomendação das autoridades sanitárias é para que a circulação de pessoas fique restrita, de modo a evitar aglomerações e o aumento veloz no número de infectados.
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Para Ricardo Martins, professor de Logística da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), as medidas de isolamento não são incompatíveis com a manutenção do abastecimento. Segundo ele, o que falta é uma orientação do governo federal, que padronize medidas sanitárias para todo o país e permita o acompanhamento da circulação de cargas. “Seriam medidas com menos impacto, e não barreiras desnecessárias e intransponíveis. Se essa situação for levada ao limite, obviamente ela será insustentável”, explica.
Outro problema decorrente da pandemia é a inexistência de estrutura mínima para os caminhoneiros nas estradas. Com a quarentena, restaurantes e borracharias, por exemplo, estão fechados em muitos pontos do país – o que também pode gerar desabastecimento, considerando que a maior parte das cargas é transportada pelo modal rodoviário no Brasil.
“O governo tem que dar um apoio em dois sentidos: financeiro e estratégico. Não dá para largar um caminhoneiro em uma estrada que não tem nenhuma estrutura. É preciso orientar, proteger e dar suporte aos motoristas”, diz Marcus Quintella, coordenador da FGV Transportes.
As respostas do governo federal para evitar o desabastecimento
Além da portaria publicada na segunda-feira (30) pelo Ministério de Minas e Energia, outra pasta, a da Infraestrutura, afirma estar pensando em soluções. Diante das demandas do setor produtivo, o ministério está elaborando um modelo de decreto para ser implementado pelas prefeituras. O objetivo é garantir que serviços essenciais à logística, como oficinas e pontos de alimentação, continuem funcionando.
Apesar de o próprio ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, afirmar que o bloqueio de estradas federais só pode ser feito por determinação do governo federal, na segunda-feira (23) o Executivo editou uma resolução delegando essa competência aos estados.
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A resolução, que transfere da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para os estados a competência de avaliar as condições técnicas para fechamento das estradas, contraria também uma medida provisória editada pelo próprio governo alguns dias antes. A MP 926 determina que o governo federal tem o poder de decisão sobre restrições de locomoção interestaduais e intermunicipais.
Em uma ação movida pelo PDT contra a MP, porém, o ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), decidiu que estados e municípios podem, sim, implementar medidas desse tipo.