Foto: Ciciro Back/O Estado

 Ministro Marco Aurélio de Mello: "As CPIs não podem fazer com que os fins justifiquem os meios".

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O presidente da CPMI dos Correios, senador Delcídio Amaral (PT-MS), afirmou ontem que a crise no País está deixando de ser política para se estabelecer entre os Poderes. A afirmação foi feita quando, em entrevista à imprensa, Delcídio respondeu sobre a interferência do Supremo Tribunal Federal (STF) no processo de cassação movido pelo Conselho de Ética da Câmara contra o deputado José Dirceu (PT-SP) e sobre a concessão de liminares pelo Supremo, favorecendo corretoras e fundos de pensão que tiveram a abertura de sigilos bancário e fiscal aprovados pela CPI.

"Respeito o STF, agora acho que é preciso conversar, as coisas chegaram a uma situação quase insustentável. A crise está deixando de ser política e está virando entre os Poderes, e isso é muito complicado para o Brasil", afirmou Delcídio. A CPMI questiona uma liminar concedida à corretora Euro pelo ministro do STF Marco Aurélio de Mello, que impediu o acesso ao sigilo bancário da empresa. A suspeita da comissão é de que a corretora teria participado de operações que causaram prejuízos a alguns fundos de pensão.

Na quinta-feira, Delcídio foi ao STF para mais uma vez justificar os pedidos de abertura de sigilos de corretoras e fundos de pensão. "Nós informamos ao ministro por que quebramos os sigilos dessas corretoras, com base, inclusive, em relatórios da própria CVM (Comissão de Valores Mobiliários) e de outros órgãos de controle do sistema financeiro, demonstrando que essas corretoras apresentavam várias irregularidades", disse.

O senador Ramez Tebet (PMDB-MS) defendeu, em discurso no plenário do Senado, o diálogo entre o Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF) para evitar a crise. Já o líder do PSDB no Senado, Arthur Virgílio (AM), alertou que se Dirceu não for julgado e cassado pela Câmara todos os demais parlamentares supostamente envolvidos no mensalão também poderão ser absolvidos.

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"Está aberto um perigoso caminho que poderá desembocar em uma aliança da impunidade. Por isso, é necessário que seja iniciado um processo legítimo de pressão por parte de todos, incluindo os segmentos de opinião da sociedade, para que José Dirceu e os parlamentares envolvidos em ilicitudes tenham um julgamento implacável", argumentou.

O Conselho de Ética realiza uma operação para convencer os ministros do Supremo a mudarem seus votos favoráveis à interrupção do processo contra Dirceu. A assessoria jurídica e técnica do conselho ainda está trabalhando no memorial que será enviado ao STF. No documento, os assessores pretendem esclarecer como é o funcionamento de um processo de cassação no órgão, como a falta do poder de convocação das testemunhas.

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Assim que o memorial for concluído, um funcionário do conselho vai protocolar o documento no STF. O presidente do conselho, deputado Ricardo Izar (PTB-SP) que está nesta sexta-feira em São Paulo, deverá ir ao Supremo na próxima terça-feira.

Na quinta-feira, a temperatura da crise subiu, com ameaças até de um mandado de segurança contra o próprio tribunal. No entanto, no fim do dia o conselho e a Mesa da Câmara optaram pelo envio de notas técnicas explicativas aos ministros. O presidente Aldo Rebelo (PCdoB-SP) disse que a votação do pedido de cassação deverá acontecer mesmo na quarta-feira.

Supremo não acompanha visão apaixonada, diz Mello

Rhodrigo Deda

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Marco Aurélio Mello, disse ontem em Curitiba que as divergências entre Legislativo, Judiciário e o Executivo, a respeito de cassações de deputados e das atividades das comissões instaladas, não configuram uma crise no relacionamento dos poderes, mas são, na verdade, uma questão vinculada à democracia e a intangibilidade da Constituição. "E é um preço módico seguir as regras estabelecidas", disse.

Assim, o ministro justifica o seu voto em favor de José Dirceu, no processo que pede a suspensão do processo de cassação no Conselho de Ética da Câmara. "Percebo que alguns parlamentares estão com uma visão política apaixonada, mas a última palavra do STF é técnica e não, política", afirmou. Segundo Mello, a posição que ele outros três ministros assumiram, justifica-se porque não foi respeitado o amplo direito de defesa, com testemunha de acusação prestando depoimento depois das de defesa. O ministro entende que as testemunhas de defesa devem ser ouvidas novamente, a fim de se garantir os princípios constitucionais. Para ele, a posição do ministro Cezar Peluso, de retirar o testemunho da presidente do Banco Rural, Kátia Peluso, do relatório do deputado Júlio Delgado (PSB-MG), não é uma boa saída. "É mais interessante para o processo que haja a defesa dessas acusações".

Para o ex-presidente do STF, a atuação das CPIs é importante, mas elas não podem fazer com que os fins justifiquem os meios. "Que é o que vem acontecendo", afirmou o ministro. Mello entende que a quebra de sigilo bancário ou telefônico deve ser a exceção e, para tal, é preciso que seja justificada. Foi com base nesse princípio, segundo ele, que foi concedido o pedido de liminar que deferiu à corretora Euro, impedindo que CPMI dos Correios tivesse acesso ao sigilo bancário da empresa. "Tanto que a comissão, agora, entrou com o pedido de reconsideração, que deverá ser analisado", afirmou.

O ministro esteve em Curitiba para participar como um dos conferencistas do Seminário de Direito do Trabalho promovido pela OAB-PR e a Associação dos Advogados Trabalhistas do Paraná. Mello prestigiou também o lançamento do livro "Direito do Trabalho e Dignidade da Pessoa Humana, no Contexto da Globalização Econômica", de autoria da juíza Dinaura Godinho Pimentel Gomes, na Associação dos Magistrados do Trabalho do Paraná.