Após protestos em pelo menos 250 cidades do Brasil e a maior manifestação contra o governo de Jair Bolsonaro desde o início de sua administração, o Ministério da Educação se vê envolto em mais uma crise.

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O presidente, que estava no exterior, afirmou que a maioria dos manifestantes eram “idiotas úteis” e “imbecis” que estavam sendo usados como massa de manobra.

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A pasta da Educação, uma das duas em que um ministro já foi demitido – a outra é a Secretaria de Governo, de onde saiu Gustavo Bebianno -, acumula problemas desde o início da gestão do colombiano Ricardo Vélez Rodríguez, que ficou menos de 100 dias no cargo.

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Balbúrdia

Em entrevista exclusiva ao jornal O Estado de S. Paulo, o ministro Abraham Weintraub afirmou que universidades que, ao invés de melhorarem seu desempenho acadêmico, “estiverem fazendo balbúrdia, terão verbas reduzidas”.

Na ocasião, ele citou a Universidade de Brasília (UnB), a Universidade Federal da Bahia (UFBA) e a Universidade Federal Fluminense (UFF) como algumas que tiveram parte do orçamento cortado. O Estado mostrou, porém, que as universidades acusadas de “balbúrdia” tiveram melhora no principal ranking universitário internacional, o Times Higher Education (THE).

Dias depois, o governo anunciou que iria bloquear 30% das verbas discricionárias de todas as universidades. Esse valor é usado para pagar contas de água, luz, comprar materiais básicos, contratar terceirizados, entre outras funções.

Filho de agricultor antropólogo

Weintraub também fez críticas ao investimento nas áreas de humanas, dizendo que era melhor estudar ramos do conhecimento como Veterinária, Odontologia e Medicina, ao invés de Antropologia.

“Precisamos escolher melhor nossas prioridades porque nossos recursos são escassos. Não sou contra estudar filosofia, gosto de estudar filosofia. Mas imagina uma família de agricultores que o filho entrou na faculdade e, quatro anos depois, volta com título de antropólogo? Acho que ele traria mais bem-estar para ele e para a comunidade se fosse veterinário, dentista, professor, médico.”

Weintraub é chamado na Câmara

Weintraub partiu para o ataque na tarde desta quarta-feira, 15, durante audiência na Câmara para explicar os cortes na Educação. Ao defender o uso de recursos recuperados de corrupção na área, afirmou ter a ficha limpa, não ter passagem pela polícia e ter sua carteira assinada.

Em seguida, de forma irônica, provocou os deputados: “Fui bancário. Carteira assinada. Viu, azulzinha, não sei se vocês conhecem”, afirmou, provocando vaias de parte dos parlamentares que assistia a audiência. Um coro se formou, com deputados gritando “Demissão!”.

Queda de Vélez

Depois do anúncio de medidas polêmicas, recuos e duas dezenas de exonerações, o presidente Jair Bolsonaro demitiu no dia 8 de abril o então ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodríguez. Vélez havia sido indicado ao cargo por Olavo de Carvalho.

A crise no MEC se intensificou depois que o Estado revelou um e-mail de Vélez em que ele pedia para todas as escolas do País lerem o slogan da campanha de Bolsonaro e filmarem as crianças cantando o Hino Nacional. Ele teve de recuar da medida.

‘Brasileiro parece canibal’

Em declaração à revista Veja, o ex-ministro Vélez Rodríguez, afirmou que o brasileiro viajando é um “canibal”, pois “rouba coisas dos hotéis” e isso precisa ser revertido na escola. Questionado no Supremo Tribunal Federal (STF), ele informou à ministra Rosa Weber que foi “infeliz” na declaração.

Filmagem de alunos cantando o Hino

Vélez enviou carta oficial do Ministério da Educação a diretores de escola sugerindo a leitura de um texto com slogan da campanha de Bolsonaro, seguida do Hino Nacional. Os alunos deveriam ser filmados e a gravação, enviada ao MEC.

A mensagem causou reação no meio educacional. O Conselho de Secretários Estaduais disse que a recomendação feria a autonomia dos entes da Federação e algumas pastas indicaram que não seguiriam a proposta.

Vélez Rodríguez teve de abrir mão do slogan e indicar que gravações “precisam ser autorizadas”. O caso rendeu críticas de Janaína Paschoal e fez com que a Procuradoria Geral da República abrisse uma investigação para apurar uma possível improbidade administrativa por parte do então ministro.

