Brasil

É mais rentável ter a Amazônia em pé, diz especialista

Para o climatologista Carlos Nobre, do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (USP), a Amazônia já está vivenciando o que ele chama de “ponto de inflexão”. Esse é o momento a partir do qual a destruição da floresta pode se tornar irreversível, com consequências para o clima mundial.

Números do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), ligado ao Ministério de Ciência e Tecnologia, confirmaram um aumento de 29,5% no desmatamento da Amazônia entre 1.º de agosto de 2018 e 31 de julho do ano passado, em comparação com os 12 meses anteriores. Em agosto, um número recorde de queimadas colocou o bioma no foco das preocupações internacionais.

Em artigo assinado com o ambientalista e biólogo americano Thomas E. Lovejoy na revista Science Advances, Nobre sustenta que ainda há uma esperança para salvar a floresta, mas a decisão precisa ser tomada o quanto antes. “O ponto de inflexão é aqui e agora”, escreveu o climatologista, um dos maiores especialistas em Amazônia e em mudanças climáticas do Brasil.

Os últimos números divulgados pelo Inpe confirmam que houve aumento significativo das queimadas na Amazônia no ano passado. Como o senhor vê o atual momento do desmatamento no Brasil?

Não há dúvida de que houve um aumento generalizado do desmatamento da Amazônia, que o Inpe detectou muito bem. O aumento foi de cerca de 30% em relação ao período anterior e ultrapassamos os dez mil quilômetros quadrados destruídos, mostrando que o Deter (sistema de alertas em tempo real, do Inpe) tinha detectado a tendência correta.

Os estudos mostram que as queimadas foram causadas pelo homem. Pode-se atribuir ao clima alguma responsabilidade pela situação?

Não. Foi uma estação seca normal, nem mais quente nem com menos chuva. Não foi como 2016. O clima não pode ser usado para explicar o aumento registrado. A causa do aumento é ação humana: mais gente botando fogo em áreas de pastagem e agricultura. O fogo na Amazônia tem uma origem humana em 99,9% dos casos.

Bem diferente do que o que está acontecendo na Austrália (lá uma onda de incêndios desde setembro já deixou 27 mortos e centenas de desabrigados)…

Sim, quem faz essa analogia faz de propósito ou por ignorância. O fogo é natural na vegetação da Austrália, formada por florestas secas, savanas; faz parte da ecologia local. Estamos falando do fogo de origem natural, que todo ano tem. A área queimada este ano foi recorde por causa de alguns fatores. A Austrália registrou a segunda maior seca de sua história e as temperaturas mais altas desde o início dos registros. Quanto mais quente e seco for o ambiente, mais explosivo é o incêndio. Um fator adicional muito importante na propagação do incêndio é o vento muito forte, que leva as chamas. A situação da Amazônia é bem diferente. É uma floresta úmida e praticamente não tem vento.

Novo estudo publicado na revista Science Advances mostra que, até 2050, 16% da Amazônia poderá ser consumida por queimadas. Esses incêndios vão lançar uma quantidade muito alta de dióxido de carbono na atmosfera, fazendo com que a floresta, que sempre foi um sorvedouro de gás carbônico, se transforme em uma grande emissora de CO2, contribuindo ainda mais para o aquecimento global. O senhor concorda com essa análise?

Sim, as conclusões são bem razoáveis. Na verdade, eles não levaram em conta nesse estudo o risco de savanização da parte sul da Amazônia. Se levarem, além de todas as emissões que calcularam, vindas das queimadas, haverá também as emissões das árvores que estão morrendo. Ou seja, a Amazônia pode se tornar uma fonte emissora de CO2 ainda antes do que eles projetaram.

Qual o impacto de mudanças desse tipo na Floresta Amazônica para o clima na América do Sul, em particular, e no mundo, de modo geral?

A savanização do sul da Amazônia até 2050 vai lançar 200 bilhões de toneladas de CO2 na atmosfera, o equivalente a cinco anos das emissões globais de CO2. Ou seja, do ponto de vista do clima mundial, uma mudança dessas contribui muito para o aumento do aquecimento global. Para a América do Sul, teríamos um aumento da estação seca e uma elevação da temperatura. Além disso, o fato de a floresta jogar menos vapor d’água na atmosfera – a respiração das plantas já está diminuindo – interfere no regime de chuvas da Bacia do Prata, afetando todo o sul do Brasil, além do Uruguai e da Argentina.

Em editorial assinado com Thomas E. Lovejoy na Science Advances, o senhor sustenta que “o ponto de inflexão é aqui e agora”, mas que, a despeito do prognóstico ruim, ainda haveria uma esperança para a floresta antes de a situação se tornar irreversível. Qual é essa esperança?

Zerar o desmatamento e reflorestar. O grande valor da floresta é de pé. Esse é o futuro da Amazônia, a bioeconomia moderna, da biodiversidade. Não aquela que destrói a floresta para plantar cana. Manter a floresta em pé é muito mais rentável do que tirar a floresta. Essa defesa do ruralismo atrasado brasileiro (de derrubar a floresta) é cultural, não é uma decisão econômica racional. Dá para aumentar muito a produção e a rentabilidade sem expandir a fronteira agrícola.

Mas o momento político não é pouco favorável para isso?

Essa ideia da bioeconomia da floresta em pé é relativamente nova. Pelo que tenho ouvido do ministro (da Economia) Paulo Guedes e de parte de sua equipe há muita coisa que pode ser alinhada à ideia de uma bioeconomia moderna. Acho que estamos num momento bom para ter esse debate.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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