Havana – O presidente Luiz Inácio Lula da Silva demonstrou ontem que adota dois pesos e duas medidas quando o assunto são questões internas dos vizinhos latino-americanos. Antes de partir para Cuba, Lula recebeu na embaixada do Brasil o principal líder da esquerda do México, Cuauhtemoc Cárdenas, de quem é amigo há pelo menos 14 anos. Ele já foi avisando que não intercederia junto ao presidente de Cuba, Fidel Castro, em favor de dissidentes e jornalistas presos pelo regime de Havana.
“Tudo o que eu tinha a falar sobre Cuba já foi dito, falado, escrito e conversado. Não dou palpites sobre assuntos políticos internos de outros países”, insistiu Lula, ainda no México ao lado do presidente Vicente Fox, durante um entrevista à imprensa. “Nem eu nem outro chefe de Estado que chegue a um país que respeite pode ditar regras sobre a sua política interna”, havia dito ele, ao ser questionado se faria gestões em favor da libertação dos oposicionistas, uma vez que também havia sido preso político no Brasil.
Horas mais tarde, Lula chegou a Cuba, sendo recebido no aeroporto de Havana pelo líder cubano, Fidel Castro. A decisão de Castro de receber o brasileiro no aeroporto foi considerada significativa, já que nem sempre o presidente cubano toma tal atitude. Além de Fidel, receberam Lula o ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, que já estava em Cuba, e o embaixador brasileiro no país, Tilden Santiago. A visita de Lula ao velho amigo Fidel Castro tem uma importância muito grande para o país caribenho.
Ela representa um apoio importante num momento em que antigos aliados, como o escritor português José Samarago e a cantora argentina Mercedes Sosa, velhos amigos de Fidel, retiraram o seu apoio, devido ao endurecimento da repressão à oposição cubana que culminou com o fuzilamento, em abril, de três condenados por crimes políticos.
Mas, além do apoio político, o Brasil vai a Cuba fazer negócios. Um dos compromissos do presidente é um discurso em um seminário que deve reunir cerca de 50 empresários brasileiros, interessados no comércio com o país. O Brasil quer incentivar os investimentos brasileiros no país e também ajudar os cubanos a exportar para outros países. Um dos projetos prevê a modernização de usinas de açúcar para exportação via Brasil para terceiros mercados, fugindo do embargo econômico dos Estados Unidos, que atinge também empresas cubanas instaladas em outros países.
Um estudo do governo cubano, apresentado à ONU para pedir o fim do bloqueio, calcula em US$ 685 milhões por ano o prejuízo causado ao comércio exterior cubano por conta do embargo. O intercâmbio comercial entre Brasil e Cuba ainda é muito pequeno.
Dirceu chora ao abraçar Fidel
Havana – Na cerimônia de honras militares ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no Palácio da Revolução, uma cena no mínimo curiosa: o ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, chorou ao receber um forte abraço do presidente cubano. Durante o regime militar no Brasil, o então guerrilheiro José Dirceu escolheu Cuba como seu segundo país. Assim como Lula, Dirceu evitou falar com a imprensa. Na fila de cumprimentos, comunistas brasileiros também se emocionaram com o contato com Fidel – caso do ministro Agnelo Queiroz (Esporte) e o deputado Inácio Arruda (CE), líder do PC do B na Câmara.
Lula desembarcou em Havana para uma “visita de gabinete”. A expectativa do povo cubano com a proximidade do presidente brasileiro será frustrada não apenas pela ausência de Lula em alguma praça ou rua onde pudesse ser visto, como pela falta de um discurso dele à população cubana. Sua única saída à rua acontecerá hoje, por pouco mais de dez minutos, quando depositará flores no Monumento José Marti, numa área de segurança. Como forma de evitar que prevaleça durante a visita o componente emocional das relações entre os chefes de Estado dos dois países, foram assinados ontem à noite vários acordos de cooperação bilateral. Os principais deles na área de produção de álcool combustível brasileiro em Cuba, com financiamento de US$ 20 milhões do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
Outros empreendimentos de empresários brasileiros que querem investir no país de Fidel poderão tentar linhas de financiamento no banco de fomento. “O BNDES poderá financiar outros projetos com o objetivo de dar competitividade à parceria entre Brasil e Cuba na produção de açúcar e álcool combustível”, disse Furlan. “Outros projetos estão em análise.” Seria assinado também um acordo de cooperação que prevê a compra pelo Brasil do medicamento Interferon, produzido em Cuba, para tratamento de hepatite C e câncer, além de transferência de tecnologia cubana de hemoderivados.
Cautela na passagem pelo México
Cidade do México – Em sua rápida passagem pelo México, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou um acordo que prevê a eliminação da bitributação sobre pessoas físicas e jurídicas, com o objetivo de ampliar os investimentos entre os países. O México, quarto maior importador de produtos brasileiros com um volume de compras de US$ 2,4 bilhões, é o 26.º país que estabelece esse acordo com o Brasil.
“Brasil e México representam mais da metade do território, da população e da produção da América Latina. Juntos, fortalecemos nossa luta por uma política comercial em pé de igualdade com os países desenvolvidos”, afirmou Lula, se referindo ao desejo de conquistar a eliminação dos subsídios agrícolas, uma das batalhas travadas em Cancún. Lula e seu colega Vicente Fox concordam que há a necessidade de se promover uma reforma da Organização das Nações Unidas, que abrange, da inclusão de um país em desenvolvimento como membro permanente do Conselho de Segurança. “Somos atualmente, membros rotativos e em breve será a vez do Brasil. Essa luta tem de ser conjunta”, anunciou Fox.
As declarações sobre o tema foram feitas sob a irritação do presidente Lula de ter de responder a uma jornalista sobre um possível boato publicado no segundo maior jornal mexicano, El Universal. A reportagem se referia ao comentário da equipe de relações exteriores mexicana que taxava “de ridícula” a intenção brasileira de ocupar um assento permanente no referido Conselho. Lula disse que nenhuma intriga da mídia poderá enfraquecer a relação dos países.
Esse foi o penúltimo dos mais de 10 encontros com outros chefes de Estado travados nesses dias.