Erros e propagandas em livros didáticos

Vélez teve de lidar, logo ao assumir o Ministério da Educação, com o edital dos livros didáticos de 2020. Na primeira versão, não seriam mais necessárias referências bibliográficas. Também foi retirado o item que impedia publicidade e coibia erros de revisão e impressão. Após a divulgação, o MEC retirou o texto e abriu sindicância, alegando erro da gestão anterior.

Nomeação e exoneração de ex-MBL

Defensor do movimento Escola Sem Partido e ex-membro do Movimento Brasil Livre (MBL), Murilo Resende Ferreira foi indicado para a coordenação do Exame Nacional de Ensino Médio (Enem) e rebaixado do posto menos de 24 horas depois. Hoje, ele assume um cargo especial criado especialmente na administração Bolsonaro, no qual “ajudará no acompanhamento, análise e direcionamento do Enem”.

Comissão de avaliação do Enem

Depois que Bolsonaro criticou o conteúdo da última avaliação do Enem, em 2018, a prova agora terá que passar por uma comissão de três indicados que irão avaliar a “pertinência com a realidade social” das questões. Para especialistas, entretanto, a inexperiência dos responsáveis por esse controle coloca em risco o sigilo e a qualidade do teste, que afeta a vida de milhares de estudantes.

Fim de avaliação da alfabetização de crianças

Em uma portaria publicada pelo Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais (Inep), o Ministério da Educação anunciou que não faria mais a avaliação de alfabetização das crianças de até 7 anos. O ex-ministro Vélez Rodríguez afirmou que não tinha sido comunicado sobre essa decisão e, menos de 24 horas depois, revogou a portaria. Por fim, também exonerou Marcus Vinícius Rodrigues do cargo de presidente do Inep.

Universidade não é para todos

Em janeiro, Ricardo Vélez Rodríguez deu uma entrevista ao jornal Valor Econômico, na qual afirmou que a “a ideia de universidade para todos não existe”.

Acusado de ter uma visão elitista do ensino público, o responsável pelo Ministério da Educação precisou se explicar em um vídeo postado nas redes sociais.

“Universidade, do ponto de vista da capacidade, não é para todos. Somente algumas pessoas que têm desejos de estudos superiores e que se habilitam para isso entram na universidade”, explicou.

Frase falsa de Cazuza

Também à revista Veja, Vélez Rodriguez atribuiu erroneamente uma frase ao cantor Cazuza, durante entrevista. Ao ser questionado sobre se liberdade não incluiria ensinar marxismo, fascismo e liberalismo, ele disse: “Liberdade não é o que pregava Cazuza, que dizia que liberdade é passar a mão no guarda. Não! Isso é desrespeito à autoridade, vai para o xilindró”.

Pelo Twitter, o ex-ministro afirmou que ligou para a mãe do cantor, Lucinha Araújo, e “desfez o equívoco”.

Evangélica como número 2 do MEC

O posto de secretário executivo do Ministério da Educação foi uma das principais dores de cabeça para de Vélez. Depois de demitir Luiz Antônio Tozi, nomear Rubens Barreto da Silva e demitir este último pouco após a posse, o então ministro indicou Iolene Lima como secretária de Educação Básica.

Educadora e evangélica, Iolene foi alvo de críticas graças a um vídeo no qual aparece afirmando que faria uma educação básica com base nos princípios de Deus: disciplinas como geografia, matemática, história etc. seriam ensinadas “sobre” (sic) a ótica de Deus, numa “cosmovisão cristã”, porque “o autor da história é Deus”, assim como “o maior matemático” e o “criador dos relevos”. Iolene acabou demitida antes sequer de assumir o cargo.

Revisão da Ditadura Militar em livros didáticos

Em entrevista ao Valor Econômico, Vélez afirmou que pretendia revisar os livros didáticos para mudar a forma como as escolas ensinam o golpe de Estado que retirou o presidente João Goulart do poder, em 1964, e o regime militar que se seguiu até 1985.

Contrariando historiadores que estudaram o período, o ex-ministro da Educação ainda disse que não houve golpe e sim uma “mudança do tipo constitucional”, além de defender que o governo de Castello Branco foi um “regime democrático de força”.

A notícia gerou mal-estar entre representantes de editoras e autores de livros didáticos, que frisaram o compromisso dos materiais didáticos serem baseados em estudos acadêmicos e não opiniões.