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Cracolândia tem reintegração de posse; promotor diz que ação foi irregular

A Justiça de São Paulo cumpriu de forma pacífica nesta segunda-feira, 16, um mandado de reintegração de posse de nove imóveis na região da Cracolândia, no centro da capital. De acordo com o governo do Estado, 163 famílias são afetadas pela ação. A quadra 36, como ficou conhecido o local, foi desapropriado pelo Estado para abrigar o Hospital Pérola Byington. Na sexta-feira, 13, a Justiça determinou a reintegração de nove imóveis. A ordem de despejo foi marcada para a manhã desta segunda.

A quadra fica entre as Alamedas Glete e Barão de Piracicaba, Avenida Rio Branco e Rua Helvétia. Segundo o governo, neste domingo, 15, foram cadastradas 52 famílias. Outras saíram ao longo da semana e restam 10 famílias no local. Entre os endereços, estão um casarão tombado na esquina da Avenida Rio Branco, um prédio de três andares, um ferro-velho e cortiços.

Para o promotor de Habitação e Urbanismo Marcus Vinicius Monteiro, que acompanhou a reintegração na manhã desta segunda, a ação foi feita de forma atropelada e irregular. Segundo ele, os imóveis não deveriam ter sido desapropriados sem a aprovação do Conselho Gestor da quadra.

“Qualquer intervenção urbana que se deseje fazer aqui depende necessariamente de um Conselho Gestor que nem tomou posse e foi criado às pressas”, afirmou Monteiro.

Além disso, de acordo com o promotor, o projeto do hospital ainda não tem aprovação da Prefeitura. Monteiro estuda mover uma ação contra o Estado ainda nesta semana, mas não quis dar detalhes.

A Secretaria Estadual da Habitação informou que todas as famílias dos imóveis ocupados vão receber auxílio aluguel de R$ 1,2 mil no primeiro mês e R$ 400 nos demais, até que as unidades habitacionais sejam entregues. As pessoas removidas assinaram um termo antes de sair, segundo a pasta.

De acordo com a Prefeitura, 163 famílias que viviam no local foram cadastradas no sistema de habitação da cidade. No início da tarde, ao menos duas famílias ainda não haviam saído dos imóveis. Nos locais deixados pelas famílias, operários ergueram paredes de alvenaria para impedir o retorno da ocupação.

O comerciante Porfírio Rabaça Valente, de 90 anos, morava há aproximadamente seis décadas em um dos apartamentos reintegrados pela Justiça na Alameda Glete. “Me avisaram só ontem. Foi uma correria para tirar tudo”, diz ele. “Além disso, não acho justo o valor que me deram de indenização. Vale mais do que me deram.”

Segundo Valente e o genro, o técnico de informática Emiliano Santos, que acompanhou o cumprimento do mandado com o parente, o Estado indenizou em R$ 134,9 mil, mas o imóvel vale mais do que o dobro.

No prédio onde Valente morava, outras cinco famílias residiam de aluguel e também foram retiradas. No casarão da esquina da Alameda Glete com a Avenida Rio Branco, nove famílias que ainda não foram cadastradas pela Prefeitura de São Paulo permanecem no local, de acordo com o advogado Thiago Nascimento.

No fim da manhã, três imóveis estavam pendentes de cumprimento de mandado porque os moradores disseram não ter sido procurados para cadastro habitacional. A previsão da Justiça era retirar os moradores até esta segunda. Entre os que continuaram no imóvel, o autônomo Nathan Luiz do Nascimento, de 23 anos, alegava residir há nove em um quarto na Alameda Barão de Piracicaba.

“A única coisa que me impede de sair é o cadastro. As outras três pessoas que moravam no mesmo prédio que eu foram cadastradas e saíram. Eu fiquei. Me recuso a sair porque não tive atendimento”, afirma o autônomo.

Já o comerciante de um ferro-velho na Alameda Glete José Eduardo Tadeu, de 63 anos, não ofereceu resistência. Ele se queixa, no entanto, do prejuízo. “Tenho funcionários aqui, com despesa mensal de R$ 5 mil. Aqui em São Paulo, não tenho para onde levar toda a minha mercadoria de sucata, então terei de colocar tudo em um galpão de um primo em Taubaté”, disse.

A Prefeitura informou que os residentes podem apresentar documentação que comprove vínculo com a área no plantão de atendimento da Prefeitura ou da Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU) na base da Polícia Militar que funciona 24 horas na região da Cracolândia.

Em nota, a Secretaria Municipal da Habitação informou que o Conselho Gestor foi eleito no sábado com 12 membros, entre sociedade civil e poder público. A formação do Conselho é necessária, e prevista no Plano Diretor Estratégico (PDE), uma vez que a quadra fica em uma Zona Especial de Interesse Social (ZEIS 3). O Conselho será deliberativo sobre as propostas de requalificação da quadra 36.

“Durante o cadastramento, realizado em dias e horários variados, a secretaria identificou 163 domicílios e cadastrou 147 famílias presentes nos domicílios, dessas 111 optaram pelo atendimento com auxílio-moradia pago pelo governo do Estado (CDHU). O restante não aceitou ou manifestou interesse”, informou a pasta municipal da Habitação.

O caso

Em 2013, o governo entrou com uma ação pedindo a reintegração de posse da quadra. Apesar de a juíza Alexandra Fuchs, da Central de Mandados, ter determinado a suspensão de todas as remoções da quadra 36 com base em pedido do Ministério Público, o governo do Estado recorreu ao Tribunal de Justiça e conseguiu manter a ordem de despejo das famílias marcada para a manhã desta segunda.

Neste domingo, caminhões de mudança e vans da Construcap, empreiteira que irá construir o novo prédio do hospital, estavam no local para transportar as dezenas de famílias que viviam nos imóveis. Elas foram desalojadas mediante o pagamento de três meses de auxílio-moradia (R$ 1,2 mil). Elas continuarão recebendo mensalmente R$ 400 até a entrega de um imóvel definitivo.

A Secretaria Estadual da Saúde prevê que, após a saída dos moradores dos 23 imóveis da quadra 36, o prazo de conclusão da obra é de no máximo 36 meses.

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