Brasília – As andanças do chefe da Casa Civil, José Dirceu, pelo exterior atendem formalmente aos objetivos administrativos do governo, mas têm vários significados na política interna. Por determinação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ele cumprirá outra agenda de viagens ao exterior no fim do mês, passando novamente pelos Estados Unidos, indo a países da Europa e aos vizinhos latino-americanos investido de sua nova função: representante político-institucional do governo brasileiro. Neste papel é encarregado de contatos diretos, chamados governo a governo, para dar uma visão global da gestão Lula e tentar derrubar as desconfianças, principalmente dos Estados Unidos, provocadas pelas afinidades do Brasil com países como Cuba e Venezuela.
A incursão do ministro Dirceu na diplomacia não é novidade. Antes de escolher seu chanceler, Lula, já como presidente eleito, o escalou como emissário das garantias de seu governo a alguns países. Mas como ele retoma essa agenda, de forma mais intensa, num momento em que sua atuação na política doméstica mais desagrega do que une, a leitura que se faz no meio político é que seu interesse em aparecer lá fora como homem forte do governo Lula mira na disputa presidencial de 2010.
Hoje, o candidato natural a sucessor de Lula em 2010, se o presidente conquistar a reeleição, é o ministro da Fazenda, Antônio Palocci. Mas Dirceu nunca aceitou isso passivamente. Assumiu que estava fora do páreo quando foi atingido pelo escândalo Waldomiro Diniz, seu ex-assessor envolvido em cobrança de propina de bicheiros. Agora, Dirceu volta a trabalhar seus projetos. Sua imagem no exterior, em encontros como o que teve com a secretária de Estado Condoleezza Rice, pode fortalecê-lo internamente.
A justificativa sobre a nova agenda de Dirceu é que faltava essa figura no governo. Nos contatos com o exterior, o chanceler Celso Amorim exerce a diplomacia; o ministro Antônio Palocci é o interlocutor para o mercado, e o ministro Luiz Fernando Furlan (Desenvolvimento) cuida da pauta de comércio exterior. "Se ele está na coordenação do governo, tem uma visão geral e, em muitas situações, melhores condições para o diálogo governo a governo", diz o secretário-executivo da Casa Civil, Swedenberger Barbosa.
Pelo menos por enquanto, o ministro Dirceu não tem provocado reações do Itamaraty. Assessores de Celso Amorim observaram seus movimentos no exterior e concluíram que ele está dentro do figurino: sempre com os embaixadores brasileiros nos países que visita, tem discurso afinado com o do chanceler em assuntos como Alca, Cuba, Venezuela e ONU.
Viagens podem ser álibi
A agenda de Dirceu no exterior também é voltada para articulações com potenciais investidores no País. A aposta do presidente é que Dirceu, com a visão geral de todos os programas do governo, tem mais condições de mostrar o que está sendo feito e as potencialidades de investimentos no País.
O roteiro nos Estados Unidos foi um desdobramento da agenda em Davos (Suíça), durante o Fórum Econômico Mundial. Mesmo com a presença dos ministros Palocci, Furlan e Celso Amorim, coube a Dirceu coordenar o seminário sobre as alternativas de investimento no País. Foi Lula quem convidou Dirceu para coordenar os contatos com os empresários. Da Suíça, ele seguiu para Roma, onde teve audiências com autoridades do governo italiano. Esteve depois em Cuba, Argentina e Uruguai.
Do ponto de vista político, a agenda de Dirceu no exterior é vista por auxiliares do presidente como uma espécie de álibi na constante crise entre o PT e o ministro Aldo Rebelo (Coordenação Política). Na semana passada, enquanto setores do PT intensificavam a pressão sobre o presidente para substituir Aldo por um petista, Dirceu circulava entre Nova York e Washington como homem forte do governo Lula.
Os compromissos no exterior mostram ainda que os rótulos afixados no ministro pela oposição não conseguiram paralisá-lo. Enquanto no Brasil Dirceu é alvo preferencial dos adversários, por causa do caso Waldomiro Diniz, no exterior recebe tratamento vip. Em Cuba, durante a Feira do Livro de Havana, as pessoas fizeram fila para cumprimentá-lo. Dirceu morou na ilha entre 1969 e 1975, durante a ditadura militar. Deferência especial também recebeu de Condoleezza Rice, que o chamou, de última hora, para o encontro em Washington.
Se não provocou ainda ciúmes no Itamaraty, o mesmo não se pode garantir do colega Marco Aurélio Garcia, assessor especial para assuntos internacionais da Presidência. Este é o terreno mais propício para disputas e intrigas, pois é onde há mais possibilidade de superposição de função.