Pelas estatísticas do serviço VivaVoz, ligado ao programa Crack, É Possível Vencer, tem-se uma amostra do avanço do uso da droga no País. Quando o atendimento foi lançado, em 2005, 7% dos aconselhamentos eram relacionados ao crack e à cocaína. No ano passado, o porcentual subiu para 28%. Há uma média diária de 33 ligações em busca de auxílio. “É um número significativo”, afirma a coordenadora do serviço, a professora da Universidade Federal de Ciências da Saúde, Helena Barros. Transformado em utilidade pública no ano passado, quando foi integrado ao programa criado pelo governo federal, o VivaVoz (132) passou a atender todos os dias da semana, sem interrupção, como um “CVV das drogas”.
Os resultados alcançados pelo trabalho indicam o quanto o atendimento por telefone pode ser promissor. “Principalmente entre jovens”, diz Helena. Estudo feito com 1.124 usuários de crack ou cocaína atendidos pelo programa, de 14 a 24 anos, mostra que 30%, ao fim do acompanhamento, afirmavam ter deixado a droga.
Para fazer o trabalho, metade dos usuários recebeu aconselhamento comum e outra parte foi atendida com entrevista motivacional. Dos integrantes desse último grupo, 40% disseram ter deixado a droga. As informações são obtidas por meio de relatos dos próprios pacientes.
“Temos de nos fiar na veracidade das informações prestadas. Mas estudos internacionais mostram que nesse tipo de entrevista a confiabilidade é de aproximadamente 85%”, conta Helena. Entre maiores de 24 anos, os resultados foram menos expressivos. Daqueles que receberam atendimento convencional, 15% relataram abstinência. “Quanto menos tempo de uso, mais vínculos o usuário tem, menores são os estragos e, portanto, mais fácil é a recuperação.”
O serviço começou a ser feito em 2005. No ano passado, o programa foi integrado ao Crack, É Possível Vencer e o atendimento foi ampliado. O número de consultores deverá passar dos atuais 20 para 30 até o fim do ano. Ao longo desse período, 2,5 milhões de chamadas foram feitas. “Atendimentos propriamente ditos foram 400 mil”, diz a professora.
Perfil
A maior parte das pessoas que procura o VivaVoz é das classes C e D. São homens solteiros, com mais de 35 anos e ensino fundamental incompleto, diz Helena. “Acreditamos que o serviço pode ser um instrumento valioso de acesso ao tratamento.”
O psiquiatra do Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes da Universidade Federal de São Paulo (Proad-Unifesp), Tiago Fidalgo, considera a entrevista motivacional uma estratégia importante.
“Ela estimula o paciente a passar de um estágio de contemplação, aquele em que está começando a pensar em interromper um vício ou hábito, para um planejamento mais efetivo e, numa outra etapa, para a ação”, afirma. A estratégia completa também pode ser eficaz em momentos de recaída. “Com a entrevista, a pessoa é estimulada a não desistir e retomar a ação.” Já o psiquiatra Mauro Aranha não exibe o mesmo entusiasmo. “É um recurso interessante, mas muito limitado”, afirma. Para ele, esse tipo de atendimento serve apenas para uma primeira orientação.
Telefonemas
A professora Helena Barros afirma não haver informações se as pessoas atendidas pelo serviço procuram, simultaneamente, um tratamento presencial. O VivaVoz cabe a estudantes de cursos na área de saúde e assistência social. “A ideia é ajudar a pessoa que está do outro lado da linha a escolher uma data para parar ou reduzir o uso da droga”, conta Helena.
O ritmo de ligações no serviço de viva-voz aumenta quando a noite avança. Nesse horário, a maior parte dos telefonemas é de dependentes pedindo ajuda para encontrar o tratamento. Muitos deles sob efeito de drogas, conta a consultora Cláudia Flores Abrahan.
Nos dois anos de trabalho no VivaVoz, Cláudia, que é também estudante do 7.º semestre de Psicologia, já atendeu incontável número de telefonemas: além de dependentes, estudantes em busca de informações para trabalhos escolares, familiares querendo orientações sobre como lidar com o parente usuário de drogas.
Não é raro também receber ligações de crianças interessadas em ajudar os pais a abandonar o vício. “Para cada público, temos de ter a linguagem apropriada, uma abordagem diferente. Mas sempre procurando transmitir motivação para enfrentar o problema”, conta.
O telefonema mais crítico, recorda, ocorreu há alguns meses. Do outro lado da linha, um dependente dizia que ia se matar. “As conversas vêm carregadas de emoção. Muitas vezes sugerimos que a pessoa vá buscar um copo d’água para se acalmar, esperamos o tempo que for necessário”, relata.
Quando um tratamento consegue sucesso e a pessoa resolve parar de se drogar, é recomendado ao usuário fazer um acompanhamento até seis meses depois da interrupção da droga. Nesse período, sete ligações são feitas e compromissos são retomados. “Muitos conseguem completar o ciclo”, destaca a professora Helena Barros.
Mas, como o atendimento do serviço também é aleatório, Cláudia afirma que nunca sabe qual será o próximo caso. “Temos de estar sempre bem preparados. Telefonemas duram o quanto for necessário.” A experiência que adquiriu até agora trouxe uma certeza. “Assim que me formar, vou continuar trabalhando na área.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.