Ter uma família é uma decisão pessoal, mas que afeta toda a sociedade. Por isso, se essa família é estruturada, com filhos bem educados, quem ganha também é a sociedade. Este é o principal argumento de Ignacio Socias, diretor de Relações Institucionais da International Federation for Family Development (IFFD), um órgão que está em 66 países e assessora a Organização das Nações Unidas (ONU). Ele esteve no Brasil na semana passada para uma série de palestras, em que defendeu longas licenças de maternidade e paternidade, contratos de trabalho flexíveis para mães e remuneração para donas de casa.

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“Dedicar o tempo a esses trabalhos e a tarefas de cuidado de criança não pode ser visto como um borrão no currículo, pelo contrário. Tem de ser visto como um tempo que foi usado para se capacitar melhor, aprender muitas coisas, realizar muitas tarefas”, diz Socias. Para ele, as políticas sociais de apoio às famílias precisam começar a ser vistas pelos países como um investimento. “Quando alguém diz que vai ter um filho e deixar de trabalhar por um tempo, a sociedade e a empresa precisam se dar conta de que isso é muito bom para toda a sociedade.”

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Como se pode definir família atualmente?

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Não há consenso em todos os países do mundo sobre uma definição de família. Há diferentes tradições e culturas. E, por isso, há anos é adotada uma abordagem funcional, que é o que verdadeiramente importa. Família é o que funciona para ajudar os filhos, os doentes, os idosos, enfim, a todos, para poderem viverem de maneira íntegra e feliz. Estudos mostram que o que funciona é o compromisso, ou seja, a família tem de ser um projeto executado por muito tempo até que os filhos se eduquem bem.

O discurso de valorização da família é, em geral, muito ligado a um discurso conservador.

Temos de superar essa questão do discurso conservador ou progressista. A família é muito mais que isso. A família tradicional, do homem na fábrica e a mulher cuidando dos filhos, está superada há muito tempo. Cada um é livre de realizar sua vida como quiser. Precisamos superar essa polarização.

Vocês defendem que a sociedade e os governos precisam apoiar as famílias. De que maneira?

Toda a política pública precisa respeitar decisões individuais, mas tem de considerá-las na hora de distribuir a riqueza. Se um casal decide não ter filhos, não contribuir com mais cidadãos para a sociedade, é livre para isso. Mas se tem outro casal que decide ter filhos, dedicar tempo, dinheiro e esforço para seus filhos, ele não está fazendo algo só para ele mesmo. Está contribuindo para dar à sociedade um bem público, que são os seus cidadãos. Esses filhos, se estiverem bem educados, se tornarão bons profissionais, bons pagadores de impostos, pessoas que respeitam as leis. São decisões privadas, mas que têm consequências públicas, todos pagamos por isso. E, portanto, o Estado precisa redistribuir essa riqueza de forma adequada. Em muitos países isso acontece por meio de licenças-maternidade, paternidade, benefícios fiscais. Há até uma região na Áustria que oferece um curso a avós e, ao terminarem, eles podem cobrar dos filhos o tempo que dedicam aos netos. Mas esse dinheiro pode ser deduzido no imposto de renda. Então, no final, é o Estado que distribui, é um reconhecimento dessa tarefa que os avós já fazem.

O que o senhor acha do tempo dado para licenças-maternidade e paternidade no Brasil?

O tempo não é suficiente de acordo com o que a ciência nos diz, de que um filho recém-nascido precisa ficar com seus pais muito tempo nos seus primeiros anos. E esse tempo é essencial para seu futuro. Esse apoio dos pais vai determinar que tipo de pessoa a criança será. Se uma licença supõe um prejuízo econômico, estamos discriminando quem a recebe. Alguns países têm uma norma que obriga a mulher a voltar ao mercado de trabalho no mesmo nível em que estava antes de engravidar, para haver reconhecimento profissional. Mas falta também reconhecimento social. Quando alguém diz que terá um filho e deixará de trabalhar por um tempo, a sociedade e a empresa precisam se dar conta que isso é muito bom para toda a sociedade. Uma vez falei para uma ministra de um país nórdico que eles tinham muito dinheiro (e por isso conseguem dar longas licenças). Sabendo que eu sou espanhol, ela me disse: no ano 2000, planejamos ter uma rede de trens rápidos, como vocês têm na Espanha, mas decidimos que não teríamos porque preferimos destinar esse dinheiro a políticas públicas de apoio às famílias. É uma questão de prioridade, de deixar de considerar um gasto e ver como um investimento.

Como acabar com o preconceito com a mulher que engravida no mercado de trabalho?

Por mais que falemos muito de igualdade de gênero, o que fazemos é pedir para as mulheres que se incorporem ao mercado de trabalho – feito por homens e para homens, que não contempla alguém querer ser mãe e que as obriga a ter tripla jornada. Elas trabalham competindo com os homens como se fossem homens, precisam se dedicar aos filhos, e muitas vezes, se dedicam ao trabalho do lar. Isso é uma discriminação enorme. A solução está em medidas feitas pela Suécia ou pela França: um mercado de trabalho que permita contratos de trabalho seguros, mas flexíveis, adequados às necessidades de cada família e cada mãe. Mas não podemos nos esquecer do pai. Em alguns países, há licenças para os pais, para as mães e uma terceira que eles podem compartilhar.

Como a família faz parte dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (metas para países-membros da ONU até 2030 para garantir o desenvolvimento do planeta)?

A família permeia os objetivos principais, mas também atuamos para reconhecer o trabalho remunerado no lar. Nos países da OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico), o tempo que se dedica a esse trabalho – feito, em geral, por mulheres – é maior do que ao trabalho remunerado. E ele permanece invisível. Dedicar o tempo a esses trabalhos e a tarefas de cuidado de criança não pode ser visto como um borrão no currículo, pelo contrário. Tem de ser visto como um tempo que foi usado para se capacitar melhor, aprender muitas coisas, realizar muitas tarefas. Seria incrível se pudéssemos pagar por dois anos à mãe que se dedica ao filho. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.