A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que mira Organizações Sociais de Saúde (OSs) na Assembleia Legislativa de São Paulo identificou 22 médicos do Estado que também são donos de empresas que prestam serviços para entidades responsáveis pela gestão de hospitais públicos de São Paulo em contratos milionários.
Um dos médicos que estão nesta situação, Michel Fukusato pediu exoneração após ser convocado para esclarecimentos na Assembleia Legislativa de São Paulo. Ele é dono da SAM Clínica Médica, que foi contratada pela Cruzada Bandeirante São Camilo, que administra o Hospital Geral de Carapicuíba, e pela Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina (SPDM), que administra os hospitais Pirajussara e Guarulhos.
Em três contratos com as entidades, que recebem do Estado para administrar hospitais, a empresa dele levou R$ 11,7 milhões. Questionado pelo deputado estadual Carlos Neder (PT) sobre sua situação atual, ele afirmou ter deixado a carreira no estado. “Eu achei por melhor pedir para não ter nenhum problema para mim ou para a organização”.
Ele disse que inicialmente não via conflito em ser servidor contratado como empresário para a prestação de serviços a hospital público. “No meu entendimento, servidor não poderia ter duplo vínculo. Ser servidor e, ao mesmo tempo, prestar serviços como PJ (pessoa jurídica) na mesma unidade”, alegou.
O depoimento de Fukusato se deu no dia 6 de junho. Ele alegou que nunca foi chamado pelo Estado a prestar esclarecimentos sobre o ‘duplo ganho’.
No entanto, Ronaldo Laranjeira, que é presidente da SPDM, desmentiu o ex-médico do estado. “Temos um manual de compliance. E lá está escrito que a pessoa assina e o próprio Sr. Michel Fukusato que veio a essa reunião esqueceu que ele tinha assinado a seis meses atrás, e eu vou passar ao Presidente que ele tinha assinado nosso manual de compliance e que não poderia ser servidor”.
Além de ser servidor público e prestar serviços a duas entidades, na área privada, Fukusato afirmou ainda ter um terceiro emprego, como dirigente de um outro hospital em Mogi das Cruzes, quando questionado pelo presidente da Comissão, Edmir Chedid.
Além de Fukusato, outros quatro médicos do Estado, que recebem salários de R$ 7 mil até R$ 13 mil são sócios da SAM.
Outro contrato, no valor de R$ 172 mil, foi firmado entre a Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina (SPDM), que gere o hospital Pirajussara, e a empresa Ped Care, que está em nome de oito médicos concursados do Estado que ganham em torno de R$ 7 mil mensais de salário.
A OSS Fundação ABC, que administra o hospital Estadual Francisco Morato, contratou a empresa NAM, que tem quatro médicos do Estado em seu quadro societário, para o gerenciamento de sua UTI Neonatal, por R$ 3,1 milhões.
Quatro médicos do Estado também integram o quadro societário da Ortis Cirurgia Ortopédica, que presta serviços em um contrato de R$ 5,1 milhões para a OSS Serviço Social da Construção Civil, administradora do hospital Geral de Itapecerica da Serra.
CPI
O TCE havia encaminhado à CPI das OSs (Organizações Sociais de Saúde), na Assembleia Legislativa, relatório em que aponta 23 irregularidades na execução de convênios do Estado e de municípios de São Paulo com entidades sem fins lucrativos habilitadas a administrar hospitais públicos.
Os apontamentos se referem apenas a contratos no interior. Entre as constatações estão contratos com parentes de dirigentes das ONGs envolvendo dinheiro público e suspeita de fraudes nas folhas de ponto dos hospitais. As chamadas “quarteirizações” – contratações terceirizadas pelas OSSs para atividades-fim – também foram identificadas pela Corte.
Defesas
A Secretaria de Estado de Saúde esclarece que a “conduta de servidores é regulamentada pelo Estatuto dos Funcionários Públicos do Estado, e cabe a cada profissional ter ciência de suas atribuições e deveres. Em eventuais irregularidades, são tomadas providências com base na legislação pertinente. Os casos denunciados e em possível desacordo com o Estatuto dos Servidores são direcionados à Procuradoria Geral do Estado, órgão responsável por conduzir processos disciplinares”.
“As Organizações Sociais, entidade sem fins lucrativos que gerenciam serviços junto à pasta, têm autonomia para utilizar os instrumentos gerenciais que considerar adequados para o bom funcionamento dos hospitais que estão sob sua administração por meio de contrato com a Secretaria.
Os contratos de gestão estabelecem as metas de atendimento das OSS, que podem contratar pessoas físicas ou empresas para o atendimento à população e devem prestar contas ao Estado em relação ao uso dos recursos públicos que recebem, o que tem sido feito regularmente.
A pasta preza pela transparência, monitoramento e controle dos contratos, com rigorosa verificação de cumprimentos pela Secretaria e por comissão específica que integra autoridades, representantes do Conselho Estadual de Saúde, além de profissionais renomados de outras instituições. Para toda e qualquer excepcionalidade constatada, são tomadas providências ou prestados esclarecimentos. O aprimoramento da gestão e da qualidade dos serviços é preocupação permanente.A Secretaria segue à disposição da CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito)”, diz a nota.
A Cruzada Bandeirante São Camilo Assistência Médico-Social também se manifestou dizendo que “mantém contrato de gestão com a Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo (SES/SP) para operacionalização da gestão e execução de atividades e serviços de saúde do Hospital Geral de Carapicuíba (HGC), desde 2009, entende que a contratação da empresa Serviço de Anestesiologia Mogiama (SAM) foi feita de forma regular, obedecendo a legislação e as regras pertinentes”.
“Para além desse entendimento, a suposta quarteirização de serviços médicos pelo HGC também não é procedente, tendo em vista que o contrato de gestão com a SES/SP é de parceria e não de terceirizacao, o que não caracteriza quarteirização”, escreveu.
A reportagem tentou contato por e-mail e telefone com a Seconci, SPDM e outras entidades citadas. O espaço está aberto para suas manifestações.