Pela primeira vez desde o registro da primeira morte decorrente da Covid-19 no país, o Brasil superou a marca dos 2.000 mortos pela doença em um só dia. E superou com larga margem: nas 24h até a noite desta quarta-feira (10), 2.349 brasileiros perderam a vida para a doença. Os dados do Distrito Federal não foram divulgados nesta quarta.
Em um ano desde que a OMS (Organização Mundial da Saúde) declarava que a Covid-19 era uma pandemia, em 11 de março de 2020, o país saltou de uma posição de retardatário na doença (quando matou pela primeira vez por aqui a Covid já devastava a Europa), para a de alto números e relativo controle e, agora, uma sequência aterrorizante de recordes de mortes e média móvel de registro de casos, sem qualquer sinalização de um horizonte vacinal ou de medidas sanitárias que possam controlar a situação.
Pressionadas, UTIs colpasam de norte a sul do país.
O desolador padrão de números excepcionais e altos também se repete na média móvel de óbitos dos últimos sete dias, um instrumento estatístico que busca amenizar grande variações nos dados (como costumam ocorrer nos finais de semana e feriado). Nesta, quarta-feira (10), a média chegou ao assustador número de 1.645. Agora já são 12 dias seguidos da média batendo recordes, além de 48 dias com ela acima das 1.000 mortes diárias.
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Os corpos se acumulam no Brasil de tal forma que a situação, inimaginável até pouco tempo atrás, parece ter sido normalizada, ao ponto de as máscaras (arma relativamente simples contra o Sars-CoV-2) serem deixadas de lado a qualquer chance, inclusive por autoridades, como o presidente Jair Bolsonaro, e de pessoas protestarem contra medidas restritivas de distanciamento social (outra arma encontrada e já conhecida antes da pandemia atual).
Ao mesmo tempo em que a vida parece correr normal em meio às mortes, as UTIs brasileiras de todas as regiões apresentam, ao mesmo tempo, níveis alarmantes de ocupação.
Em São Paulo, que possui a maior rede hospitalar do país, o sistema vê a aproximação do risco de um colapso, com as taxa de ocupação atual em mais de 80% no estado, que teve recorde de mortes na terça –517 vidas perdidas e 469 nesta quarta. Cidades grandes do interior, inclusive Campinas, têm seus hospitais lotados. Nesta semana, ao menos 11 pessoas morreram em Taboão da Serra, na Grande SP, à espera de transferência.
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Se tragédias que acontecem em um momento isolado costumam chamar a atenção, vale uma comparação. Afinal, o que significam as mais de 2.000 pessoas que morreram nesta quarta?
Duas mil vidas ceifadas significam mais de 7 vezes o número de mortos no rompimento da barragem da Vale, em Brumadinho (MG), em 2019 (259 mortos). Mais de 8 vezes os motos no incêndio na Boate Kiss, em Santa Maria (RS), em 2013. Mais de 10 vezes o acidente do voo 3054 da Tam, em São Paulo (SP), em 2007, e 13 vezes no caso do acidente entre um avião Legacy e o boeing da Gol, na Amazônia, em 2006.
A situação atual brasileira é grave ao ponto de a Fiocruz, em uma nota técnica extraordinária, ter afirmado que a conjuntura de fatores –como números de casos, mortes, sobrecarga de hospitais e positividade de testes– aponta dados preocupantes, mas “que são somente a ‘ponta do iceberg'”.
O agravamento da pandemia no país aparenta ter começado já no fim do ano passado, com maior movimentação e encontros de pessoas, que acabavam por desrespeitar regras de distanciamento social e uso de máscaras, reuniões de Natal e Ano-Novo e a circulação de novas variantes mais contagiosas e, dessa forma, com potencial de provocar mais mortes.
As variantes também circulam por em países, mas a ação de contenção –e mesmo de monitoramento de mutações no Sars-CoV-2– difere em relação ao visto no Brasil. O Reino Unido, por exemplo, ao perceber o alastramento e início de predomínio da variante B.1.1.7 observada inicialmente no país, tomou ações restritivas drásticas que culminaram em um lockdown.
No Brasil, com recorde após recorde, as ações e afirmações federais não refletem a gravidade da situação.
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“Nós temos que enfrentar os nossos problemas, chega de frescura e de mimimi. Vão ficar chorando até quando? Temos de enfrentar os problemas. Respeitar, obviamente, os mais idosos, aqueles que têm doenças, comorbidades, mas onde vai parar o Brasil se nós pararmos?”, afirmou Bolsonaro, no último dia 4, em São Simão (GO).
No dia anterior, o país tinha registrado 1.840 mortes por Covid-19 em 24 horas, então um recorde.
Além disso, mais uma vez o país aparece na contramão de outras nações –que têm visto os casos e mortes por Covid caindo– têm avançado de modo mais veloz do que o Brasil com a vacinação. Os EUA chegam a aplicar milhões de doses de vacina em um único dia. No Brasil, a realidade é a casa de algumas poucas centenas de milhares de doses por dia.
Nesta quarta, por exemplo, foram 272.409 doses, de acordo com dados do consórcio de imprensa atualizados a partir de secretarias estaduais de saúde de 18 estados e do Distrito Federal.
Desde o início da vacinação no fim de janeiro, o Brasil aplicou 11.991.710 de doses de vacinas. Considerando somente os maiores de 18 anos que receberam a segunda dose, só 1,92% dos elegíveis para a imunização a tiveram de fato.
Um dos problemas para a lentidão é a falta de vacinas disponíveis para aplicar, o que, inclusive, resultou em paralisações nas vacinações pelo país. Só estão disponíveis no momento para aplicação no Brasil dos imunizantes: a Coronavac, do Butantan e da farmacêutica Sinovac, e a Covishield, imunizante da Fiocruz desenvolvido pela parceria entre a Universidade de Oxford e a AstraZeneca.
A vacina da Pfizer tem o registro definitivo da Anvisa, mas ainda não está disponível no país. A farmacêutica começou a tentar contato com o governo Bolsonaro para disponibilização de vacinas (já a partir de dezembro de 2020) em 14 de agosto. As tentativas da empresa não tiveram sucesso e o Brasil acabou ficando para trás na fila mundial da vacina.
Somente com o passar dos primeiros meses de 2021, o governo voltou a correr atrás de mais doses, buscando acordos também com a Janssen e Moderna.
Cientistas há muito tempo alertavam que a única saída da pandemia provavelmente seriam vacinas. Enquanto isso, Bolsonaro, seus ministros e apoiadores apostavam –e continuam apostando– e indicavam drogas que se mostram ineficazes contra a Covid-19, como cloroquina, azitromicina, ivermectina e nitazoxanida.