Não está sendo nada fácil para Jorge Bergoglio ser o papa Francisco. O argentino que conquistou o mundo com seu carisma e seu jeito pastoral de acolhimento enfrentou, em 2018, o ano mais complicado do pontificado. No centro estão as denúncias de abusos sexuais na Igreja Católica – sobretudo nos casos ocorridos no Chile e nos Estados Unidos – e a forte oposição de setores do cardinalato.
“Essa oposição, que existe em alguns setores, vem crescendo desde a eleição do Santo Padre. Foi aprofundada com a publicação de Amoris Laetitia (exortação apostólica de Francisco, de 2016) e, mais recentemente, com os escândalos de abuso sexual”, comenta o padre jesuíta americano James Martin, consultor do Vaticano.
“As mesmas pessoas que estavam contra o papa no começo agora o criticam pela forma como ele lida com a crise dos abusos. Desnecessário dizer que essa crise é um enorme problema, o maior da Igreja, mas alguns desses clérigos estão a usá-la de maneira conveniente para atacá-lo.”
Martin concorda que este foi o ano mais difícil do pontificado de Francisco. “Os abusos sexuais são o maior problema enfrentado pela Igreja e este ano tem sido o pior para a Igreja desde pelo menos 2002. Portanto, a pressão sobre Francisco tem sido extraordinária”, comenta.
“A suposta maré conservadora, na verdade, tem favorecido Francisco, pois muitos setores sociais no mundo inteiro se voltam para ele como uma liderança moral e até política alternativa”, diz Francisco Borba Ribeiro Neto, p rofessor da PUC-SP.
O vaticanista brasileiro Filipe Domingues, pesquisador da Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma, destaca que há dois grupos claros de oposição a Francisco: o primeiro, mais progressista e liberal nas questões morais, que já era contrário aos papas anteriores; o segundo, mais conservador, “que foi se organizando ao longo dos anos”.
“A reação foi se fortalecendo com algumas mudanças de discursos, por exemplo, quando o papa disse quem sou eu para julgar?, quando lhe perguntaram sobre a questão homossexual. Ou mesmo essa visão mais pastoral de aceitar, em alguns casos, que divorciados em segunda união possam receber sacramentos”, disse Domingues.
O papa também criou resistências ao assumir uma postura de defesa do meio ambiente e em discursar fortemente contra as armas. “Ele mexe com uma elite conservadora do mundo, com uma direita política conservadora, sobretudo nos Estados Unidos”, afirmou o vaticanista brasileiro.
Um dos momentos críticos deste 2018 foi quando, em agosto, o arcebispo de Ulpiana (Kosovo), Carlo Maria Viganò, ex-núncio apostólico nos EUA, pediu que Francisco renunciasse. Em carta, Viganò afirmou que havia avisado o papa dos problemas de abusos sexuais nos Estados Unidos desde 2013.
Escândalos de abuso sexual
Para o sociólogo e biólogo Francisco Borba Ribeiro Neto, professor e coordenador do Núcleo Fé e Cultura da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), dois fatores aumentaram a oposição a Francisco: a reação conservadora à Amoris Laetitia e o impacto de escândalos de abuso sexual de crianças.
“Isso gerou reação da oposição laicista na sociedade, que sempre ficou muito incomodada com a liderança mundial de Francisco”, comenta. “Nesses casos de pedofilia, o papa foi envolvido pela situação, no sentido que houve má administração local dos problemas e o Vaticano foi comprometido por ter confiado nas autoridades regionais.”
Outro ponto analisado pelos especialistas é que Francisco, apesar de ser o líder de uma instituição essencialmente conservadora, é uma progressista voz mundial em meio à ascensão de líderes reacionários, como o presidente dos EUA, Donald Trump, e o recém-eleito presidente do Brasil, Jair Bolsonaro.
“Papa Francisco é hoje a única autoridade moral internacional. A única pessoa que é uma referência moral para o mundo inteiro”, define Domingues. “Não sobrou ninguém que seja assim – tinha o Nelson Mandela, a Madre Teresa de Calcutá e outros líderes históricos que eram autoridades morais, que as pessoas paravam para ouvir.”
Afeto, sentido na pele
São quase 18 horas de domingo na Avenida Paulista. Bem no fim da via, fica a Igreja de São Luiz Gonzaga e bastam alguns minutos à porta para ver que boa parte do público que vai assistir à homilia é o mesmo que andava pelo entorno.
“Curto a vida cultural, deixo as crianças gastarem energia e venho abastecer o espírito”, conta o economista Pedro Araújo, de 41 anos, com os filhos de 8 e 11 anos. A missa entrou na programação no último ano. “Nasci, cresci e me casei na Igreja, mas parei de frequentar após o divórcio. Agora voltei porque tenho me sentido acolhido.”
Ao ser perguntado sobre o motivo do acolhimento, Araújo não titubeia: “O papa prega isso o tempo inteiro. Ele quer que todos sejam incluídos. E aqui, nesta paróquia, é o que sinto. Pode entrar todo mundo: cabeludo, tatuado, divorciado, homossexual”.
A menos de 5 km, no Jardim Paulista, zona oeste, a pedagoga Maria de Lourdes, que frequenta a Paróquia São Gabriel Arcanjo, conta que se surpreendeu outro dia ao ver moradores de rua participando da missa e até comungando. “Ninguém se escandalizou. Pelo contrário: elogiaram.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.