Em meio à crise sem precedentes que assolou a segurança pública e levou à deflagração de uma greve de policiais que se arrastou por três semanas, em protesto por vencimentos não pagos, o orçamento dos Poderes Judiciário e Legislativo do Rio Grande do Norte cresceu mais que o dobro que o destinado ao Executivo – que engloba áreas vitais como as da Saúde, Educação e também a da Segurança Pública – em oito anos.
Com salários de servidores atrasados, o governo negocia a votação de um ajuste fiscal. Policiais Militares ficaram em greve durante 23 dias, levando pânico aos potiguares.
O Rio Grande do Norte enfrenta a mais importante crise financeira de sua história. O governo Robinson Farias (PSD) alega não dispor de recursos para pagar os salários de dezembro e décimo terceiro.
Segundo relatório obtido pela reportagem, assinado pelo secretário de Planejamento e Finanças, Gustavo Nogueira, as despesas mensais superam R$ 108 milhões todos os meses as Receitas do Tesouro. De acordo com o documento, “se nada for feito, a despesa continuará em trajetória explosiva (em 2037, alcança R$ 46 bilhões)”.
O Estado ainda passa por uma das mais longas greves no sistema público de saúde, que se aproxima dos 60 dias, causada pela falta de pagamento em dia dos salários e problemas estruturais e de desabastecimento nas unidades hospitalares.
A situação não é a mesma, por exemplo, quanto à execução de pagamentos do auxílio moradia dos magistrados. A toga recebeu, em outubro de 2017, R$ 39 milhões em valores retroativos aos anos de 2009 e 2014.
O Tribunal de Justiça é o quarto órgão que mais expandiu seu orçamento nos últimos 8 anos. Em 2010, R$ 402 milhões estavam previstos para o pagamento das despesas da Corte. Em 2018, esse montante saltou para R$ 780 milhões.
A Corte explica que “evolução do orçamento do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte apresenta redução nos últimos três anos, saindo de R$ 886,385 milhões em 2015 para R$ 864 milhões em 2016, e caindo para R$ 780,201 milhões em 2017, número que se repete em 2018 diante do congelamento do atual orçamento aprovado”.
“Nos últimos oito anos não houve concessão de aumentos para os servidores do Poder Judiciário potiguar. Além disso, no ano de 2015, com a redução de gratificações e de cargos comissionados, o Tribunal de Justiça conseguiu uma economia de R$ 91,6 milhões na despesa com pessoal”, pontua.
Segundo relatório da Secretaria de Planejamento, o orçamento dos Poderes cresceu 110% – de R$ 733,8 milhões para R$ 1,5 bilhão – nos últimos 8 anos, ao passo que o Estado cresceu 53% – resultado de R$ 7,7 bilhões para R$ 11,9 bilhões.
O Ministério Público foi o campeão de acréscimo orçamentário. O volume de R$ 116 milhões que recebia em 2010, pulou para R$ 292 milhões, ou 150% de crescimento.
Em nota, a Procuradoria-Geral de Justiça afirmou que o “incremento se revelava necessário porque até 2010 o orçamento do Ministério Público do Rio Grande do Norte não era suficiente sequer para concluir o exercício financeiro”.
“Invariavelmente, em setembro ou outubro, o Procurador-Geral de Justiça tinha que recorrer ao Governo pleiteando suplementação orçamentária, o que agredia fortemente a independência e a autonomia da instituição, pois o Ministério Público ficava a depender da vontade do Chefe do Executivo, por ele fiscalizado”, relata.
Em segundo lugar, no ranking das maiores explosões orçamentárias, aparece a Defensoria Pública. Em 2010, não há registro de orçamento do órgão, porque, à época, os defensores não tinham autonomia orçamentária e eram servidores de outra parte, dentro do escopo do Executivo.
Atualmente, o orçamento está em R$ 45 milhões. Nos últimos anos, o crescimento foi de 138%, segundo a Secretaria Estadual de Planejamento.
A defensora-geral do Rio Grande do Norte, Renata Alves Maia, justifica que somente em 2014 a autonomia do órgão foi implementada, de fato, no Estado. “Só então passamos a aderir ao Orçamento. Embora haja destaque em crescimento, temos uma necessidade maior de crescimento. Temos 65 comarcas e ainda estamos presentes em 13. Então, existe, por exemplo, a demanda de um crescimento de estrutura física que não há para os outros órgãos”.
O Tribunal de Contas do Estado cresceu 137% em orçamento nos últimos 8 anos. O valor destinado em 2010 era de R$ 36 milhões e atingiu os R$ 137 milhões previstos para 2018. A Corte ressalta que “nos últimos três anos esses valores ficaram nominalmente congelados”.
