Brasília – O crime organizado movimenta US$ 2 trilhões por ano, sendo que US$ 1,4 trilhão circulam no sistema financeiro. Segundo Giovanni Quaglia, representante das Nações Unidas contra Drogas e Crime (UNODC) para o Brasil, os números representam entre 2% e 5% do Produto Interno Bruto (PIB) mundial. Quaglia participou ontem da abertura do Encontro Internacional de Combate à Lavagem de Dinheiro e Recuperação de Ativos, que termina amanhã no Superior Tribunal de Justiça (STJ).
“É difícil chegar a dados muito confiáveis em relação ao crime organizado mas, entre os “experts”, este é o consenso. A maioria dos valores circula no sistema financeiro e a corrupção é o crime que mais movimenta a lavagem de dinheiro. Dos US$ 2 trilhões, US$ 1 trilhão são da corrupção, de US$ 300 a US$ 400 bilhões são das drogas e também entre US$ 300 e US$ 400 bilhões são do tráfico de armas. O restante equivale a tráfico de seres humanos, contrabando e roubo de carga”, revelou o representante da ONU. Segundo ele, não há dados específicos para o Brasil. Quaglia ressaltou, no entanto, que, no país, há elevada troca de carros roubados por drogas e de drogas por armas. “Isto não passa pelo sistema financeiro.”
Giovanni Quaglia afirmou que, nos últimos anos, os avanços no combate ao crime organizado se deram mais nos atos normativos do que na prática. “Mais países assinaram as convenções internacionais, acordos bilaterais, mas este é um caminho a médio e longo prazo. Temos que lembrar que a Conferência Internacional do Crime Organizado foi assinada em 2000 e ratificada no início deste ano pelo Brasil. Estamos bem no início, mas a parte normativa é muito importante”, considerou.
Depois disso, segundo Quaglia, será preciso transformar as normas em operações concretas. Ele lembrou que a quebra do sigilo bancário facilitaria o combate ao crime organizado. “Deve-se, no entanto, respeitar os interesses individuais, que são muito importantes em um regime democrático”.
Cooperação internacional
Ao participar da abertura do encontro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse que o governo quer estreitar os laços de cooperação internacional nas operações de combate à lavagem de dinheiro e de recuperação dos valores desviados. Com a ampliação de acordos e parcerias internacionais, o governo quer ampliar a eficácia das ações contra crimes financeiros. “O pleno sucesso nesse combate, nós sabemos, não se dará pela ação isolada de qualquer país. Ele depende de ações integradas entre as nações para que os resultados positivos possam ser universalizados”, afirmou Lula. Segundo ele, em dezembro, serão elaboradas estratégias de ação para 2005, com o aprimoramento das práticas realizadas até agora.
Na avaliação de Lula, o governo tem sido “implacável” no combate à lavagem de dinheiro. O presidente afirmou que repetidas operações policiais têm culminado na prisão de criminosos importantes e na apreensão de grandes valores. “Assiste-se hoje a um ação sem precedentes contra os grupos ilícitos que há muito operavam em território nacional com relativa impunidade. A desarticulação de muitos desses grupos reflete um esforço concentrado de planejamento, inteligência, tecnologia, prevenções e ações concretas que agora passamos a ter.”
Lula afirmou que a luta contra o crime financeiro, em especial contra a lavagem de dinheiro, é uma das prioridades de seu governo. “Temos razões históricas para essa escolha. A sociedade tem conhecimento de que recursos ilegalmente desviados do patrimônio público, às custas do bem-estar da população, foram sistematicamente remetidos e lavados no exterior. Esse dinheiro faz falta ao nosso povo. Deve ser localizado, recuperado e os responsáveis por seu desvio presos e julgados”, afirmou.
Ao comentar as dificuldades no combate a esses crimes, o presidente parafraseou o cantor Zeca Pagodinho, ao advertir os presentes de que os criminosos “têm bala na agulha”, emendando, ainda, que o apresentador de TV Ratinho diria que “essa gente tem café no bule”. No discurso, Lula disse que “nunca a Polícia Federal fez tanto em tão pouco tempo com tanta eficácia” afirmou.
O presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro Edson Vidigal, que também participou do encontro, defendeu o fim dos paraísos fiscais. “Precisamos denunciar e partir para acabar com os paraísos fiscais. Não faz sentido remeter tanto dinheiro a essas ilhas do inconfessável ainda que sob a cobertura de normas legais”, discursou.
Mudanças na lei de lavagem de dinheiro em estudos
O Ministério da Justiça estuda mudanças na lei de lavagem de dinheiro, criada em 1998. Segundo a secretária nacional de Justiça, Cláudia Chagas, uma das propostas em análise prevê o fim da lista dos chamados crimes antecedentes ao de lavagem de dinheiro. “A lei atual estabelece quais crimes podem ser antecedentes de um segundo crime de lavagem de dinheiro, entre os quais corrupção, seqüestro, tráfico de entorpecentes, é um rol exaustivo”, explicou.
Segundo a secretária, essa já é uma tendência seguida por países que reforçaram as medidas de enfrentamento da lavagem de dinheiro. “O que se sente é que, com o avanço do combate à lavagem de dinheiro, muitos países já sentiram necessidade e passaram para uma lei mais ampla, onde não existe essa lista de crimes antecedentes. Então pode cometer o crime de lavagem de dinheiro aquele que omitiu a origem ilícita de recursos obtidos por qualquer crime”, destacou a secretária.
O ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, salientou que o tema lavagem de dinheiro entrou de vez na agenda nacional. “Temos uma Estratégia Nacional de Combate à Lavagem de Dinheiro, temos um instrumento de gestão, que é o Gabinete de Gestão Integrada de Combate à Lavagem de Dinheiro; estamos incrementando, cada vez mais, nossos acordos de cooperação internacional, esperamos que até o fim do mandato do presidente a gente tenha assinado e em plena operação tratados com 50 países.”
Bastos reiterou que não existe uma “solução mágica” para reduzir a lavagem de dinheiro no país, que, no seu entendimento, é causa final do crime organizado. Segundo ele, as medidas postas em prática pelo governo envolvem a coordenação entre vários órgãos envolvidos no combate a essas atividades criminosas.