Corrupção vira destaque

Brasília – As cenas de suborno numa sala dos Correios e a tentativa de deputados de extorquir dinheiro do governador de Rondônia, Ivo Cassol, provocaram indignação pública, abriram caminho para a oposição pedir uma comissão parlamentar de inquérito (CPI) no Congresso, mas nem de longe tiveram o sabor da novidade. Nos dois últimos anos, a Polícia Federal prendeu 819 políticos, empresários, juízes, policiais e servidores públicos acusados de crimes que vão do superfaturamento na compra de derivados de sangue à adulteração de leite em pó. Outras 415 pessoas já foram presas em operações da PF no período, no total de 1.234.

Em 45 operações especiais, a Polícia Federal descobriu e atacou nichos de desvio de dinheiro público em todo o País. Delegados e agentes foram chamados para atuar nos 26 estados e no Distrito Federal. As investigações atingiram setores do Legislativo, do Executivo e do Judiciário. Entre os que foram presos por corrupção estão o juiz federal João Carlos da Rocha Mattos, de São Paulo, o ex-governador de Roraima Neudo Campos, o ex-senador Ernandes Amorim, de Rondônia, e o ex-coordenador-geral de Recursos Logísticos do Ministério da Saúde Luiz Cláudio Gomes. Na lista estão 290 servidores públicos e 120 policiais federais e rodoviários federais. Acusações também foram feitas ao ministro da Previdência, Romero Jucá; ao presidente do Banco Central, Henrique Meirelles; e à Confederal, uma empresa do ministro das Comunicações, Eunício Oliveira. Há duas semanas, a governadora Rosinha Garotinho e seu marido, Anthony Garotinho, foram condenados por compra de votos nas últimas eleições. O casal Garotinho foi declarado inelegível por três anos, mas ainda pode recorrer ao TRE. Nesse emaranhado de denúncias, uma das tarefas da Polícia Federal tem sido estabelecer conexões entre as organizações criminosas. Numa das últimas investidas, a PF descobriu estranhos laços entre a quadrilha acusada de fraudar por 12 anos licitações no Ministério da Saúde, a chamada Máfia dos Vampiros, e o mais recente escândalo em torno do suposto esquema de compras superfaturadas nos Correios. Investigada pela Operação Vampiro da Polícia Federal, a empresa ABC Data ajudou o ex-chefe do Departamento de Contratação dos Correios Maurício Marinho a estabelecer os preços básicos de uma licitação de R$ 305 milhões. A licitação foi suspensa na terça-feira passada, dias depois do afastamento de Marinho dos Correios. Com isso, a Operação Vampiro, que estava numa fase conclusiva, volta à ordem do dia.

?PF e CGU fazem desvendamento metódico?

Brasília – Com a sucessão de escândalos, alguns setores da sociedade começaram a desconfiar que a corrupção, que já era elevada, estaria ganhando terreno. Depois de propor, sem sucesso, a CPI do Waldomiro, a oposição voltou a pôr o bloco na rua pela CPI dos Correios. O ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, considera a tese da disseminação da corrupção um equívoco.

Para ele, o que está havendo é um aumento da percepção popular da corrupção, em conseqüência das ações da PF e da Controladoria Geral da União. Segundo o ministro, em nenhum outro momento da história do País um governo se empenhou tanto no combate à malversação dos recursos públicos, mesmo que isso tenha implicado cortar na própria carne. ?Não está havendo aumento de corrupção. Pelo contrário, o que está havendo é o desvendamento metódico e firme da corrupção que havia no País. São esses casos que estão aparecendo e isso aumenta a percepção da corrupção?, diz o ministro. Segundo Bastos, o governo lançou as bases de uma cultura anticorrupção e agora é necessário intensificar a repressão aos crimes de colarinho branco. O ministro da Justiça lembra que sempre foi contra o recrudescimento de penas, mas, para ele, é preciso fazer com que o temor da prisão desmotive a criminalidade.

Com o propósito declarado de combater a corrupção, o governo reforçou a Controladoria Geral da União e criou o Departamento de Recuperação de Ativos no Ministério da Justiça. Mas, mesmo com esses esforços, o governo tem passado ao largo da discussão sobre os vínculos entre indicações políticas para postos-chaves da administração pública e a corrupção. A gravação de lobistas na sala do chefe de departamento responsável pelas compras dos Correios expôs um indicado pelo PTB.

Apesar dos êxitos, as ações da Polícia Federal ainda sofrem contestações. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) já protestou contra algumas ações policiais, principalmente as que tiveram como alvo escritórios de advocacia. Na última quarta-feira, o governador de Alagoas, Ronaldo Lessa, reclamou ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva do tratamento dado pela PF durante a prisão de oito prefeitos e ex-prefeitos alagoanos acusados de desviar dinheiro de merenda escolar, na Operação Gabiru. O governador reclamou até mesmo do nome da operação. Para ele, um desrespeito ao estado, já que gabiru é uma espécie de rato.

Irregularidades também nos municípios

Brasília – A corrupção é mais visível na administração federal, mas está disseminada também nas administrações municipais. Na devassa que fez em 540 municípios nos dois últimos anos, a Controladoria Geral da União (CGU) encontrou irregularidades graves na contabilidade de nada menos do que 408 prefeituras, o equivalente a 75%. Entre as fraudes mais comuns estão desvios de verbas da merenda escolar, superfaturamento de obras e prestação de contas de serviços não executados.

A CGU, comandada pelo ministro Waldir Pires, detecta as irregularidades e envia as informações para o Ministério Público, as câmaras de vereadores e os Tribunais de Contas, entre outros órgãos de fiscalização. Mas nem estas medidas de cunho coercitivo têm inibido os prefeitos.

Relatório da Controladoria informa, por exemplo, que, pela segunda vez consecutiva, voltaram a surgir indícios de desvios de verbas federais na prefeitura de São Francisco do Conde, uma cidade de 26 mil habitantes a cerca de 40 km de Salvador.

?É impressionante. O município caiu duas vezes no programa de fiscalização por sorteio e, nas duas vezes, apresentou problemas?, diz o subcontrolador-geral da União, Jorge Hage.

Os índices de corrupção também podem ser atestados no número de sindicâncias patrimoniais abertas pela CGU em menos de um ano. No momento, estão em curso 70 apurações de casos de servidores públicos que apresentaram sinais exteriores de riqueza incompatíveis com a renda declarada. A idéia da sindicância patrimonial surgiu no primeiro encontro nacional sobre lavagem de dinheiro, promovido pelo Ministério da Justiça no fim de 2003. Com a criação desse novo tipo de sindicância, a Controladoria pode abrir investigação toda vez que desconfiar da riqueza de um servidor. Pelas regras vigentes até então, a abertura de uma investigação estava condicionada à apresentação de denúncia formal com forte indício de algum crime.

A expectativa na Controladoria é que, durante o IV Fórum Global de Combate à Corrupção, entre os dias 7 e 10 de junho, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assine um decreto estendendo a sindicância patrimonial a todas as instâncias do governo federal. Durante o encontro, Lula deverá ratificar também a adesão do Brasil à convenção da Organização das Nações Unidas (ONU) contra a corrupção. O Congresso já aprovou o texto de adesão. A convenção é considerada essencial pela CGU e pelo Ministério da Justiça. Todo país signatário se compromete a ajudar na repatriação de dinheiro de origem ilegal.

Grupos de WhatsApp da Tribuna
Receba Notícias no seu WhatsApp!
Receba as notícias do seu bairro e do seu time pelo WhatsApp.
Participe dos Grupos da Tribuna
Voltar ao topo