Se em 2000 havia 5,6 mil mulheres presas no Brasil, em 2014 o número saltou para 37,4 mil e, em 2016, 44,7 mil. Houve, portanto, um crescimento de 698% em 16 anos. Os dados correspondem ao último mês de dezembro e foram enviados pelo Departamento Penitenciário Nacional (Depen), órgão do Ministério da Justiça, ao Supremo Tribunal Federal (STF). Informações sobre a população carcerária feminina foram solicitadas pelo ministro Ricardo Lewandowski ao analisar o Habeas Corpus (HC) 143.641, que pede pela concessão de prisão domiciliar a todas as mulheres grávidas ou que são mães de crianças com menos de 12 anos de idade e que se encontram presas preventivamente.
O número coloca o país na quinta posição no ranking mundial de mulheres presas, atrás somente dos Estados Unidos (205,4 mil), China (103,8 mil), Rússia (53,3 mil) e Tailândia (44,7 mil). Ainda, segundo o Depen, 43% das presas que cumprem pena no Brasil não tiveram seus casos julgados definitivamente.
O principal motivo do encarceramento (60%) é o tráfico de drogas. O órgão, porém, ressalta que a maior parte dessas mulheres “não possuem vinculação com grandes redes de organizações criminosas, tampouco ocupam posições de gerência ou alto nível e costumam ocupar posições coadjuvantes nestes tipos de crime”. Importante salientar que a Lei de Drogas é de 2006.
80% das presas são mães e responsáveis principais, quando não únicas, pelos filhos. Lewandowski também solicitou que fosse identificado o número de detentas grávidas ou mães de crianças, especificamente, no cárcere. Apenas 10 estados enviaram esses dados, totalizando 113 mulheres gestantes ou com filhos que estão com elas atrás das grades. A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), contudo, divulgou em junho um estudo em que foram entrevistadas, ao menos, 241 mulheres nessa situação.
Habeas Corpus 143.641
Impetrado em maio de 2017 por membros do Coletivo de Advogados em Direitos Humanos (CADHu), com sede em São Paulo, o HC 143.641 pede para que STF conceda prisão domiciliar a todas as mulheres grávidas ou que são mães de crianças com menos de 12 anos de idade, que se encontram presas preventivamente.
Sem prazo pré-definido, a prisão preventiva pode ser decretada em qualquer fase da investigação policial ou da ação penal, desde que haja prova da existência do crime e indícios que liguem o suspeito ao delito. Além disso, é necessário que o réu apresente pelo menos um dos requisitos: atrapalhe a condução das investigações, tenha possibilidade de fugir ou represente riscos à manutenção da ordem pública. Ocorre que desde 2016 o Código de Processo Penal (CPP) prevê, em seu artigo 318, que a prisão preventiva pode ser substituída pela domiciliar se a acusada for gestante ou mãe de filho de até 12 anos incompletos.
Na ação, os advogados argumentam que o tratamento recebido por essas mulheres nas prisões seria desumano, cruel e degradante, pois as instalações prisionais brasileiras não estariam adaptadas às necessidades femininas. Os membros do CADHu também alegam que a política criminal responsável pelo encarceramento feminino expressivo seria discriminatória e seletiva, impactando de forma desproporcional as mulheres pobres e suas famílias.
A Procuradoria-Geral da República (PGR) opinou pelo não conhecimento do habeas corpus. A entidade alega ser incabível o habeas corpus coletivo, genérico, porque seus beneficiários deveriam ser individualizados. A PGR também entende que não cabe ao STF julgar a ação, uma vez que os coatores – quem pratica ou ordena a violência – específicos não foram indicados no HC.
Já o ministro Lewandowski afirmou que, de plano, não é possível descartar a existência do habeas corpus coletivo no ordenamento jurídico brasileiro. O assunto, inclusive, será discutido com mais profundidade no julgamento do Recurso Extraordinário 855.810, que tem Dias Toffoli como relator. De qualquer forma, Lewandowski ordenou que o Depen identificasse todas as mulheres que estão na situação narrada pelos autores do habeas corpus. Para o jurista, as informações são imprescindíveis para decidir se a ação é ou não de competência da Corte.
Regras de Bangkok
O Brasil é signatário das Regras de Bangkok, que preveem medidas para o tratamento de mulheres presas, entre as quais a possibilidade de alternativa à prisão para aquelas que tiverem filhos. Por isso mesmo é que o CPP foi alterado no ano passado.
Ao falar sobre o assunto ao Justiça em ocasião anterior, o presidente da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil no Paraná (OAB-PR), Alexandre Salomão, disse que o problema, em sua opinião, era a leitura que se fazia da lei. Como a legislação diz “poderá”, muitos juízes optam por não conceder essa possibilidade. Na opinião dele, a substituição de prisão preventiva por domiciliar para mães de crianças deveria ser regra. Ele relembrou ainda que para que ocorra prisão preventiva é preciso que a suspeita represente, de fato, um risco.
Salomão afirmou ser cada vez mais comum mães serem presas preventivamente com os filhos pequenos. “As pessoas tratam disso com uma naturalidade tremenda, em virtude de um discurso de segurança pública”, observou o advogado. Ele citou casos dramáticos, como a presença de uma criança de 15 dias durante a última rebelião na Penitenciária de Piraquara. “As crianças acabam cumprindo pena junto”, disse o presidente da Comissão de Direitos Humanos.
Colaborou: Mariana Balan.