Distribuição de cargos desagrada aliados de Lula

Brasília

– Há um descompasso político no governo Lula. O PT tem a maioria dos cargos no Executivo, mas são os aliados quem têm a maioria dos votos da base na Câmara e no Senado. Um levantamento feito pelo jornal O Globo com informações de ministérios e parlamentares dos 27 Estados, mostra que, entre os já nomeados, os petistas ocuparam 64,4% dos 343 principais cargos do governo federal. Os nove partidos que integram a base aliada emplacaram juntos apenas 35,5% dos principais cargos, embora representem 74,7% dos votos da base governista na Câmara e 73,5% no Senado.

Os aliados se sentem preteridos pelo condomínio petista. O PT comanda 40 dos 50 órgãos públicos e estatais com os maiores orçamentos. O partido também domina os principais cargos federais nos Estados, tendo indicado 26 superintendentes do Incra, 23 do Ibama e 22 delegados regionais do Trabalho.

Funções importantes como a coordenação da Funasa nos Estados, do Departamento Nacional de Infra-Estrutura de Transportes (Dnit) e dos Correios foram mais compartilhadas com os aliados. O PTB emplacou mais nomes (quatro) na Funasa, o PL indicou mais (dez) no Dnit e o PDT nos Correios (oito). O PSB conseguiu maior concentração de cargos onde tem os governos estaduais: Rio Grande do Norte (dois) e Alagoas (três). “O PT reclamava muito do fisiologismo e agora o pratica. A fome é muito grande”, diz o cientista político David Fleischer, professor da Universidade de Brasília (UnB).

O aliado com maior bancada no Congresso, o PMDB, também é o que tem mais cargos no governo Lula, tendo ocupado até agora 25 postos nos Estados. Um assessor da Casa Civil que acompanhou a negociação das nomeações reconheceu, na sexta-feira, que é grande o descontentamento com a divisão dos cargos. Sua avaliação é de que o governo Lula cochilou, no início, ao permitir que os ministros do PT nomeassem à vontade, pois eles acabaram privilegiando os petistas.

Naturalidade

Já o presidente do PT, José Genoino, considera natural que o partido tenha mais cargos e nega que o governo tenha sido transformado num aparelho do partido como acusou o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. “O PT é o partido com mais estrutura e, por isso, é natural que tenha mais cargos. Não fizemos aparelhamento, muitos foram escolhidos pelos próprios servidores e muitos outros são nomes de carreira. Os aliados serão atendidos, há muitos cargos vagos ainda. Considero que a representação do PT já é suficiente e tenho feito um apelo para que o partido ceda espaços para os aliados”, afirma Genoino.

Mesmo insatisfeitos com a partilha, os aliados não reclamam em público para não serem acusados de fisiologismo. Mas as queixas são eloqüentes nos bastidores. Muitos não entendem por que o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) tem tantos cargos no governo – são pelo menos dez superintendências do Incra.

Há muitas queixas também contra o critério de privilegiar nomes de carreira, como ocorre na Funai, na Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), na Embrapa e na Receita Federal. Nem mesmo os petistas, divididos entre os moderados e as várias correntes de esquerda, se consideram atendidos com a distribuição do bolo. “Lá no meu Estado, o PT que é contra as reformas é quem nomeia”, reclama Carlito Merss (SC).

Na última quarta-feira, no café da manhã dos líderes aliados com o chefe da Casa Civil, José Dirceu, o líder do governo na Câmara, Aldo Rebelo (PCdoB-SP), alertou o ministro de que essa desproporção pode acabar se transformando numa grande dor de cabeça. “Há um problema para ser equacionado. O PT domina o Executivo, mas os aliados têm a maioria dos votos no plenário”, disse Aldo Rebelo.

Esquerda é a mais descontente

Brasília

– Os mais descontentes com a situação são os partidos de esquerda. Mesmo sendo eleitoralmente menos representativos que o PT, esperavam um tratamento melhor por causa da proximidade ideológica. O líder do PSB, Eduardo Campos (PE), que negociou a presença dos socialistas nos cargos estaduais, reclama que só tem PT nos cargos e que é reduzida a presença dos aliados no governo. Beto Albuquerque (PSB-RS), vice-líder do governo, é mais veemente ao tratar do tema: “Eles sempre têm uma explicação para que o escolhido não seja o seu indicado. Para o PT, o aliado tem que ser fiel, leal e, além disso, trouxa”, diz.

Os líderes do PPS, Roberto Freire (PE), e do PCdoB, Inácio Arruda (CE), fazem questão de ressaltar que o apoio ao governo Lula independe do número de cargos oferecido. E que, por essa razão, os dois partidos não serão obstáculo para a aprovação das reformas tributária e da Previdencia. Admitem, no entanto, que o fato de os aliados terem sido praticamente preteridos nos cargos estaduais levou a um desgaste na imagem desses partidos. Os parlamentares se sentem desprestigiados nos estados.

Freire dá o exemplo do deputado Geraldo Rezende (PPS-MS), que recebeu a promessa da Casa Civil de que teria um cargo, mas isso não se viabilizou. “Não pedimos nada e votamos independentemente de cargos. Mas nos incomoda porque prometem e não cumprem. Será que fizeram de propósito, para desmoralizar o deputado no Mato Grosso do Sul?”, pergunta Freire.

Inácio Arruda também não esconde seu desencanto. O mais votado da coligação de Lula para a Câmara, e tendo disputado em 2000 o segundo turno para a prefeitura de Fortaleza, não consegue entender por que seu partido não foi contemplado com nenhum cargo federal no Ceará. “O esforço pelo êxito do governo Lula está acima da ocupação de cargos. Mas não é admissível que um aliado de primeira hora não seja considerado. Isso desgasta a nossa relação e passa à sociedade uma imagem de desprestígio”, critica.

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