“No exercício financeiro de 2017, entre dotações contingenciadas por decretos governamentais e não repasses de duodécimos pelo Executivo, a previsão inicial de R$ 89.564.000,00 ficou reduzida a R$ 60.149.492,23, uma realidade que mostra a diferença entre números orçados e executados”, aponta.
A Assembleia Legislativa aumentou seu orçamento em 90% entre 2010 e 2018, passando de R$ 176 milhões para R$ 334 milhões. De acordo com dados da Casa, atualmente presidida pelo deputado Ezequiel Ferreira Souza (PSDB), “a variação orçamentária entre 2010 e 2018 da Assembleia Legislativa foi de 101%”. “Em 2015 a atual gestão assumiu a presidência da Casa com foco na austeridade nos gastos, redução de despesas e mais transparência”, afirma.
Por meio de nota, a Assembleia ressalta que “tem reduzido gastos e que o atual presidente liderou movimento para congelar o orçamento de 2018 em relação a 2017”.
Defesas
A reportagem entrou em contato com a assessoria de imprensa do governo do RN e questionou quanto evoluiu o orçamento para as áreas da Saúde, Educação e Segurança Pública entre 2010 e 2018. Até a publicação desta matéria, não houve resposta. O espaço está aberto para manifestação.
Consultado, o Tribunal de Contas do Estado emitiu a seguinte nota: “A participação do Tribunal de Contas no Orçamento Geral do Estado do Rio Grande do Norte representa apenas 0,67% do total. Ressalte-se que nos últimos três anos esses valores ficaram nominalmente congelados”.
“No exercício financeiro de 2017, entre dotações contingenciadas por decretos governamentais e não repasses de duodécimos pelo Executivo, a previsão inicial de R$ 89.564.000,00 ficou reduzida a R$ 60.149.492,23, uma realidade que mostra a diferença entre números orçados e executados”.
“Registre-se ainda que o TCE do RN tem a menor participação proporcional e o menor limite de despesa com pessoal entre todos os Tribunais de Contas do Brasil. Reduzir mais esses números, já enxutos, seria limitar e restringir a atuação do órgão de controle que tem sob sua responsabilidade cerca de 750 jurisdicionados. Levando em conta os valores executados, o crescimento foi de 84% entre 2010 e 2017.”
A Assembleia Legislativa do Estado também se manifestou: “A variação orçamentária entre 2010 e 2018 da Assembleia Legislativa foi de 101%. Em 2015 a atual gestão assumiu a presidência da Casa com foco na austeridade nos gastos, redução de despesas e mais transparência. Tendo como meta contribuir para o equilíbrio financeiro do Estado, foi colocado em prática o que foi descrito no Planejamento Estratégico, produzido pela Casa Legislativa em 2015, de modo pioneiro no país. Naquele ano encontramos o orçamento previsto em R$ 292.462.000,00, mas realizamos 98,95% do previsto, ou seja R$ 289.385.000,00”, diz o texto.
“No ano seguinte (2016) orçamos R$ 307.774.000,00, mas realizamos 92,29% do previsto, ou seja R$ 284.047.000,00. Em 2017 foi orçado R$ 315.096.000,00, mas realizamos 80,87% do previsto, ou seja R$ 254.822,000,00. Para isto reduzimos cargos, contratos, devolvemos prédios locados, auditamos a folha, entre outras medidas de redução de despesas”.
“Para o orçamento de 2018 o Poder Legislativo, na figura do presidente Ezequiel Ferreira de Souza, liderou um movimento junto aos demais poderes para que o orçamento fosse mantido no patamar do ano anterior, praticamente congelando os orçamentos”.
“O orçamento da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Norte, previsto para este ano de 2018 é de R$ 287.532.000,00. Fonte dos números: Portal da Transparência do Governo do RN, que é quem aprova os orçamentos dos poderes”.
Já a Procuradoria-Geral de Justiça escreveu o seguinte: “O Ministério Público do Rio Grande do Norte, de fato, teve um bom incremento orçamentário a partir de 2010. Ocorre que esse incremento se revelava necessário porque até 2010 o orçamento do MPRN não era suficiente sequer para concluir o exercício financeiro”.
“Invariavelmente, em setembro ou outubro, o PGJ tinha que recorrer ao Governo pleiteando suplementação orçamentária, o que agredia fortemente a independência e a autonomia da instituição, pois o Ministério Público ficava a depender da vontade do Chefe do Executivo, por ele fiscalizado”.
“Ao longo dos anos seguintes, conseguiu-se, a duras penas, atingir um patamar orçamentário digno das altas responsabilidades da instituição, o que envolve a necessidade de construção de sedes, nomeação de assessores para otimização do trabalho investigativo do MP, contratação de técnicos especializados, para perícias e outras atividades, entre outras despesas inerentes a uma boa atuação ministerial, ou seja, imprescindíveis para um MP altivo, vigilante e atuante, presente em todas as regiões do Estado, do litoral ao Sertão, atendendo às populações de todos os 167 Municípios do Estado”.
