Todo verão ela faz tudo sempre igual: estuda ou trabalha de dia para aproveitar a praia no Arpoador à noite. Torrar ao sol não é para a estudante de Psicologia Nina Rodrigues, de 22 anos. “Sol forte me faz muito mal, não tenho prazer de ficar na praia de dia. Venho de noite desde o verão de 2014. Uma vez, com um grupo de amigos, entrei no mar às 20 horas e só saí 0h30, ficamos conversando, olhando os pescadores…”, contava a carioca por volta das 20h30, sentada com uma amiga em uma canga estendida no pequeno trecho da praia da zona sul do Rio.

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Cantado por Cazuza, frequentador nos anos 1970 e 1980, o Arpoador, com sua parca extensão de 500 metros, há muito não anoitece sob a lua deserta. Desaconselhado pelos guarda-vidas que trabalham no posto 7, o hábito da praia noturna de verão não é novidade, mas se intensificou nos últimos dois verões. Para bombeiros e policiais, não há segurança no mar nem nas areias, a despeito da presença de uma base fixa da Polícia Militar, que fica a 800 metros das pedras, e de guardas municipais.

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Às sextas-feiras, o trecho junto às pedras, iluminado pelos potentes holofotes do calçadão, fica ainda mais cheio. O movimento se estende até 23 horas, zero hora, ou mais, segundo os quiosqueiros. São cariocas que trabalham com roupa de banho dentro da bolsa, para seguir direto do expediente; afortunados em férias, que chegam no fim da tarde e emendam; e turistas de outros Estados e países que não suportam o sol severo.

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O que mais se vê são casais de diferentes idades, famílias com crianças, grupos de jovens, gente que troca o bronzeado pelas temperaturas mais amenas – em média, os termômetros marcam pelo menos sete graus abaixo do que registram de dia. Na semana passada, o movimento foi até terça-feira. Na quarta, o tempo virou, e só choveu.

“Fui trabalhar com a bermuda na mochila e passei o dia todo ansioso”, disse o analista de sistemas Cristiano Oliveira, de 39 anos, ao lado da namorada. Ele já está acostumado a trocar o terno pela roupa de banho dentro do estacionamento do trabalho. O passo seguinte é passar no posto de gasolina, pegar o isopor no porta-malas e enchê-lo de gelo, cerveja e energéticos.

Para quem vai com crianças, não ter de se preocupar com a proteção do sol é libertador. “Pode parecer estranho vir de noite, mas com 40°C não trago mesmo meu filho”, explicou a dona de casa Brena Carvalho. Ela saiu de Ramos, na zona norte do Rio, distante cerca de 20 quilômetros do Arpoador, com o marido e o pequeno Miguel, de 3 anos, que se divertia na areia sob o luar.

A largada é dada pelo pôr-do-sol visto das pedras, considerado um dos mais bonitos da cidade, e que segue motivando aplausos de moradores e visitantes. No horário de verão, o sol tem sumido por volta das 19h30. É quando termina o expediente dos guarda-vidas – os postos funcionam das 7h30 às 18 horas, mas têm se mantido abertos até as 19h30, justamente por causa da frequência prolongada.

Sem estrutura. “A praia não está preparada para receber o público à noite, não há estrutura. As pessoas se embebedam e depois caem no mar, podendo se afogar ou se machucar nas pedras. A maioria não tem familiaridade com o mar. A iluminação não é suficiente. Se houver uma emergência, não dá tempo de socorrer. Além disso, quase todo dia tem arrastão”, lamentou um guarda-vidas, que não quis ter a identidade publicada.

A reportagem constatou que as recomendações oficiais do Corpo de Bombeiros para que os banhistas não usem bebidas alcoólicas antes de entrar no mar e para que evitem o banho depois de se alimentar são ignoradas à noite, assim como acontece com os frequentadores das praias durante o dia. Como as barracas que vendem bebida só têm autorização para funcionar até as 20h30, os frequentadores noturnos levam os próprios isopores com bebidas e salgadinhos. Isso aumenta a quantidade de lixo na areia.

A PM informou que as praias do Leme, Copacabana e Ipanema passaram este mês a contar, além do policiamento de rotina, com o apoio diário de mais 20 PMs e cinco carros. A nova comandante da Guarda Municipal, Tatiana Mendes, que assumiu na quinta-feira, anunciou que os guardas vão auxiliar a PM na prevenção de crimes nas praias da zona sul, com revistas de passageiros de ônibus.

“Tenho trabalhado até umas 23 horas por causa desse movimento. Sai um turno de banhistas e entra outro”, brincou o quiosqueiro Genildo da Silva. “Mas tem muito assalto e roubo de celular, e as pessoas sentem medo de voltar, ficam traumatizadas. Um aumento nas vendas podia ser uma solução para a crise, mas não é.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.