Numa pequena sala no subsolo do Congresso, atulhada por meia tonelada de recibos de depósitos e saques milionários, a CPI dos Correios começa a montar a lista de parlamentares que devem ser punidos com a perda de mandato. Já existe consenso na comissão sobre 19 parlamentares passíveis de cassação por quebra de decoro – conseqüência do envolvimento desses parlamentares em fraudes financeiras, fiscais e eleitorais, e corrupção. É muito provável que surjam novos nomes de parlamentares nos próximos dias.
Por enquanto, estão na mira da CPI para processos de perda de mandato os seguintes deputados: do PTB, Roberto Jefferson (RJ) e Romeu Queiroz (MG); do PT, José Dirceu ( SP), João Paulo Cunha (SP), Professor Luizinho (SP), Paulo Rocha (PA), José Mentor (SP), João Magno de Moura (MG) e Josias Gomes (BA); do Partido Liberal (PL), Valdemar Costa Neto (SP), Sandro Mabel (GO), Carlos Rodrigues (RJ) e Vandeval Lima dos Santos (SP); do PMDB, José Borba (PR); do PDT, Luiz Piauhylino de Mello Monteiro (PE); do Partido Progressista (PP) Pedro Corrêa (PE), José Janene (PR) e Romel Anízio Jorge (MG); além de João Mendes de Jesus, sem partido, que renunciou à presidência do PSL.
Em 16 desses casos, há comprovação de repasses de dinheiro do empresário Marcos Valério Fernandes de Souza, acusado de ser um dos operadores do mensalão e tesoureiro informal do Partido dos Trabalhadores até junho. Em outras situações – como as dos deputados Roberto Jefferson, José Dirceu e Sandro Mabel – acumulam-se indícios e provas testemunhais de quebra de decoro parlamentar e participação em um sistema ilegal de financiamento de partidos e políticos.
O ex-presidente do PTB Roberto Jefferson se auto-incriminou ao confessar o recebimento de R$ 4 milhões de Marcos Valério. Dirceu foi ministro até maio passado e foi acusado de beneficiar bancos e empresas que repassaram recursos ao PT no valerioduto. Sandro Mabel foi acusado por tentativa de cooptação de parlamentares, com oferecimento de dinheiro. Dirceu e Mabel negam tudo.
Em 15 dias a CPI deve apresentar as primeiras recomendações de cassação de mandato, prevê o deputado Gustavo Fruet (PSDB-PR), responsável pelo relatório bancário.
O Congresso tem pressa. Sobretudo porque as normas internas prevêem prazo mínimo de 30 dias e máximo de três meses para decisão, em votação secreta. Nesse período, o Legislativo será paralisado. ?É filme conhecido: chega a hora em que se tem de fazer um círculo. E quem fica dentro dele vai a processo?, explica o presidente da CPI, senador Delcídio Amaral (PT-MS).
A CPI funciona, na prática, como um tribunal político. Segue normas processuais na investigação e produção de provas. Mas seu poder punitivo se restringe ao Congresso. A comissão trabalha com uma lógica inversa à do Judiciário: a presunção é de culpa. Ao acusado cabe o ônus da demonstração de inocência. ?Para essa comissão, o reconhecimento dos fatos vale mais do que a prova jurídica, que é coisa dos tribunais?, acha o senador Sérgio Guerra (PSDB-PE).
Outro oposicionista, senador Heráclito Fortes (PFL-PI), exemplifica: ?Sobre Dirceu há um imenso oceano de indícios e provas testemunhais. Vamos arrastar esse caso por mais um ano e seis meses??. ?A situação dele é muito difícil?, admite o senador Eduardo Suplicy (PT-SP). Por trás da pressa pela depuração rápida no Congresso estão preocupações distintas.
Uma é institucional, com a abertura de espaço para entendimentos no Congresso Nacional e conseqüente redução dos danos políticos. Seria a melhor alternativa, tem repetido Nelson Jobim, presidente do Supremo Tribunal Federal. Outra preocupação é com a biografia e a sobrevivência na política da maioria parlamentar não envolvida nos escândalos. Os parlamentares passam o tempo pensando no reencontro com o eleitorado em 2006, quando planejam a reeleição.
Frossard: ?Nunca vi algo assim?
Brasília – A tensão na Comissão Parlamentar de Investigação Mista dos Correios tende a aumentar, acha a deputada Denise Frossard (PPS-RJ), na medida em que começar a desfilar os parlamentares acusados. E eles não são poucos. Frossard disse que aguarda ?o desfile dos nossos?. Quando começar, avisa, vai aparecer na CPI com o Código Penal debaixo do braço e mandados de prisão nas mãos: ?Nunca vi algo assim. No meu antigo tribunal daria dez anos para cada um, sem contar as penas por crimes antecedentes?, afirmou a deputada.
Enquanto isso, os integrantes das CPIs trabalham duro, mas também têm sido protagonistas de cenas agressivas e hilariantes. Como as sessões são transmitidas ao vivo por emissoras a cabo, os investigadores atuam como atores desempenhando um papel para os eleitores em casa. A veemência dos integrantes da CPI dos Correios tem obrigado o presidente, senador Delcídio Amaral (PT-MS), a sair em defesa dos depoentes, em tempo real, quando ele considera que os parlamentares passaram do limite da agressividade.
Uma das cenas mais agressivas ocorreu terça-feira no depoimento de Renilda Fernandes, mulher de Marcos Valério. Ela tinha levado sermões dos deputados Arnaldo Faria de Sá (PTB-SP) e Moroni Torgan (PFL-CE), quando o deputado Júlio Redecker (PSDB-RS) entrou de sola no mesmo tom: ?A sua mãe deve estar sofrendo, não??. O presidente da CPI encerrou a sessão pouco depois da resposta e das lágrimas de Renilda: ?Não, minha mãe não está sofrendo, ela tem Mal de Alzheimer?.
Conhecidos pela valentia verbal, os gaúchos costumam ser duros. O ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares falava havia dez horas quando, à 1h, o deputado Onyx Lorenzoni (PFL-RS), faz uma promessa solene e que dificilmente poderá cumprir se quiser defender seus eleitores. ?Vou jurar aqui, diante da sociedade brasileira, que vou trabalhar vinte e cinco horas por dia para lhe pegar, para lhe pôr onde o senhor tem de estar. E o lugar que o senhor tem que estar é na cadeia?, anunciou.
Alguns integrantes da CPI, como o deputado Arnaldo Faria de Sá, gostam de aplicar pegadinhas, que acabam gerando diálogos hilariantes. Um deles ocorreu no depoimento do ex-secretário-geral do PT Silvio Pereira. ?Foi boa a organização do PT??, perguntou Arnaldo. ?Avalio que sim?, disse Silvio. ?E a desorganização??.