A suspensão do processo de concessão do Estádio do Pacaembu, na zona oeste de São Paulo, anteontem, pelo Tribunal de Contas do Município (TCM), se transformou em uma disputa pela propriedade do local, entre a Prefeitura e o governo do Estado. Documento mostra que o terreno foi doado ao Executivo paulista na década de 1920, enquanto a Prefeitura é quem fez a construção do complexo esportivo, inaugurado em abril de 1940. O governo estadual afirma possuir a escritura do terreno; já o Município defende ter a posse da área.
Os questionamentos sobre a propriedade do estádio vinham sendo debatidos desde o ano passado, quando a Prefeitura o listou como um dos itens prioritários do Programa Municipal de Desestatização da gestão João Doria (PSDB). Ainda com Geraldo Alckmin (PSDB) como governador, Prefeitura e Estado se reuniram para discutir o tema. E a tratativa seguiu no sentido de se levantar as escrituras do terreno, que seria do Estado, e formalizar um instrumento legal que permitisse conceder o estádio da Prefeitura para um futuro ente privado.
O documento mais antigo que a Prefeitura tem sobre o terreno, a que o Estado teve acesso, é um certificado de doação de uma área da Prefeitura à Companhia City, empresa que fez o loteamento do bairro do Pacaembu, datado de 8 de julho de 1936. A transação descrita é para formalizar a doação de outra área, de 25 mil metros quadrados, à empresa, para compensar o uso do terreno do estádio, que já estava em construção, e precisava de mais espaço.
Mas o texto diz que, em 8 de agosto de 1921, a City havia doado os 50 mil m² do Pacaembu ao Estado, não à Prefeitura, “para a construção de um estádio para fins desportivos”. Só que a obra, que terminou quatro anos depois, foi feita pela Prefeitura.
O processo de concessão seguiu, agora em 2018, sem que as formalidades jurídicas sobre a propriedade do terreno fossem sanadas. Nova reunião para tratar do tema voltou a ocorrer ainda anteontem, já com representantes das Secretarias de Governo da gestão Márcio França (PSB) e da Justiça do governo Bruno Covas (PSDB). Mas os presentes ainda não sabiam que o TCM paralisaria o certame, o que ocorreu no mesmo dia.
Disputa
Após a suspensão, França – adversário do ex-prefeito Doria na eleição para o governo do Estado – tornou o tema público. Em nota, afirmou que o “Estado é proprietário de dois terços da área total do Complexo do Pacaembu e não foi consultado durante o processo da concessão”. “Tampouco consta neste processo qualquer documentação referente à posse da área.” O Estado chegou a produzir laudo com um mapa sobre a propriedade do terreno, conforme adiantou o site BR18, do Estado. Mas as imagens do mapa haviam sido produzidas pela Prefeitura, na época em que a concessão já era discutida com a iniciativa privada.
A Prefeitura rebateu a nota de França, com informações que obteve nas duas reuniões técnicas sobre o assunto. “Representantes do Estado admitiram nem sequer ter a matrícula da área, que lhe teria sido cedida há mais de 80 anos”, disse a Prefeitura, também em nota.
Ao jornal “O Estado de S. Paulo”, o Município confirmou também não ter as escrituras, mas disse que “tem a posse de parte do terreno desde 1936”. “Como é de conhecimento público, o estádio e o complexo esportivo do Pacaembu foram construídos pela Prefeitura, geridos e mantidos por ela desde 1940, sem ter de prestar contas para o Estado”, segue a nota. O texto citou ainda o Museu do Futebol, que ocupa parte do espaço. O museu é do Estado, só que o uso da área pública só se deu após a Prefeitura publicar, por decreto, um Termo de Permissão de Uso da área.
Questionado pela reportagem ontem, o Palácio dos Bandeirantes enviou o termo de doação do terreno da Companhia City ao Estado, de 1921. Era área avaliada em “300 contos de réis”, cujos detalhes da doação são escritos em letra cursiva, com papel timbrado do 7.º Tabelião de Notas, no “Largo da Sé”. Mas não há detalhes do processo de repasse da área à Prefeitura, o que, segundo avaliações de procuradores do Estado, não obedecia às formalidades legais de hoje.
Licitação
A paralisação da concessão não está ligada à polêmica sobre a posse do terreno. O TCM questiona a composição jurídica das empresas participantes. O edital permite que interessados possam subcontratar uma empresa com expertise na gestão de estádios.
O TCM disse que empresas com essa capacidade técnica têm de estar entre as sócias do consórcio, o que a Prefeitura questiona. Apesar da medida do tribunal, o Executivo decidiu receber ontem os envelopes das interessadas e obteve quatro propostas. Os envelopes foram lacrados, e estão à espera do desfecho do caso.
Covas defendeu ontem o edital, mas negou que vá entrar na Justiça contra a decisão do tribunal. Ele tem 15 dias para responder aos questionamentos do órgão. (COLABOROU FELIPE RESK)
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.