A matéria anterior continha uma incorreção: o produtor não chegou a ser preso. Segue texto corrigido e ampliado:
“A maior intervenção de arte urbana do planeta”, diz a descrição do projeto “Aquário Urbano”, lançado há cerca de quatro meses na cidade São Paulo. O grande mural inclui fachadas de 15 edifícios da região central, mas ao menos um dos envolvidos não autorizou a intervenção e somente conseguiu parar o grafite após registrar dois boletins de ocorrência e obter uma decisão judicial favorável.
O produtor cultural do projeto, Kleber Pagú, chegou a ser levado para a delegacia ao pintar a empena do Edifício Renata Sampaio de Ferreira sem a permissão do dono do imóvel, segundo informações do boletim de ocorrência. Depois liberado, ele vai responder por crime ambiental. Ele não nega a acusação e alega que a fachada estava “em estado de abandono”. Por envolver um bem tombado na esfera municipal, a intervenção precisaria também da autorização prévia do conselho municipal de patrimônio, o que não ocorreu.
Na quinta-feira, 21, uma decisão judicial estabeleceu, ainda, uma multa diária de R$ 50 mil caso o produtor insista em pintar o edifício sem autorização. Ele havia procurado o proprietário em janeiro de 2018 para realizar a intervenção, citando receber “apoio da Prefeitura”, mas teve o pedido negado naquela data e em ao menos mais duas ocasiões, segundo o processo.
De acordo com os autos, um funcionário do edifício percebeu que um guindaste no estacionamento vizinho havia pintado a lateral do prédio de cinza e feito o esboço do desenho de um grande polvo. No dia seguinte, 18 de novembro, o gerente da administradora do imóvel registrou um boletim de ocorrência contra Pagú, por crime ambiental e com a especificação “pichação”.
Em 19 de novembro, o produtor enviou novo e-mail à administradora do imóvel, em que argumenta que o “projeto se trata de algo maior, que vem sendo construído em benefício do centro, da cidade e das pessoas”. Ele encerra a mensagem com a seguinte frase, que atribui a Mahatma Gandhi: “Quando uma lei é injusta o correto é desobedecer.”
Na mesma data, véspera de feriado, um responsável pelo edifício viu que a intervenção havia recomeçado. Ele chamou a Polícia Militar, que levou Pagú para a delegacia. O produtor depois foi liberado após a assinatura do “Termo Circunstanciado de Ocorrência Policial”.
A ação judicial foi aberta no dia 21. Na mesma data, a juíza Lúcia Caninéo Campanhã deferiu a tutela da urgência por constatar que os “sucessivos boletins de ocorrência” revelam a “urgência da situação, além da insistência do requerido em prosseguir”.
A juíza determinou multa diária de R$ 50 mil em caso de reincidência e, também, que o produtor apague o grafite e faça a pintura da empena na cor original. Caso não apague a pintura em 10 dias, Pagú terá de pagar outra multa diária, de R$ 5 mil.
Empena estava em ‘estado de abandono’, diz produtor cultural
Ao jornal O Estado de S. Paulo, Kleber Pagú alegou que a empena do edifício estava em “estado de abandono”, com fissuras e pichações, a qual teria sido recuperada pela produção do projeto durante duas semanas antes do início da pintura. O imóvel tem entrada pela Rua Araújo e, no térreo, conta com o funcionamento de uma agência dos Correios. Ele admite que a intervenção foi feita sem autorização e ressalta ainda não ter sido notificado da decisão judicial.
O produtor cultural reitera, ainda, que a empena fica nos fundos e que não faz parte das características arquitetônicas externas mais marcantes do edifício. “Aquário Urbano” foi lançado para ser a “maior intervenção de arte urbana do planeta” e o “único aquário existente que não mantém animais em cativeiro”. Com custo estimado em R$ 4 milhões, foi majoritariamente patrocinado por empresas, incluindo uma construtora e uma marca de tintas, e tem desenhos do artista Felipe Yung, o Flip.
Ao todo, o mural tem previsão de abranger mais de 10 mil metros quadrados, com desenhos de seres aquáticos e tecnologia de realidade virtual (a partir do uso de um aplicativo). Ele inclui, ainda, uma cabine de observação, prevista para ser desenvolvida em um dos edifícios.
Segundo Pagú, a pintura da fachada envolve uma discussão pública ampla, especialmente por envolver um edifício tombado. “Não é só questão de propriedade privada”, diz. “Sua parede externa está em relação comigo, que sou morador da cidade”, acrescenta. “Estou utilizando de uma situação de abandono para mostrar que a cidade está abandonada.”
Pagú afirma que o projeto está em tratativas para iniciar a intervenção em dois edifícios, outros 12 acataram a pintura e o Renata Sampaio Ferreira foi o único a negar. “É uma ocupação artística. Se dependesse de autorização, não seria uma ocupação artística”, justifica. “O grafite às vezes é autorizado e, às vezes, não é autorizado.”
O produtor aponta ainda que o grafite é historicamente marginalizado e que a decisão sobre a continuidade integral do projeto deveria ser pública. Ele disse ainda não saber se as empresas que apoiam a iniciativa têm conhecimento da falta de autorização para a pintura de um dos edifícios. “Sabem que estão apoiando um movimento artístico.”
Projetado por Bratke, imóvel é tombado desde 2012
O Edifício Renata Sampaio Moreira é tombado na esfera municipal desde 2012, como representante da “São Paulo Moderna”, juntamente com outros sete imóveis, como o Copan e o antigo Hotel Hilton. Por isso, precisa de autorização do Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São (Conpresp) para realizar intervenções na parte externa e nas áreas comuns internas.
De 1956, o edifício foi projetado por Oswaldo Bratke, um dos principais nomes da arquitetura paulista. O Estado procurou o advogado do proprietário do imóvel, o qual alegou já ter se manifestado nos autos.