O presidente Jair Bolsonaro baixou nesta quarta-feira, 22, novo decreto, regulamentando a aquisição e o porte de armas de fogo no País. O texto anterior, que havia sido assinado em 7 de maio, apresentava brechas para que fuzis pudessem ser adquiridos pela população civil, o que causou críticas até de associações internacionais e o pedido de revisão por 14 governadores. A fabricante brasileira Taurus chegou a informar que 2 mil pessoas estavam na fila para adquirir o seu fuzil T4. De acordo com a Casa Civil, a posse do armamento pesado em área rural será avaliada pelo Exército.
Como justificativa para a nova edição, o governo federal alegou questionamentos no Judiciário, no Legislativo e na sociedade em geral. “Fizemos pequenas alterações, mas no mérito, na alma, o decreto continua o mesmo”, disse Bolsonaro à noite. A medida é alvo de pelo menos cinco decretos legislativos que buscam sua revogação e foi questionada na Justiça pelo Ministério Público Federal (MPF) e no Supremo Tribunal Federal (STF) por dois partidos.
A tendência é de que os questionamentos continuem. O novo decreto manteve em grande parte o que era criticado por especialistas e associações nacionais e internacionais, como a Anistia, chegando a ampliar o número de categorias que poderão, por exemplo, requerer o porte de arma para circulação nas ruas. Pela regra que passa a ser vigente, podem portar armas políticos, advogados, jornalistas, guardas de trânsito, conselheiros tutelares e guardas portuários, entre outros.
O material distribuído pela Casa Civil à imprensa nesta quarta-feira informava que a aquisição das chamadas armas portáteis (fuzis, carabinas e espingardas) seria concedida “apenas para domiciliados em área rural”. Na ocasião, especialistas ouvidos pelo Estado observaram que não havia elementos claros no documento para explicar essa autorização. Nesta quinta-feira, a assessoria da Casa Civil afirmou que havia um “erro formal” no material distribuído à imprensa e que o uso de fuzil no campo ainda será avaliado pelo Exército.
Para o gerente do Instituto Sou da Paz, Bruno Langeani, as recorrentes mudanças mostram que o governo federal não lidou da forma devida com o tema. “O terceiro decreto (considerando o primeiro texto com flexibilizações, baixado em janeiro) mostra que o governo está tratando o assunto de forma atabalhoada e sem a análise técnica necessária.” Para ele, a inconstitucionalidade se mantém. “O consenso é de que não se pode estender porte a tantas categorias sem alteração na lei.”
Em nota, o Instituto Sou da Paz recomendou a imediata revogação. “O desejo obsessivo que demonstra o governo por uma verdadeira corrida armamentista só atende a uma minoria radicalizada, à indústria e ao comércio de armas e munições e às organizações criminosas, que terão acesso farto e generoso com a maior circulação de armas no País. O governo ignora evidências óbvias de que aumentará nossa já insuportável violência cotidiana.”
Parâmetros
O governo determinou que o Comando do Exército estabeleça em 60 dias parâmetros objetivos sobre a diferenciação de armas de fogo de uso permitido e de armas de uso restrito, assim como a lista dos calibres para cada categoria. Com isso, a gestão Bolsonaro pretender dar mais clareza ao tema, deixado de forma imprecisa no decreto anterior. A indefinição abria a possibilidade até de que pessoas condenadas por uso de armas de fogo de uso restrito pedissem revisão criminal e redução da pena.
Principais mudanças no Decreto das Armas de Bolsonaro
Tiro esportivo
Versão anterior: O esporte estava liberado para menores de 18 anos, o que incluía crianças, e era necessário a autorização de apenas um dos responsáveis
Novo decreto: Idade mínima de 14 anos para a prática de tiro esportivo, agora com a exigência de autorização de ambos os responsáveis – ou por apenas um deles, na falta do outro
Porte de armas
Versão anterior: Além de caçadores, atiradores esportivos, colecionadores e praças das Forças Armadas, poderiam portar armas uma lista de 19 profissionais, incluindo advogados, residentes de área rural e profissionais de imprensa
Novo decreto: Agora, somente atividades profissionais consideradas “de risco”, podendo ser vítimas de delito ou sob grave ameaça, poderão portar armas; também será preciso comprovar a efetiva necessidade do porte
Anac
Versão anterior: a responsabilidade de estabelecer normas de segurança para passageiros armados e fiscalizá-los havia sido tirada da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) e transferida para os ministérios da Defesa e da Justiça
Novo decreto: Devolve à Anac as atribuições de segurança e também de fiscalização para controlar o embarque de passageiros armados.
Outras mudanças
O decreto revisado ainda fixa idade mínima de 14 anos para a prática de tiro esportivo por adolescentes, agora com a exigência de autorização de ambos os responsáveis, ou por apenas um deles, na falta do outro.
No primeiro decreto, o esporte estava liberado para menores de 18 anos, o que incluía crianças, e era necessário a autorização de apenas um dos responsáveis. A autorização judicial que no passado era obrigatória caiu no primeiro decreto e não foi retomada na nova versão.
Na versão anterior, Bolsonaro facilitou o porte de armas de fogo para uma série de categorias de profissionais e não só para caçadores, atiradores esportivos, colecionadores (CACs) e praças das Forças Armadas, como foi destacado inicialmente pelo governo.
Na lista, há advogados, residentes de área rural, profissional da imprensa que atue na cobertura policial, conselheiro tutelar, caminhoneiros, profissionais do sistema socioeducativo e políticos.
Segundo o Planalto, o novo decreto estabelece “o rol exemplificativo de atividades profissionais que estão inseridas em uma conjuntura que ameace sua existência ou sua integridade física em virtude de vir, potencialmente, a ser vítima de um delito envolvendo violência ou grave ameaça”.
A comprovação da efetiva necessidade do porte, diz a gestão Bolsonaro, se dá pela demonstração do exercício da atividade profissional de risco.
O novo decreto também devolve à Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) as atribuições de estabelecer as normas de segurança a serem observadas pelos prestadores de serviços de transporte aéreo de passageiros, para controlar o embarque de passageiros armados e fiscalizar o seu cumprimento. No decreto original, essa responsabilidade havia sido tirada da agência e transferida para os ministérios da Defesa e da Justiça.
O órgão federal de aviação e a Associação Brasileira das Empresas Aéreas (Abear) haviam se posicionado de forma contrária à mudança de regra. Segundo a Anac, o Brasil segue protocolos internacionais sobre o embarque de passageiros armados. (Colaborou Amanda Pupo)