De volta à Câmara, Zé Dirceu não parece mais o mesmo

Arquivo / O Estado

José Dirceu volta às origens na Câmara.

Brasília – Quando ele aparece, vagueia solitário, sorumbático, olheiras aparentes, a bordo de um terno cinza e gravata idem, como se desejasse dissimular a presença entre as colunas, no plenário e sobre o tapete verde da Câmara dos Deputados. Resta apenas sombra do poderoso ex-chefe da Casa Civil da Presidência da República, de quem nos últimos 30 meses os aliados só ouviam auto-referências (?Estou aqui para resolver problemas, estou aqui para resolver crises?) e os jornalistas só escutavam certezas (?Vou repetir. Está gravado, eu gravo tudo o que digo: a lei vai ser cumprida?). ?Nossa! Como ele está humilde agora. Veio até falar comigo. Será que está com medo de alguma coisa? Nem parece o mesmo?, surpreendeu-se a deputada Nice Lobão (PFL-MA), depois de ser cumprimentada por José Dirceu no café da Câmara.

Aos 59 anos, José Dirceu de Oliveira e Silva tornou-se um político integralmente dedicado a uma causa própria: salvar seu mandato, conquistado há 33 meses numa campanha encerrada com 556.300 votos – ao custo de R$ 600 mil, segundo informou à Justiça Eleitoral. Perdeu-se na agenda de uma secretária o tempo em que o empresário Marcos Valério, reputado como operador do mensalão, preocupava-se em agradar-lhe: ?O José Dirceu quer provar da goiabada da Christy?, cobrava Marcos Valério, conta sua antiga secretária Fernanda Karina Somaggio.

Em maio de 2003, ela registrou na agenda, o dono das agências DNA e SMP&B mandou-a comprar seis latas de goiabada cascão da Christy, famosa em Minas, e seis quilos de queijo regional, tipo exportação, para presentear Dirceu.

O ex-ministro agora é personagem recorrente nas investigações em curso no Congresso Nacional, por enquanto concentradas em Marcos Valério. Ele percebeu e começou a admitir o risco de perda do mandato em conversas com políticos e advogados a quem tem apelado por ajuda.

Nas últimas semanas, depois de um encontro com o presidente Lula, Dirceu recorreu a líderes do PMDB, como os senadores Renan Calheiros (presidente do Senado), Garibaldi Alves (relator da CPI dos Bingos) e José Sarney, ex-presidente da República. Consultou criminalistas como Márcio Thomaz Bastos, ministro da Justiça, e Arnaldo Malheiros. O amigo e advogado Antônio Carlos de Castro, o Kakay, desistiu de atuar na sua defesa.

Dirceu reluta, mas a marcha das apurações o arrasta ao ritual do depoimento público, sob suspeição, em três comissões: na terça-feira, 2 de agosto, vai à CPI do Mensalão; depois, à CPI dos Correios e à CPI dos Bingos.

?Não vou deixar de ir a nenhum foro de investigação porque não devo, nem temo?, anunciou no último dos dois discursos que fez desde a chegada à Câmara, há 32 dias.

No intervalo precisará se explicar ao partido, agora controlado por adversários – os mesmos que venceu nos últimos 15 anos, como secretário-geral e, depois, como presidente petista. Ele organizou e controlou o PT ao melhor estilo stalinista. Há dois sábados, em São Paulo, entrou na reunião da executiva nacional disposto a enfrentar quem pedia a renúncia de José Genoino da presidência. Dedo em riste exigiu lealdade: ?Quero olho no olho. Tem que dizer aqui. Quero saber agora quem está comigo e com o Genoino?.

Genoino renunciou horas depois, quando chegou a notícia sobre a prisão no Aeroporto de Congonhas do chefe de gabinete de seu irmão, deputado no Ceará, com uma mala recheada de reais e milhares de dólares na cueca.

No Congresso, a pressão deve aumentar. O PTB do deputado Roberto Jefferson prevê para os próximos dias um pedido formal ao Conselho de Ética da Câmara para a cassação do mandato de Dirceu.

No Paraná

Durante muito tempo o ?Zé Dirceu?, como gosta de ser chamado, não existiu. No lugar do radical e ex-preso político, filho de Castorino Oliveira e Silva e Olga Guedes da Silva, quem se esgueirava pelas sombras, na luta pela sobrevivência sob a ditadura militar, era outra pessoa. Carregava a identidade de Carlos Henrique Gouveia de Melo, dissimulado sob a cobertura de empresário do ramo de confecções no Oeste do Paraná.

Quem conheceu ambos garante que Carlos Henrique voltou a operar na clandestinidade em torno da Praça dos Três Poderes, em Brasília. Em manobra nos bastidores, tenta salvar ?Zé Dirceu?, desta vez encarnado na pele de um deputado federal cujo mandato está ameaçado.É um duelo nas sombras entre dois tipos narcíseos, ressentidos, adversários ideológicos, com predileção por acordos de bastidores – embora poucas vezes bem-sucedidos.

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