Faltavam poucos minutos para a meia-noite do sábado passado quando a economista Marcela Vilela, de 34 anos, solicitou um carro do Uber para voltar para a casa, em Copacabana, após visitar um parente em Cosme Velho, zona sul do Rio. Estava acompanhada da sogra e de Cruizer, seu cão-guia há cinco meses, quando o veículo encostou. “Cachorro no meu carro, não”, disse o motorista, que partiu mesmo após ter ouvido que estava descumprindo a lei.

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O caso de Marcela não é exceção. Ao menos no Rio e em São Paulo, passageiros com deficiência visual têm sido recusados por motoristas do Uber por causa da presença de cães-guia. “Tive três problemas só no último mês. Em duas ocasiões, o motorista chegou para me buscar e quando viu o cão-guia não quis me levar. Da outra vez, liguei para avisar que era deficiente visual e tinha um cachorro comigo e, na sequência, o motorista cancelou a corrida”, conta.

Marcela nasceu com menos de 5% de visão em decorrência de um glaucoma congênito. No ano passado, ganhou mais independência com a chegada de Cruizer, um golden retriever americano. Não para alguns parceiros da maior empresa de transporte por aplicativo do País, que ignoram a legislação brasileira (Lei 13.146/15), que assegura a todas as pessoas com deficiência visual acompanhada de cão-guia o direito de ingressar e de permanecer com o animal em todos os meios de transporte e em estabelecimentos abertos ao público, incluindo privados de uso coletivo.

“Toda vez que acontece isso faço queixa pelo próprio aplicativo, que é acessível para quem sofre de deficiência visual. O Uber entra em contato por e-mail, dá crédito para uma próxima corrida e diz bloquear aquele motorista para o meu perfil. Mas isso não tem resolvido o meu problema. Não é uma questão de crédito, a gente só quer ter o direito assegurado”, diz Marcela.

Protesto

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A recorrência dos casos de recusa de corrida por causa do cão-guia levou a blogueira paulistana Mellina Reis, de 33 anos, a relatar o problema em seu canal no YouTube. “É um transtorno enorme. Às vezes está chovendo, a gente está atrasada ou é muito tarde e eles simplesmente vão embora por causa da Hillary”, conta Mellina, que começou a perder a visão aos 14 anos e hoje conta em seu blog as viagens que faz sozinha na companhia da labrador que a acompanha há três anos.

“Cão-guia não é um pet, não é cachorro de estimação. A Hillary é meus olhos, melhorou muito a minha autonomia, minha qualidade de vida. Não abro mão dela. Dá para perceber que muitos motoristas não tiveram orientação, sequer sabem da lei. É uma pena que, depois que o Uber acabou com o serviço pet, o atendimento para nós piorou bastante”, diz Mellina, citando o serviço criado em 2015 que oferecia carros com motoristas dispostos a levar animais de estimação, mas extinto em 2016.

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Presidente da Comissão de Direito das Pessoas com Deficiência da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em São Paulo, Mizael Conrado de Oliveira lembra que esse tipo de prática é uma discriminação passível de prisão de até 3 anos e multa. “É uma postura lamentável desses motoristas. Esse é um direito consagrado pela Lei Brasileira de Inclusão, que tipifica discriminação como crime.”

Em nota, o Uber afirmou que fornece material informativo aos parceiros avisando sobre a obrigatoriedade por lei de se aceitar cães-guia nos veículos e contata o motorista quando há queixa de passageiro. Segundo a empresa, “infrações a esta lei podem levar à desativação de um parceiro da plataforma”. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.