“Ademais, é imperioso registrar que esses acréscimos anuais foram aprovados na Assembleia Legislativa porque o MPRN vem mantendo um alto índice de execução orçamentária, sempre acima de 90%, já tendo chegado a 95% e a 98% mais recentemente”.
“Esse alto índice de execução orçamentária decorre de um quadro de pessoal quase completo, apesar de enxuto, e de boa administração dos recursos, com controle rígido sobre a execução dos projetos, licitações, despesas de pessoal, entre outros”.
“Ademais, também é imprescindível ressaltar que o orçamento do MP e dos demais poderes e instituições do RN está congelado e iremos para o terceiro ano com o mesmo orçamento, o que já representa uma redução acumulada em torno de 15%”.
“Aliado a isso, dada a crise profunda enfrentada pelo Estado, houve contingenciamentos no orçamento de 2017 (em torno de R$5 milhões para o MPRN) e a retenção de mais de R$40 milhões do orçamento do MPRN em 2017, resultando numa redução, na prática, de R$ 302 milhões previstos, para cerca de R$ 257 milhões efetivamente repassados, o que acarretou o cancelamento de obras e diversos projetos”.
(…) Enfim, revelando o quanto o MPRN tem procurado contribuir para a solução dessa crise no RN, além da participação ativa do próprio PGJ na articulação com os poderes e Governo, no sentido de se firmar um pacto para salvar o RN, revisamos todos os contratos (internet, locações, etc), tendo chegado a uma economia de mais de R$ 5 milhões, o que pode ainda aumentar, diante do estabelecimento de uma política administrativa de redução permanente de custos.”
O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte afirma que o “Orçamento de R$ 11,951 bilhões aprovado pela Assembleia Legislativa para o ano de 2018, será destinado ao TJRN o montante de R$ 780,201 milhões, o equivalente a 6,53% do total”.
“A evolução do orçamento do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte apresenta redução nos últimos três anos, saindo de R$ 886,385 milhões em 2015 para R$ 864 milhões em 2016, e caindo para R$ 780,201 milhões em 2017, número que se repete em 2018 diante do congelamento do atual orçamento aprovado. Os números consideram apenas os recursos repassados pelo Tesouro Estadual ao Poder Judiciário”.
“Nos últimos oito anos não houve concessão de aumentos para os servidores do Poder Judiciário potiguar. Além disso, no ano de 2015, com a redução de gratificações e de cargos comissionados, o Tribunal de Justiça conseguiu uma economia de R$ 91,6 milhões na despesa com pessoal”.
“Entre os anos de 2016 e 2017, o Poder Judiciário do Rio Grande do Norte apresentou redução de 9,7% em seu orçamento. Com a redução, caiu também a participação do Poder Judiciário no porcentual das despesas do Tesouro Estadual, saindo de 9,04% em 2016 para 7,8% em 2017”.
“Importante destacar que esses recursos orçamentários contemplam investimentos com a construção, a reforma e a ampliação de fóruns; a aquisição de equipamentos de informática e melhorias na infraestrutura de Tecnologia da Informação e Comunicação, como aquisição de um novo datacenter e expansão dos links de dados, o que resulta no aprimoramento dos serviços prestados ao cidadão pelo Poder Judiciário potiguar”.
“Tais investimentos na área de informática objetivam a implantação do sistema de Processo Judicial Eletrônico (PJe) em todas as comarcas do Rio Grande do Norte até o final deste ano, o que acarretará maior agilidade na tramitação dos feitos e reduzirá custos. Os investimentos para a expansão do PJe são impositivos, conforme a Resolução nº 185 do CNJ – Art. 34, parágrafo 3”.
A defensora-geral do Estado, Renata Alves Maia, também mandou nota para a reportagem. “A Defensoria foi criada há 15 anos e, quando foi criada, era uma secretaria do Executivo. Estava dentro do orçamento do Executivo. Não existia a autonomia orçamentária. Depois da efetivação do primeiro concurso e conseguiu se implementar, com a emenda constitucional 45, que trouxe emenda orçamentária às defensorias, só em 2014 foi implementada essa autonomia. Em que passamos a receber o duodécimo e a gerir esse orçamento. Esse montante destacou-se do Executivo”.
“Em relação a esse aumento de orçamento, somos o menor orçamento dos poderes autônomos. Em contrapartida, embora o crescimento seja acentuado, temos necessidade maior de crescimento. Necessidade papel em todas as comarcas do Estado. Temos 65 comarcas e ainda estamos presentes em 13. Então, existe, por exemplo, a demanda de um crescimento de estrutura física que não há para os outros órgãos”.