A Conferência do Clima de Marrakesh, que começou com a expectativa de iniciar a implementação do Acordo de Paris e teve os ânimos abalados pela eleição de Donald Trump nos Estados Unidos, se encaminhava para o final na noite desta sexta-feira, 18, com um resultado considerado positivo muito mais pelas iniciativas paralelas que foram lançadas ao longo de duas semanas de cúpula do que necessariamente pelas negociações oficiais.

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A 22ª COP iniciou embalada pela entrada em vigor do Acordo de Paris no dia 4 deste mês, menos de um ano depois de ter sido fechado em Paris, um recorde nas negociações da ONU. Até esta sexta-feira, 111 países já tinham ratificado o acordo, e a expectativa é que Marrakesh daria início aos processos para implementá-lo o quanto antes.

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Mas o que por um lado foi uma boa notícia, a ratificação antecipada também trouxe o desafio de apressar os trabalhos técnicos para tirar o acordo do papel. Quando foi fechado, a expectativa é que ele entraria em vigor somente em 2020, o que daria tempo para os diplomatas definirem um conjunto de regras e costurarem os arranjos institucionais.

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É preciso definir, por exemplo, o conjunto de informações que os países terão de apresentar quando forem comunicar suas contribuições nacionalmente determinadas (as NDCs); qual será o mecanismo de contabilidade de avanços; como se dará o mecanismo de mercado e de financiamento. Os negociadores também tinham de decidir o local adequado para fazer essas discussões dentro do quadro da Convenção do Clima da ONU e quem tomaria essas decisões – se somente os países que já ratificaram o acordo ou todos que fazem parte da UNFCCC.

Em Marrakesh se avançou que o “livro de regras” do Acordo de Paris tem de estar pronto até 2018, ano em que haverá uma consulta informal sobre se os países têm condições de avançar em suas metas de redução de emissões.

Mas vários outros assuntos permaneciam “órfãos”: como deverão ser padronizadas as NDCs para fins de contabilidade; de quanto em quanto tempo elas poderiam ser revistas, em que momento se deve rever a meta de se contribuir com US$ 100 bilhões por ano a partir de 2020.

Um dos principais motivos para correr tanto para colocar o acordo em vigor foi manter em alta a empolgação que tinha se seguido ao Acordo de Paris, que passou um sinal forte para governos subnacionais e empresas de que a mudança para uma economia de baixo carbono é para valer, o que desencadeou várias mudanças nesse sentido.

Efeito Trump

Outro motivo igualmente importante era deixar os Estados Unidos atrelados ao acordo. Havia o entendimento de que em uma eventual vitória de Trump, seria mais difícil o país abandonar seus compromissos. Em parte é. Pelas regras do acordo, ele precisa de no mínimo quatro anos para sair para valer. Mas qualquer país sempre pode simplesmente não cumprir internamente regra nenhuma. Outra opção, que alimentou fortes rumores durante a semana, é que Trump simplesmente sairia da Convenção do Clima, o que o tiraria do acordo imediatamente.

O temor de que isso poderia acontecer fez com que todos os países se unissem ombro a ombro para reafirmar repetidas vezes que não vão pular fora, que o barco vai continuar se movendo para frente, que o mundo é maior que os Estados Unidos e que internamente cidades, estados e empresas americanas devem continuar trabalhando nesse sentido, mesmo que o governo federal não o faça. O próprio secretário de Estado, John Kerry, passou essa mensagem.

China, União Europeia, Brasil e diversos outros países reafirmaram suas posições. E o presidente francês, François Hollande, e o secretário-geral da ONU, Ban ki-moon, fizeram fortes declarações conclamando os EUA a não fugirem de suas responsabilidades.

“A boa notícia é que vimos país atrás de país fazer uma declaração bem clara de que pretendem implementar e fortalecer o Acordo de Paris, independentemente do que a administração Trump decidir continuar no acordo ou sair. Nenhum país disse que se Trump sair vai segui-lo. Numerosos estados, cidades e empresas disseram que estão determinados a ficar no curso da ação pelo clima”, afirmou o americano Alden Meyer, da União dos Cientistas Preocupados.

Paralelamente, enquanto a negociação oficial tentava chegar a um acordo sobre como eles devem trabalhar para colocar o acordo de pé, vários grupos foram surgindo para fazer mobilizações mais ambiciosas. Nesta sexta-feira, o Fórum de Vulnerabilidade Climática, que reúne 48 países que se auto-intitulam os mais vulneráveis às mudanças climáticas, como Etiópia, Filipinas e Ilhas Marshall, disseram que vão aumentar a ambição de suas NDCs antes de 2020 e vão alcançar 100% de energias renováveis o mais rápido possível, antes de 2050.

“É uma inspiradora iniciativa, em que os 48 países mais vulneráveis assumem uma liderança na esperança de que eles agindo à frente é a melhor maneira de pressionar outros a fazerem o mesmo. Em vez de falar que vai continuar em frente, eles de fato foram para a frente, assumindo novos compromissos”, elogiou Wael Hmaidan, diretor internacional da Climate Action Network.

Outro grupo menor de nações, aliado a cidades, estados e empresas se uniu para bolar uma estratégia de como avançar nas metas de Paris e chegar a um plano de descarbonizar a economia mundial até 2050. A chamada Plataforma de Caminhos para 2050 foi encabeçada por Laurence Tubiana, embaixadora francesa para as mudanças climáticas e uma das pessoas que esteve por trás do sucesso obtido em Paris no ano passado.

“A ideia agora é que não deveríamos ter apenas governos apontando para a mesma direção, mas cidades e empresas e estados e regiões. A plataforma é para que possamos trocar ideias sobre como aumentar a ambição como meta, fazer os governantes entenderem que podem fazer melhor, porque outros estarão fazendo melhor. Ter empresas dando informações sobre como elas veem evolução de tecnologia, o custo e o que eles querem fazer”, explicou Laurence.

“A COP termina cumprindo seu objetivo de entregar uma agenda de trabalho para os próximos anos, e marcando 2018 como a data de finalização do ‘manual de instruções’ do Acordo de Paris. Mas o sucesso ou fracasso dessa agenda depende do que os 196 membros da Convenção do Clima fizerem de agora em diante para acelerar a implementação do tratado, aumentar a ambição climática o mais rápido possível e assegurar financiamento para países em desenvolvimento, em especial os mais pobres e vulneráveis às mudanças climáticas”, comentou, por meio de nota, o Observatório do Clima.

“A lição de Marrakesh é que, cada vez mais, o debate climático se afasta das salas fechadas de negociação das conferências internacionais e se instala no mundo real – nas empresas, na sociedade civil, muito além dos governos. Em Marrakesh, as COPs podem ter começado a sair da ribalta para dar lugar à ação”, afirmou a rede de ONGs brasileiras.

* A repórter viajou a Marrakesh a convite do Instituto Clima e Sociedade